Já imaginou ser capaz de produzir energia elétrica a partir do seu próprio lixo? Isso já é possível, graças às células de energia microbiana, que podem ganhar a atenção das indústrias num futuro próximo, assim que as pesquisas saírem do nível de bancada.
Com a crise energética mundial decorrente da utilização de combustíveis não-renováveis que estão entrando em escassez progressivamente, novas técnicas entram em cena para suprir esse déficit cada vez maior e podem ser decisivas para o cenário econômico global.
É importante ressaltar que não apenas a economia entra em pauta nesse processo, mas a preocupação com o meio ambiente também é primordial, fazendo com que a sustentabilidade e a química verde ganhem destaque no desenvolvimento de pesquisas onde o profissional em biotecnologia pode atuar ativamente!
Princípios da química verde. Fonte: Química-UFABC
Segundo os pesquisadores Beltrame, Lhamby e Beltrame, sustentabilidade nada mais é do que “a capacidade de atender as necessidades atuais sem comprometer a capacidade de gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”, portanto esse conceito sempre vem associado com o de educação ambiental, já que é necessário que cada um faça a sua parte para a construção de um bem maior.
No ramo da pesquisa e da biotecnologia, esse conceito pode ser aplicado através da química verde , que busca por produtos equivalentes aos derivados do petróleo para sua utilização na indústria pois, segundo o estudo feito pela petrolífera britânica BP em 2016, existem reservas mundiais de petróleo para apenas 50,6 anos se continuarmos com o uso exacerbado desse recurso.
Porém, apesar da urgência dessa substituição, produtos que relacionados à conservação ambiental ainda são muito mais caros e não conseguem competir em preço com derivados do petróleo, incluindo aqui a dificuldade da implantação de células de energia microbiana, devido ao seu alto custo de construção.
O que é uma célula de energia microbiana?
É uma espécie de biorreator compartimentado em duas câmaras: uma biológica e uma química. Na primeira é formado um biofilme, associando um carvão biologicamente ativo aos microrganismos que irão aderir às paredes desse carvão. Esse sistema será capaz de filtrar águas contaminadas e utilizá-las como substrato para degradação da matéria orgânica, fornecendo água potável. Neste compartimento não há oxigênio livre, induzindo os microrganismos à respiração anaeróbia.
Sistema simples de uma célula de combustível microbiana, composta por suas duas câmaras. A primeira terá o substrato de matéria orgânica e, na segunda, ocorrerá produção de energia e geração de água limpa
Fonte: Interespecifics
Já na segunda câmara, haverá a produção de energia em si. Esse fenômeno vai ocorrer baseado numa reação incompleta de decomposição, gerando gás carbônico, prótons e elétrons. Os poros do biofilme permitirão a passagem de prótons para a câmara química, pois são negativamente carregados, mas os elétrons são repelidos e não conseguirão passagem por também terem carga negativa, ficando aprisionados na primeira câmara e forçados a percorrer os eletrodos para se locomoverem até a segunda, gerando energia elétrica e completando o ciclo de decomposição da matéria orgânica.
Esquema de célula de energia microbiana para produção de H2 que pode ser utilizado como combustível. Tradução: Água residual é adicionada ao reator. Fermentação da água residual produz ácido acético. Bactéria consome o ácido acético, liberando elétrons, proteínas e CO2. Elétrons se dirigem ao cátodo via circuito externo contendo um resistor. Elétrons se juntam a prótons e formam gás hidrogênio. Hidrogênio é um combustível limpo que veículos podem utilizar. Fonte: ResearchGate
Ainda há um longo caminho a percorrer para que esse processo possa ser utilizado em larga escala, pois a ampliação do sistema para vários biorreatores deixa o mesmo mais instável e com um baixo rendimento. Entretanto, já existem estudos com resultados encorajadores para a viabilidade e reprodutibilidade da técnica tanto para uso industrial quanto para o tratamento de efluentes municipais.
As células microbianas podem ser a nossa saída para reduzir a crise energética, já que são capazes de resolver duas problemáticas de uma só vez: a de produzir energia a partir de resíduos que seriam descartados e, no final do processo, ainda obter água limpa e reutilizável. Por isso, a otimização dos sistemas de produção de energia e o barateamento da técnica são muito importantes.
E você? Já havia ouvido falar dessas células ou conhece alguém que trabalha nesse setor? Compartilha com a gente e continua acompanhando pra se manter atualizado!!
Referências
GE, Zheng; HE, Zhen. Long-term performance of a 200 liter modularized microbial fuel cell system treating municipal wastewater: treatment, energy, and cost. Environmental Science: Water Research & Technology, v. 2, n. 2, p.274-281, 2016. Royal Society of Chemistry (RSC). http://dx.doi.org/10.1039/c6ew00020g.
MARQUES, Amanda Frazoni. Células Combustíveis Microbianas Aplicadas ao Tratamento de Efluentes. 2014. 83 f. Monografia (Especialização) – Curso de Engenharia Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, Usp, São Carlos, 2014.
GAZZONI, Décio Luiz. Células de combustível microbianas. 2007. Disponível em:<https://www.biodieselbr.com/noticias/colunistas/gazzoni/celulas-combustivel-microbianas-15-08-07.htm>. Acesso em: 09 jun. 2018.
VITORINO, Luciana C.; BESSA, Layara A.. Technological Microbiology: Development and Applications. Frontiers In Microbiology, v. 8, p.1-23, 10 maio 2017. Frontiers Media SA. http://dx.doi.org/10.3389/fmicb.2017.00827.
BELTRAME, Thiago Favarini; LHAMBY, Andressa Rocha; BELTRAME, Alex. Efluentes, resíduos sólidos e educação ambiental: Uma discussão sobre o tema. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental, Santa Maria, v. 20, n. 1, p.351-362, abr. 2016.
OLIVEIRA, Marcos de. Reações Verdes: Produtos com base em matérias-primas renováveis começam a substituir derivados do petróleo. Revista Fapesp, São Paulo, v. 260, p.72-75, out. 2017. Mensal.
SANTORO, Carlo et al. Microbial fuel cells: From fundamentals to applications. A review. Journal Of Power Sources, v. 356, p.225-244, jul. 2017. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.jpowsour.2017.03.109.
Excelente matéria. Venho nos últimos meses me interessando bastante por essa área, inclusive para o mestrado. Foi muito esclarecedor, obrigado pela iniciativa.