Como os laboratórios abertos vão revolucionar a Biotecnologia

É comum eventos históricos transformarem de alguma forma o rumo da Biotecnologia. Foi assim com a invenção do microscópio, a primeira corrida de DNA em gel e ultimamente os avanços com o CRISPR.

Mas não são só as tecnologias de ponta que carregam esse potencial de proporcionar inovação. Novas formas de interagir socialmente, e o mindset voltado à construção colaborativa, vêm provando que existem outras maneiras de aprimorar e progredir dentro das técnicas que aprendemos.

Esse fenômeno é claramente ilustrado pela difusão contínua dos Laboratórios Abertos em Biotecnologia, espaços com infraestrutura – física e cultural – compartilhada por profissionais de diferentes áreas e propósitos.

Reunimos alguns motivos para que você possa entender como podemos mudar a forma com que interagimos com a Biotecnologia, tornando-a algo tangível dentro do contexto em que vivemos.

Uma Biotec que faz sentido
Qual a sua maior motivação em estudar ou desenvolver coisas em Biotecnologia?

Não importa em qual ponto do território nacional você nasceu, é muito difícil compreender na prática a maioria dos conceitos que aprendemos na sala de aula. Muito mais, ter que justificar de forma detalhada, para um fundo de investimento em pesquisas, o motivo pelo qual você merece ser contemplado com as tão sonhadas bolsas.

Estas imposições dificultam o desenvolvimento de projetos independentes que expressam a Biotecnologia de formas além da convencional. É possível listar exemplos extremamente interessantes como a Bioarte que utiliza de artefatos biológicos para manifestações artísticas; o movimento Biohacking para entendimento dos processos e equipamentos Biotecnológicos visando o desenvolvimento de alternativas mais acessíveis e democráticas; e também, a educação PBL para jovens de diferentes faixas etárias para o entendimento da Biologia como solução para problemas da própria comunidade.

Open labs, ou laboratórios abertos, incentivam a filosofia de que a nossa Biotec precisa ser entendida como ferramenta de ação social – conhecimento capaz de empoderar e modificar a realidade em que estamos inseridos. Sendo assim, esses espaços se tornam campos férteis para projetos de alto impacto com motivações muito mais profundas do que a pura obtenção de recursos financeiros.

Acesso a novas economias

O movimento de laboratórios abertos acompanha uma tendência econômica mundial que se faz presente através de cases como o AirBnb, Uber e a crescente procura de espaços de coworking como estações de trabalho.

Este rearranjo (também conhecido por Fluxonomia 4D) possibilita a percepção de iniciativas voltadas à construção de uma sociedade sustentável baseando-se em uma inteligente gestão de recursos. Esta inclui a consciência de que um mesmo ponto de conexão (sinta-se livre de entendê-lo como o seu carro, um quarto vago no seu apartamento ou um cortador de grama que só foi usado uma vez) pode gerar valor maior quando compartilhado. Isso porque as necessidades humanas de bens materiais, muitas vezes, é algo momentâneo. O que vai de encontro ao modelo econômico vigente, que prega o acúmulo de mais e mais itens.

Para ficar claro, permita-se imaginar que a função de um automóvel para você, em uma segunda-feira de manhã, é transportá-lo de casa para o escritório. Se um carro que não é seu, consegue fazer isso e logo depois fica disponível para um outra pessoa, ambas as necessidades foram atendidas com o mesmo recurso. E mais, desta forma, ainda  aproveita-se de forma eficaz o tempo ocioso em que ele estaria simplesmente parado no estacionamento (que cá entre nós, está cada vez mais caro).

É nesse contexto que laboratórios abertos e compartilhados permitem o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação a custo reduzidos. Popularizando e democratizando seus benefícios para cada vez mais pessoas.

Inovação Aberta

A Biotecnologia surge como uma ciência multi e interdisciplinar, assim como seus profissionais. Em espaços como laboratórios abertos, a participação de especialistas de áreas distintas permite a construção de projetos cada vez mais complexos.

Os labs promovem – e defendem – a importância da construção de tecnologias a partir da dos backgrounds diversos das pessoas trabalhando juntas. Por este motivo, raramente você encontrará limitações de formação acadêmica, contexto social e até de faixa etária das pessoas que farão uso deste espaço.

Esses valores estão intrinsecamente ligados ao que se entende como Inovação Aberta, na qual se assume que é possível criar e reinventar produtos por meio de um trabalho sistêmico entre profissionais nativos de diferentes esferas e aptidões.

Deste modo, é possível pôr em contato colaboradores de fora de um projeto – ou empreendimento – com os que de fato fazem parte dele, incitando uma onda de soluções responsivas (pelos agentes externos) que são potencializadas para a realidade do produto em questão (pelos agentes internos).

Lean projects

De encontro aos projetos tradicionais, que demoram muito tempo para chegarem a uma conclusão, e ao mercado, aos open labs, faz-se essencial a absorção da cultura lean e sua ideia de MVPs (produto minimamente viável). Esta é muito difundida atualmente com a onda de empreendedorismo, startups e principalmente com o livro The Lean Startup, do autor Eric Ries (o qual eu recomendo bastante).  O termo tornou-se sinônimo de algo “enxuto” ou “livre de excessos”. Basicamente, preservar a essência daquilo com o que está trabalhando e entregando valor de forma simples, rápida e barata.

