Biotecnologia vegetal: como e por que cultivar plantas in vitro?

Os avanços na biotecnologia vegetal refletem positivamente na agricultura, na indústria de alimentos, nos consumidores e no meio ambiente. Essa área de conhecimento, também chamada de biotecnologia verde, tem auxiliado no desenvolvimento da tecnologia de melhoramento de plantas e explora, em grande parte, o DNA para selecionar algumas características (genes) de interesse e evitar outras indesejadas. Pode-se dizer que a biotecnologia vegetal resulta de uma integração entre a cultura de tecidos e a genética molecular.

A cultura de material in vitro, cujo maior desenvolvimento ocorreu ao longo do século XX, tornou-se uma ferramenta de grande importância para a biotecnologia vegetal, seja na pesquisa básica ou para finalidades industriais e agrícolas.

 

Breve histórico do cultivo vegetal in vitro

A técnica começou a ser utilizada, em meados de 1920, para estudos do metabolismo celular vegetal. Na década de 1940, estudos sobre a doença chamada galha da coroa, utilizando técnicas de cultivo in vitro, revelaram indícios de que a interação de bactérias (Agrobacterium tumefaciens) e plantas resultava em princípios ativos que alteravam permanentemente as células vegetais infectadas. Mais tarde, ainda nesta linha de pesquisa, sugeriu-se que a formação dos tumores causados pela doença estaria relacionada à transferência de material genético da bactéria para as células vegetais. Apenas na década de 1970, foi constatada que essa transferência de genes da bactéria para a planta acontecia por meio de plasmídeos bacterianos.
Esses marcos consolidaram o cultivo de plantas in vitro como ferramenta para diversas áreas de investigação, incluindo a Biotecnologia.

Galha da coroa na região de enxertia de videira. (Foto: G. Kuhn)

 

A cultura de plantas in vitro na Biotecnologia

São muitas as possibilidades de aplicação da cultura de plantas in vitro na Biotecnologia. Os ensaios de transformação genética geralmente são realizados com esse tipo de cultura, o que permite selecionar as células ou plantas transformadas, eliminar os tecidos não transgênicos e então, em condições adequadas, regenerar as plantas transgênicas.

O material vegetal produzido por meio do cultivo in vitro pode ser utilizado como modelo para a transformação e o melhoramento genético de plantas. Algumas das vantagens e potencialidades de cultivar material vegetal in vitro são:

  • propagar plantas de qualidade em grande escala;
  • facilitar o transporte das plantas obtidas sem risco de introduzir doenças no local de destino;
  • controlar as condições de crescimento e o tempo de desenvolvimento do material manipulado, obtendo plantas padronizadas e oferecendo um maior controle de respostas fisiológicas;
  • recuperar espécies de plantas em vias de extinção ou regenerar indivíduos resultantes de cruzamento com pouca viabilidade;
  • possibilitar a seleção de plantas para melhoramento genético;
  • criar variedades genéticas, por exemplo, para obter indivíduos resistentes a fatores como estresses ou com características melhoradas (aumento da produção de açúcar, resistência a fungos/bactérias, etc.).

 

Mas o que é e como funciona o cultivo in vitro?

A cultura vegetal in vitro consiste no cultivo de células, tecidos ou órgãos vegetais em recipientes semi-herméticos, sob condições de assepsia, com controle de luminosidade, temperatura, umidade e pH, utilizando meios de cultura artificiais. Os meios de cultura podem ser líquidos ou geleificados, contendo nutrientes – como sais inorgânicos, açúcares, vitaminas, hormônios de crescimento e aminoácidos – necessários ao desenvolvimento do fragmento da planta que está sendo cultivada.

Sala de cultura de tecidos vegetais: ambiente controlado. (Wikimedia Commons, usuário: Almanahe~ukwiki)

Abacaxizeiros jovens cultivados in vitro com meio nutritivo geleificado. Plantas obtidas a partir de segmentos nodais de uma planta-mãe previamente estiolada para distanciamento dos nós. (Foto: Thais R. Semprebom)

 

A cultura de material vegetal se vale de uma propriedade dessas células chamada totipotência, ou seja, sua capacidade de regenerar uma planta, ou partes dela, quando colocadas em condições adequadas. Tecidos retirados de qualquer parte das plantas podem crescer em cultura por períodos de tempo indefinidos, produzir raízes, partes aéreas e suas células isoladas podem produzir embriões.

A seguir serão apresentadas algumas técnicas relacionadas ao cultivo vegetal in vitro:

 

  • Micropropagação ou clonagem

 

É uma das mais importantes aplicações da propagação vegetativa in vitro. Permite obter, em pouco tempo, um grande número de plantas geneticamente uniformes e sadias, mesmo que a partir de “plantas-mães” infectadas.

A micropropagação ou clonagem pode ser realizada por meio de três técnicas: a) cultura de meristemas; b) embriogênese somática; c) organogênese.

 

 

  • Cultura de meristemas

 

Meristemas são grupos de células não diferenciadas nos tecidos vegetais, que apresentam alta atividade de divisão e são responsáveis pelo crescimento dos diferentes órgãos da planta.

O cultivo de meristemas é uma tecnologia utilizada para produzir plantas livres de viroses, pois estas partes da planta são as únicas não infectáveis por vírus. Tal capacidade se dá pela velocidade com que as células se multiplicam e pela ausência de um sistema vascular por onde os vírus possam ser disseminados.

