As enzimas são biocatalisadores amplamente utilizados pelas indústrias farmacêutica, têxtil, alimentícia, de detergentes, de biocombustíveis, dentre outras. São ferramentas fundamentais para essas indústrias, uma vez que são utilizadas em bioprocessos diversos, acelerando e até mesmo possibilitando reações que não ocorreriam de forma espontânea. Hoje abordaremos outras aplicações para essas proteínas: o uso das Enzimas Especiais destinadas ao uso terapêutico, diagnóstico analítico, química fina e pesquisa.

A utilização de enzimas para esses fins é bastante interessante, já que são catalisadores altamente específicos e seletivos. Além disso, com os avanços da tecnologia do DNA recombinante, é possível produzi-las em larga escala, tornando o processo mais viável. Um grande desafio nesse processo é a necessidade de uma purificação altamente eficiente e criteriosa, uma vez que seu uso na terapêutica, por exemplo, não permite a presença de contaminantes. Como o processo de purificação normalmente é mais sofisticado e complexo, os custos dessa etapa podem representar até 80% dos custos do produto final.

Na terapêutica, as enzimas devem apresentar algumas características essenciais como: atividade enzimática, estabilidade em pH e temperatura fisiológicos, baixa resposta imunológica, meia-vida adequada à sua aplicação, não necessitar de cofatores exógenos (substâncias necessárias à catálise, por exemplo, íons metálicos) e não ser inibidas por seus produtos ou por substâncias presentes nos fluidos biológicos. Esses fatores são importantes também para a definição da via de administração, que pode ser oral, sublingual, tópica, intravenosa, dentre outras. Por conta das necessidades listadas, o número de enzimas que podem ser utilizadas para estes fins terapêuticos é bem restrito.

As enzimas especiais podem ser usadas como medicamentos, como por exemplo a estreptoquinase, produzida por bactérias do gênero Streptococcus. Essa enzima, de uso restrito hospitalar, é um agente fibrinolítico capaz de dissolver coágulos sanguíneos e tem aplicação clínica em pacientes que sofreram infarto agudo do miocárdio, embolia pulmonar e trombose venosa.

Outro exemplo é a lactase, enzima produzida pelos fungos Kluyveromyces fragilis, Aspergillus oryzae e Aspergillus niger, que catalisa a hidrólise de lactose. É utilizada por pessoas intolerantes a este açúcar e pode ser adquirida em farmácias e lojas especializadas para uso cotidiano. Uma terceira enzima usada com esse fim é a L-asparaginase, produzida pelas bactérias Escherichia coli e Erwinia carotovora. É um importante agente antineoplásico, utilizado no tratamento de leucemia, causando a depleção de asparagina nas células cancerosas, o que leva à morte delas, pois essas células não são capazes de sintetizar esse aminoácido. Também é um medicamento de uso exclusivo hospitalar.

Coágulo sanguíneo.

O uso de enzimas especiais também é fundamental em análises laboratoriais e na composição de biossensores, afinal várias dosagens de substâncias presentes nos fluidos biológicos são baseadas em enzimas. Um exemplo é a dosagem da glicose sanguínea (glicemia), que emprega a enzima glicose oxidase, obtida a partir de espécies dos fungos Penicillium e Aspergillus. Essa enzima é encontrada nos kits utilizados na medição laboratorial e também nos medidores portáteis de glicose, que são bastante úteis no controle da glicemia em pacientes diabéticos. Outro exemplo envolve a ureia, um metabólito do nosso corpo, importante indicador da função renal. Ela pode ser dosada através do ensaio com a enzima urease, obtida de espécies de Lactobacillus e Streptococcus.

Medidor de glicose baseado na enzima glicose oxidase.

Por fim, uma outra aplicação das enzimas especiais é a utilização delas em pesquisa e diagnóstico, como nos testes de imunoensaio enzimático, dentre eles o ELISA (do inglês, Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) e o Western Blot. Para esses testes se utilizam conjugados, do tipo enzima-antígeno ou enzima-anticorpo. As enzimas fosfatase alcalina e  peroxidase, produzidas pela bactéria Escherichia coli e pela planta Armoracia rusticana, respectivamente, têm ampla utilização nestes imunoensaios, por exemplo. Uma vantagem de se acoplar uma enzima a um anticorpo é o aumento da especificidade e da seletividade, tornando-se assim uma excelente ferramenta biotecnológica.

Esquema ilustrativo de um ensaio de ELISA. O anticorpo em vermelho se liga a uma enzima que será utilizada para quantificar a presença de um determinado antígeno.

Estas enzimas realmente podem ser consideradas “especiais”, já que atuam desde o diagnóstico até o tratamento de doenças, sendo extremamente importantes também para a pesquisa. Assim, a busca por novas enzimas se torna extremamente necessária, bem como os estudos para aumentar a estabilidade das que já estão disponíveis. Dessa forma, teremos maior acurácia no diagnóstico e tratamentos muito mais eficientes e, sem dúvidas, mais específicos! As enzimas são mais importantes do que vocês imaginavam, não é mesmo?

Referências

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VITOLO, M. Enzimas e aplicações. In: VITOLO, M.; PESSOA JR., A.; SOUZA, G. M.; CARVALHO, J.C.M.; STEPHANO, M.A.; SATO, S. Biotecnologia Farmacêutica: Aspectos sobre aplicação industrial. São Paulo: Editora Blucher, 2015. Cap. 7, p. 247-286.

ZIMMER, K.R.; BORRE, G.L.; TRENTI, D.S.; WOICICKOSKI, C.J.; FRASSON, A.P.; GRAEFF, A.A.; GOMES, P.; MACEDO, A.S. Enzimas Microbianas de uso Terapêutico e Diagnóstico Clínico, Revista Liberato, Novo Hamburgo, v.10, n.14, p.123-137, 2009.

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