Num exemplo prático, se estivéssemos desenvolvendo uma nova centrífuga Do-It-Yourself (faça você mesmo, em português), ao invés de tentarmos montar um equipamento de alta precisão, como os encontrados nos super laboratórios de análises clínicas, poderíamos acoplar um motor com rotação controlável a uma base que comportasse alguns tubinhos de amostra. Isso tudo, dentro de um suporte em MDF, cortado em uma máquina a laser.

De fato, ambos não são equivalentes tecnologicamente, mas na prática, os dois proporcionam rotação em alta velocidade para modificar a estrutura da amostras. É esse o sentido de entrega de valor de forma simples que constitui umas das bases do pensamento lean.

Este protótipo construído pode ser disponibilizado para que seus usuários finais possam interagir (testando-o) e sugerir aprimoramentos. Os argumentos levantados serão implementados posteriormente, tornando esta centrífuga mais responsiva às necessidades dos usuários finais.

Desta forma, para a maioria dos projetos, a dinâmica dos laboratórios de criação proporciona que as inovações criadas sejam planejadas e replanejadas para seu público alvo, antes mesmo do produto final chegar no mercado.

Novas carreiras

Com a reinvenção do pensamento da Biotecnologia para um conceito mais dinâmico e colaborativo, surgem oportunidades de carreiras que não são tão exploradas no contexto nacional, mas que possuem potencial para dar autonomia aos Biotecnologistas em prospecção, criação e desenvolvimento. Eis algumas delas:

  • Pesquisador aplicado: De forma tímida, a profissão de “pesquisador autônomo” vem tomando fôlego no nosso país. A possibilidade de ser contratado para oferecer informações com base em pesquisa (como serviço propriamente dito) é interessante para o desenvolvimento industrial, principalmente para empreendimentos focados em inovação.  Laboratórios abertos podem ser um veículo para a execução dos experimentos requeridos, já que ofertam parte dos equipamentos necessários no protocolo. Sem falar também no estímulo à parceria entre pesquisadores de áreas distintas para a interpretação e levantamentos de soluções para problemas mais complexos.
  • Projetista em Biotecnologia: Se por um lado existem profissionais com competências de bancada muito mais desenvolvidas, em outro extremo encontramos aqueles que têm um perfil mais pautado em gestão. Suas habilidades estão dentro do espectro de negócios e controle de processos, tornando-se peça complementar para que os colegas entendedores das técnicas biotecnológicas possam oferecer bens e serviços que sejam sustentáveis (e principalmente factíveis) à demanda dos clientes. Espaços colaborativos são notáveis pela sua capacidade de criar redes profissionais que podem trabalhar em sinergia potencializando seus esforços, como as relações simbióticas dos organismos que estudamos.
  • Modelador em Biotecnologia: Apesar do termo atualmente ser mais voltado a designers e desenvolvedores, o papel do modelador é concretizar ideias através de protótipos. Suas habilidades interagem com ferramentas de prototipagem rápida, permitindo criar soluções iniciais para testes e aprimoramentos para seu público alvo. Laboratórios abertos afloram a pluralidade na linguagem com outros profissionais e conhecimentos específicos, consolidando-se então como o espaço ideal para convivência com esses profissionais.

Sinta-se instigado em buscar, interagir e divulgar iniciativas como esta. Sua Biotecnologia pode estar contextualizada na sociedade, entregando valor e impactando cada vez mais pessoas.

E, como eu sempre gosto de dizer, em caso de não possuir um projeto próximo de onde você vive, CRIE um.

Seja você, um agente nessa revolução!

Linkedin do autor.

2 Comentários
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Natalia Videira
Natalia Videira
6 anos atrás

Olá, muito bom o texto. Mas queria saber se isso ja é uma realidade no Brasil. Existem laboratorios abertos no Brasil? Qualquer um pode utilizar?

Geisel Alves
Geisel Alves
6 anos atrás

Olá Natália!

Já temos exemplos no Brasil sim! Você pode conferir como está funcionando o Olabi, que é um Makerspace que tem um dos braços muito voltados à Biotecnologia no Rio de Janeiro (https://www.facebook.com/olabimakerspace). Um outro trabalhado que vem sendo feito por um rapaz que viaja o mundo registrando esse tipo de espaços, o Biohacking Safari (https://www.facebook.com/BioHackingSafari).

Dependendo da filosofia do espaço, você pode encontrá-los com o nome de Biohacking Space, Open Labs Bio (ou Biotec) e Makerspace Bio.

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O Profissão Biotec é um coletivo de pessoas com um só propósito: apresentar o profissional de biotecnologia ao mundo. Somos formados por profissionais e estudantes voluntários atuantes nos diferentes ramos da biotecnologia em todos os cantos do Brasil e até mesmo espalhados pelo mundo.

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