A Bioinformática é uma área multidisciplinar, que envolve Química, Física, Computação e Ciências Biomédicas. Seu principal objetivo pode ser descrito como processar e analisar grandes quantidades de dados oriundos de fontes biológicas, como sequências de DNA, estruturas de proteínas e interações metabólicas. Dito assim, a bioinformática parece escrava dos experimentos realizados em bancada. Como uma Gata Borralheira, sempre resolvendo a bagunça da casa, organizando e catalogando as sequências de DNA, localizando mutações patológicas, descrevendo a estruturas de proteínas… E a bioinformática até que também faz isso (e no início de sua história, fazia apenas isso). Mas ela faz muito mais! Tanto que é impossível considerar experimentos realizados hoje sem suporte de ferramentas computacionais. Entretanto, a bioinformática já não se encontra amarrada a um papel secundário. Em muitos casos, as descobertas são feitas via computação e apenas confirmadas em bancada.

Imagem adaptada de http://www.hurriyet.com.tr/kadina-yonelik-siddet-vitrinde-23035426

Exemplos de aplicações biotecnológicas da bioinformática incluem a biologia sintética e o desenvolvimento de fármacos e defensivos agrícolas. O campo da biologia sintética tem tomado força como uma tecnologia democrática, onde qualquer pessoa com infraestrutura mínima é capaz de modificar microrganismos para fins de interesse próprio. A iniciativa para biologia sintética visa que qualquer indivíduo possa criar suas próprias biofábricas, usando bactérias ou leveduras para produzir novos compostos. Isso é possível pela inserção de módulos de DNA de diversas fontes (como peças de Lego®), adicionando novas ou modificando antigas vias metabólicas. Assim, é possível produzir bactérias que mudam de cor de acordo com a composição das fezes para indicar deficiências nutricionais ou a propensão a câncer do indivíduo. Da mesma forma, é possível criar bactérias  que degradam isopor, leveduras que dão aroma de baunilha para a cerveja ou um brilho dourado ao queijo, tornando-o visualmente mais agradável. Atualmente, é possível para laboratórios com poucos recursos (mesmo aqueles que funcionam em uma garagem bem equipada) realizar a montagem de genomas inteiros. As possibilidades são ilimitadas. Até mesmo um microrganismo com genoma totalmente sintético já foi criado, provando que a técnica é totalmente compatível com a vida!

Fonte: https://aboveaverage.com/finally-diverse-poop-emojis/

Mesmo que para alguns pareça ficção científica, a popularização da biotecnologia era o objetivo da chamada Engenharia Genética na década de 1970, no início da biologia molecular “moderna”. Hoje realmente existem pessoas realizando esses procedimentos em suas garagens. A bioinformática entra como uma interface rica em conhecimento, facilitando todo o processo, sugerindo as melhores maneiras de intervir no metabolismo normal das células usadas para sintetizar novos compostos e aprimorar seu rendimento, avaliando a compatibilidade entre blocos diferentes, etc. Basicamente, facilitando o acesso à biotecnologia básica, para que ela seja tão popularizada quanto assar um bolo.

Fonte: http://www.eyeondna.com/2009/08/03/happy-dna-birthday-to-esther-dyson/

Por sua vez, o desenvolvimento de fármacos talvez constitua o exemplo mais marcante da importância da bioinformática na biotecnologia. Uma das estratégias mais empregadas para guiar o desenvolvimento de novos fármacos é a triagem virtual (virtual screening). Após identificar a proteína que deve ser regulada para tratar uma doença, sua estrutura é usada para varrer todo o banco de milhões de moléculas disponíveis para a indústria farmacêutica. Cada molécula é atracada (docada, ancorada) ao sítio de interesse na proteína, sua orientação é otimizada, e a interação é avaliada quanto a seus termos energéticos, identificando o complexo com energia de interação mais favorável.. Assim, é possível eliminar a maior parte dos compostos que não apresentam afinidade pela proteína, e continuar o desenvolvimento apenas considerando os protótipos de maior probabilidade de sucesso. Quando se desconhece o sítio de ligação, esse também é proposto computacionalmente, com base na probabilidade de ligação (normalmente por comparação a outras proteínas). Os complexos “proteína – possível fármaco” podem ainda ser submetidos a experimentos computacionais de simulação por dinâmica molecular, que permitem observar o comportamento das moléculas ao longo do tempo, em escala atômica. Com esses dados, que reduzem os candidatos consideravelmente, é possível realizar alterações nessas moléculas e reavaliar a sua afinidade e “encaixe” com a proteína, refinando o processo, idealmente, até a obtenção de um candidato forte para ser sintetizado e testado em modelos biológicos. O desenvolvimento de outras moléculas, como defensivos agrícolas, também segue essa estratégia. Seja para identificar o mecanismo de um composto conhecido, seja para o desenvolvimento de novos compostos.

A trajetória da bioinformática lembra muito a história da Cinderella, onde uma ferramenta escrava, deixada em segundo plano, toma a frente e passa a dominar o desenvolvimento de novos produtos. Diferente do conto de fadas, entretanto, não existem vilões ou perdedores, pois todos ganham com essa colaboração. O uso de biologia computacional, em diferentes níveis, se junta ao arsenal de ferramentas intelectuais empregadas para abordar problemas biológicos e o seu funcionamento e, nos melhores cenários, auxilia na extração de dados vitais para o desenvolvimento tecnológico. Na biotecnologia, todos foram convidados para o baile. Resta, agora, dançar.

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