Biologia sintética: é possível bactérias passarem no Teste de Turing?

Biologia sintética

A Biologia Sintética é uma vertente emergente da biotecnologia que pode ser descrita como o desenho e construção de vias biológicas artificiais novas, organismos e dispositivos, ou o redesenho de sistemas biológicos naturais. Com esta técnica, cientistas já são capazes de criar células artificiais, sistemas químicos encapsulados e mimetizar a vida celular. Ao combinar tais avanços com os princípios da engenharia moderna, é possível utilizar softwares de computadores e reagentes químicos de laboratório para desenhar organismos e fazer novos produtos como biocombustíveis ou precursores de fármacos.


De forma simplificada, biologia sintética é a aplicação de princípios da engenharia em componentes fundamentais da biologia.

Recentemente, cientistas construíram uma célula artificial que parece ser tão real que foi capaz de enganar as naturais, fazendo-as “pensar” que estavam se comunicando com células da própria espécie. Essa reviravolta do clássico Teste de Turing (o Jogo da Imitação) significa que não apenas os robôs podem enganar os humanos, fazendo-nos pensar que eles são um de nós – agora é possível construir células artificiais que agem tão naturalmente que os organismos vivos não conseguem perceber a diferença.

Proposto há mais de 60 anos pelo cientista da computação Alan Turing, o teste original testa a habilidade de uma máquina de enganar um juiz (ou um interrogador), através de uma comunicação textual, fazendo-o acreditar que é uma pessoa. Na versão celular, a capacidade de uma célula artificial de enganar uma natural é usada para avaliar o modelo artificial. É possível fazer esse tipo de teste porque todas as células se comunicam, desde as vias de Quorum Sensing das bactérias até as respostas de feromônios em organismos superiores.

A interpretação padrão do Teste de Turing, no qual o jogador C, o interrogador, é desafiado para determinar qual jogador – A ou B – é um computador e qual é um humano. Fonte: Wikipédia

Os pesquisadores da Universidade de Trento, Itália, em parceria com a Universidade de Maryland, Estados Unidos, construíram estruturas pequenas, similares a células, com instruções de DNA que poderiam ser usadas para fazer RNA capaz de produzir proteínas específicas em respostas a estímulos externos. Contudo, essas proteínas só seriam produzidas na presença de uma molécula de sinalização bacteriana. No experimento, as moléculas de sinalização utilizadas foram as acil-homoserina lactonas (AHLs),  que variam para cada espécie.

As AHLs fazem parte de um sistema de sinalização bacteriano que tem como princípio a ligação de moléculas sinalizadoras (quando em altas concentrações) a moléculas receptoras presentes nas bactérias. Essas moléculas são capazes de modular a expressão de genes, atuando como reguladores transcricionais e coordenando comportamentos como produção de biofilme, virulência e resistência a antibióticos, baseado na densidade local da população bacteriana.

A molécula sinalizadora AHL se difunde através da membrana bacteriana até células vizinhas se ligando a uma proteína recptora (ou proteína reguladora). O complexo AHL-proteína receptora se liga aos cromossomos nas células, dando início à regulação gênica. Fonte: Wikipedia

Os pesquisadores colocaram as células artificiais perto de células bacterianas de três espécies distintas: Escherichia coli, Vibrio fischeri e Pseudomonas aeruginosa. Depois de um certo período, as artificiais começaram a produzir proteínas em respostas à AHL e os pesquisadores puderam concluir que as bactérias estavam “ouvindo” seus novos vizinhos. Uma vez que comprovaram que as células artificiais estavam percebendo a presença das bactérias vivas, eles as deram a habilidade de se comunicar ao produzir seu próprio AHL, que poderia ser interpretado pela bactéria.

Esse processo mimetiza a comunicação entre formas de vida simples na natureza – como bactérias entre si ou bactérias e algas. Isso significa que, teoricamente, é possível construir células que agem como mediadores para organismos com “problemas de conexão”. Elas são importantes pois, ao mimetizar a vida celular natural, podem ser engenheiradas para mediar vias de comunicação entre organismos que não falam entre si.

O trabalho mostra que as células artificiais foram capazes de se comunicar quimicamente com bactérias E. coli (na foto). Fonte: Center for disease control and prevention

Apesar desse grande avanço, as células artificiais ainda têm um longo caminho pela frente, principalmente quando se trata de auto-suficiência. O maquinário de tradução requer a produção de uma proteína a partir de RNAs isolados de bactérias vivas implantados em células artificiais, mas o cenário ideal seria ter as células produzindo seu próprio maquinário de tradução.

O fato de que as bactérias vivas não puderam distinguir a presença de células artificiais significa que é possível construí-las em maior quantidade e usá-las para intermediar e facilitar redes grandes e complexas de organismos que nunca iriam se comunicar entre si. Além disso, essas células seriam capazes de fazer inclusive o caminho inverso: o trabalho mostra que, em alguns casos, as artificiais poderiam interferir na atividade de bactérias causadoras de infecções, o que significa que um dia seria possível utilizá-las para neutralizar biofilmes, comunidades de bactérias envoltas por substâncias, principalmente açúcares, produzidos pelas próprias bactérias. Sua neutralização é um fator de extrema relevância clínica pois estes são responsáveis por cerca de 80% das infecções bacterianas em humanos.

A biologia sintética representa um grande avanço na biotecnologia moderna e essas são apenas algumas das aplicações para esses microrganismos! Incrível, não?!

Bibliografia Consultada:

Roberta Lentini et al., Two-Way Chemical Communication between Artificial and Natural Cells (2017). Disponível em: http://pubs.acs.org/doi/full/10.1021/acscentsci.6b00330. Acesso em 04/02/2017.

Synthetic Biology FAQs. Disponível em: http://syntheticbiology.org/FAQ.html. Acesso em 04/02/2017.

Research Gate. Artificial Cells pass the Turing Test. Disponível em: https://www.researchgate.net/blog/post/artificial-cells-pass-the-turing-test. Acesso em 08/02/2017.

Wikipedia. Turing Test. Disponível em: https://www.researchgate.net/blog/post/artificial-cells-pass-the-turing-test. Acesso em 08/02/2017.

Wikipedia. Quorum Sensing. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Quorum_sensing Acesso em 03/03/2017.

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Rodrigo M.
Rodrigo M.
7 anos atrás

Muito interessante o artigo!
Obrigado por espalhar e divulgar essas novas vertentes relacionadas a biotecnologia!

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