Por conta dessas peculiaridades, o cultivo de meristemas tornou-se importante na obtenção de tecidos para a transformação genética por agentes biológicos, como Agrobacterium, e na conservação e intercâmbio de germoplasma.

Passos na técnica utilizada para extrair e cultivar o ápice meristemático de uma planta de maracujá (Passiflora edulis) (a). (b) e (c) mostram o desenvolvimento da parte aérea em diferentes concentrações de um regulador de crescimento. (d) Propagação da parte aérea em meio de cultura. (e) Preparação de um indivíduo para a formação de raiz. Fonte: Efficient shoot regeneration from direct apical meristem tissue to produce virus-free purple passion fruit plants. (Acesso em 18 set. 2017).

 

  1. b) Embriogênese somática

Consiste na produção de embriões a partir de tecidos somáticos que regeneram uma planta inteira, geralmente com constituição genética idêntica à da planta-mãe. Essas plantas transmitem o material genético inserido para as próximas gerações.

A embriogênese somática é considerada um pré-requisito na produção de plantas transgênicas. Tem sido um sistema regenerativo preferencial para tal objetivo, uma vez que é eficiente e há pouca chance de anormalidades genéticas nas plantas regeneradas.

A cultura de tecidos é um conjunto de técnicas com diversas vantagens e aplicações. Diferentes partes de uma planta podem ser isoladas (explante) e colocadas em meio de cultura com balanço de nutrientes que irão orientar a diferenciação celular. Essas células formam tecidos e órgãos para o estabelecimento de novas plantas.

 

  1. b) Organogênese

É a formação de gemas (e órgãos) diretamente a partir de tecidos (bases de folhas, pecíolos, segmentos de raízes, etc.) ou indiretamente a partir de calos. Essa técnica envolve duas fases: a desdiferenciação, logo após o isolamento do tecido, que promove uma rápida divisão celular, formando um aglomerado de células indiferenciadas; e a rediferenciação, quando o primórdio do órgão origina meristemas. Os novos órgãos formados são chamados de adventícios.

Organogênese: formação de plantas de abacaxizeiro a partir da base de uma folha (explante) da planta-mãe cultivada in vitro. (Foto: Thais R. Semprebom)

 

2) Cultura de protoplasmas

Protoplasto é o material celular resultante após a remoção enzimática da parede celular. Após a fusão de protoplastos, é possível regenerar plantas completas a partir dos tecidos selecionados.

Protoplastos constituem um sistema útil para o estudo da expressão de genes isolados e sua regulação em plantas. A fusão de protoplastos pode ser utilizada para produzir híbridos somáticos entre espécies diferentes, resolvendo problemas de incompatibilidades sexuais.

Representação artística da fusão de protoplastos.

 

3) Cultura de material desorganizado: calos e suspensões

Calos são uma massa de tecido desorganizado, uma alternativa para obter e selecionar plantas resistentes a condições adversas e distintos tipos de materiais para produzir compostos de interesse.

Suspensões são proliferações de células isoladas ou em pequenos aglomerados, obtidas a partir da agitação de calos, dispersos em um meio líquido.

Esses sistemas de cultura podem ser utilizados para estudar processos celulares ou bioquímicos relacionados à divisão, crescimento e diferenciação celular.

Calos de tabaco (Nicotiana tabacum) em meio de cultura. (Wikimedia Commons, usuário: Igge)

 

4) Cultura de anteras

O cultivo de anteras tem sido utilizado para se conseguir plantas clones com células que possuem uma só cópia da dotação cromossômica (haplóides). Plantas superiores haplóides não produzem sementes (são inférteis), portanto, antes de serem usadas para a reprodução, é necessário duplicar o número de cromossomos.

Anteras são a parte da estrutura reprodutora masculina das flores onde são produzidos os grãos de pólen. (Wikimedia Commons, usuário: Tatagiba)

É considerada uma ferramenta com grande potencial para o melhoramento de plantas, pois possibilita a obtenção de linhas inteiramente homozigotas, o que diminui consideravelmente o tempo de obtenção de novas cultivares.

Cada campo de investigação ligado à vida possui seus modelos e técnicas, utilizando as mais diferentes estratégias para atingir os objetivos. Na biotecnologia vegetal não é diferente: algumas técnicas utilizadas para transformar tecidos vegetais produzidos in vitro são a biobalística, a eletroporação e a microinjeção. No entanto, seja qual for a técnica de cultivo vegetal in vitro utilizada, sua escolha dependerá dos objetivos desejados, da disponibilidade do material vegetal e de sua capacidade em responder aos tratamentos e métodos aplicados.

 

Referências bibliográficas

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NEUMANN, Karl-hermann; KUMAR, Ashwani; IMANI, Jafargholi. Plant Cell and Tissue Culture – A Tool in Biotechnology: Basics and Application. Heidelberg: Springer, 2009. 331 p.

OLIVEIRA, M. M. Aplicações e Avanços na Área da Biotecnologia Vegetal. Biotecnologia Molecular: Avanços e Aplicações. Boletim de Biotecnologia n. 66, Lisboa, p. 22-27, ago. 2000.

SUSSEX, I. M.. The Scientific Roots of Modern Plant Biotechnology. The Plant Cell Online, [s.l.], v. 20, n. 5, p.1189-1198, 20 maio 2008. American Society of Plant Biologists (ASPB). http://dx.doi.org/10.1105/tpc.108.058735.

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