Confira como o conhecimento de características reprodutivas como a apomixia podem apresentar uma grande promessa para o futuro da indústria de sementes.

O conhecimento de características reprodutivas como a apomixia podem apresentar uma grande promessa para o futuro da indústria de sementes devido a pesquisas envolvendo a biotecnologia vegetal. Um bom exemplo de quando pesquisas e conceitos básicos de genética podem ser explorados para a confecção de novas tecnologias e produtos, oferecendo soluções e oportunidades gigantescas na agricultura. Não se assuste com o nome logo de cara, venha entender como!

Produção de sementes nos dias de hoje 

No mercado hoje, possuem diferentes tipos de sementes. Há as sementes transgênicas, híbridas, convencionais,  tratadas com fungicidas, nematicidas ou não, orgânicas e entre outras. Hoje, parte das plantas mais cultivadas, e consequentemente suas sementes, são híbridas ou transgênicas. Elas são mais cultivadas por serem conhecidas por ter uma boa performance de produtividade e resistência, mas não são sinônimas. Sobre transgenia, você pode ver um post sobre o assunto aqui.

Quanto as híbridas,  isso quer dizer que elas são obtidas a partir do cruzamento forçado de plantas com características bem divergentes entre si, de linhagens puras. Há híbridos de uma grande quantidade de plantas alógamas (que preferencialmente se reproduzem por troca de pólen) e de algumas plantas autógamas (as que preferencialmente realizam autofecundação) como berinjela, e tomate, as quais não estão em maior número devido ao alto custo de produção. As plantas são muito utilizadas porque possuem um maior vigor, devido à característica de heterose

A heterose é responsável por um maior desempenho da geração F1, o cruzamento obtido entre as duas gerações parentais (P1 e P2, na foto). Retirado de CHAVES, L.,2011.

A heterose é a condição gerada devido ao material genético das plantas que foram cruzadas ser complementar, o que significa que grande parte dos genes do híbrido obtido estão em heterozigose (apresentam alelos diferentes, o famoso Aa, que aprendemos na escola). Sabemos da sua contribuição há muito tempo, mas o motivo do porquê essa presença é tão boa ainda é debatido pelos cientistas em duas linhas, a teoria da dominância e a da sobredominância

Para obter essas sementes melhoradas, é necessário cruzar todo ano os dois tipos de plantas que deram origem a elas, já que o cruzamento entre plantas híbridas diminui a qualidade e vigor devido à diminuição do número de genes em heterozigose. Isso acontece devido à recombinação que ocorre na reprodução sexuada. Por esse motivo, a produção de sementes híbridas demandam mais tempo, dinheiro e trabalho para que seja possível obter sempre as mesmas sementes de qualidade similar todo ano.

Produção de sementes por apomixia 

O nome apomixia significa “sem mistura”. É o nome para o modo de reprodução assexuado de formação de sementes que ocorre em algumas plantas na natureza, a maioria delas gramíneas. Nesse caso, o desenvolvimento do óvulo é diferenciado e as sementes são formadas somente pelas células da planta-mãe e não com uma fusão entre o material genético masculino e feminino, como estamos acostumados a ver. A meiose, que na reprodução sexuada leva a formação de um gameta com o número de cromossomos pela metade, para que depois haja a fusão do material feminina e masculino, nesse caso não existe ou é deficiente.  Na apomixia, a nova geração é idêntica à planta que a gerou. 

E por que isso representa algo tão importante?  Caso pudesse ser introduzida a característica de reprodução por apomixia em plantas economicamente importantes, não haveria a necessidade de cruzar as plantas que deram origem ao híbrido todo ano para obtenção de novas sementes.

Seria uma forma de clonagem, preservando características de interesse, como a heterose, ao longo das gerações via semente. Assim, o custo associado ao melhoramento genético e produção diminuem consideravelmente. Diante disso, a pergunta que cientistas fizeram foi “como introduzir essa característica em plantas economicamente importantes?”

Profissional de Biotecnologia quando escuta “Como é possível introduzir essa característica em plantas economicamente importantes?” . Tradução “Estou indo, estou indo”.

Existem pesquisas que visam introduzir a característica de apomixia há muitos anos com resultados não muito promissores, mas esse cenário mudou devido à tecnologia de edição gênica via CRISPR-Cas9. Para obter mais detalhes sobre edição gênica, você pode acessar este texto do Profissão Biotec.

 Um grupo de pesquisa francês conseguiu transformar uma meiose em uma mitose em Arabidopsis thaliana (planta modelo para pesquisa) e em arroz, na tentativa de imitar uma apomixia. Isso foi possível por meio do silenciamento de três genes (PAIR1, REC8 e OSD1) que estão relacionados à recombinação, separação das cromátides irmãs e ocorrência da segunda divisão meiótica.

Além disso, outro estudo, visando modificar, além dos três genes iniciais, um outro gene envolvido na fertilização (MATRILINEAL), propondo uma alteração que impedisse a duplicação de cromossomos na próxima geração. Todas as quatro alterações foram feitas “desligando” esses genes, sem adição de material genético, por meio da técnica de CRISPR-Cas9. Essa nova planta obtida, quando crescida, passaria a não necessitar de cruzamento com uma outra planta, produzindo sementes idênticas a ela e que estas sementes quando crescidas também não necessitam de cruzamentos, produzindo clones da planta de interesse.

Esquema da estratégia utilizada pelos pesquisadores para transformar uma meiose em uma mitose e simular a apomixia. Adaptado de D’erfurth et al, 2009.

O autor do trabalho, publicado em Janeiro de 2019 na Nature Biotechnology, estima que essa tecnologia apomítica pode estar presente na indústria de sementes em 20 anos. Apesar de resultados positivos, as pesquisas levam um tempo para serem desenvolvidas e aprimoradas para estarem presentes no comércio, mas vale a pena toda a espera.

Essa seria uma tecnologia que mudaria todo o setor e a forma de se vender sementes, assim como a Netflix foi para o setor de televisão e o Iphone para celulares. Isso traria uma maior autonomia ao produtor, que poderia plantar as sementes híbridas obtidas por ele mesmo.

E sobre a pergunta que surge logo em seguida,  mas o que seria da indústria sementeira? Teria de se reinventar, como todo mercado passa por reformulações. Um palpite meu seria apostando mais em novas tecnologias de secagem, tratamento e condicionamento dessas sementes para que o produtor faça a escolha de compra-las. E você? O que acha dessa possibilidade?

Texto revisado por Carolina Vasconcelos e Natália Videira

Referências:

CHAVES, L. G. Melhoramento de espécies alógamas. Disponível em: <http://www.esalq.usp.br/departamentos/lgn/lgn0313/jbp_nav/al%F3gamas.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2019. 

D’ERFURTH, I. et al. Turning Meiosis into Mitosis. PLoS Biol, v. 7, n. 6, p. 1000124, 2009. 

WANG, C. et al. Clonal seeds from hybrid rice by simultaneous genome engineering of meiosis and fertilization genes. Nature Biotechnology, v. 37, n. 3, p. 283–286, 2019. 

XIE, E. et al. A strategy for generating rice apomixis by gene editing. Journal of Integrative Plant Biology, p. jipb.12785, 23 mar. 2019. 

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