Epigenética: muito além de quatro pares de bases

Epigenética

Muito já se sabe sobre a molécula básica que nos define: o DNA. Mais de um século de pesquisa no campo da Biologia Molecular resultou em descobertas incríveis sobre a composição, conformação e função do tão famoso Ácido-desoxiribonucleico. Formado por quatro “letras”, o DNA é um grande polímero composto por 4 moléculas: Adenina, Timina, Citosina e Guanina que, uma vez juntas e organizadas, dão origem a inúmeras sequências, formando o código básico para o funcionamento e formação de qualquer ser vivo.

Após anos de estudos, pensava-se que conhecer o DNA era a chave para conhecer a causa de doenças, mutações, câncer, diferenças entre os indivíduos, enfim, seria a chave mestra que decifra os organismos. Baseado nisso surgiram iniciativas, como o Projeto Genoma Humano, com o objetivo de conhecer toda a sequência genética da nossa espécie. No entanto, descobriram que nem todas as doenças e desordens eram diretamente relacionadas com a sequência do DNA, mas sim com modificações além da molécula em si. Eram os fatores epigenéticos que estavam atuando.

Figura 1. Capa da mundialmente conhecida “Time” de Janeiro de 2010, no destaque “Por que o seu DNA não é o seu destino”, fazendo alusão as modificações epigenéticas.

Na década de 40, foi cunhado o termo Epigenética, que significa “sobre a genética”, em outras palavras: a epigenética engloba processos que afetam o DNA, mas que não implicam na mudança da sequência do mesmo, tais modificações alteram diretamente a expressão de um gene, e são transmitidas para a próxima geração. Os mecanismos epigenéticos são vários e incluem a adição e remoção de pequenas moléculas em algumas das 4 moléculas já citadas (Adenina, Timina, Citosina e Guanina), além de mudanças na cromatina. A Cromatina é um complexo formado por DNA e proteínas chamadas histonas, e seu objetivo primário é manter as longas fitas de DNA compactas dentro do núcleo da célula. Modificações na compactação do DNA também são consideradas fatores epigenéticos, já que a intensidade dessa compactação pode deixar o material genético mais ou menos acessível à leitura. As próprias histonas são alvos de adição de outras moléculas que vão modular o quão intenso vai ser a ligação destas no DNA.

Os mecanismos epigenéticos ocorrem naturalmente e são essenciais para o bom funcionamento de um organismo. Um bom exemplo é a diferenciação celular: o fato de um hepatócito e uma célula epitelial terem o mesmo DNA, mas funções e morfologia diferentes, em boa parte, se deve aos fatores epigenéticos. Estima-se que de um terço a metade das alterações genéticas estejam relacionadas com mecanismos epigenéticos. O problema é quando esses fatores começam a se comportar de forma anormal, resultando em diversos distúrbios, doenças autoimunes, comportamentais, osteoporose e até câncer.

Figura 2. Diversos tipos de moléculas são responsáveis pela modificação da cromatina, consequentemente alterando o quão acessível está um gene. Fonte: Promega

A parte mais interessante da epigenética talvez seja a sua flexibilidade. Diferente de mutações que podem ocorrer nos pares de bases do DNA, as modificações epigenéticas ocorrem o tempo todo e são facilmente influenciadas pelo meio ambiente onde o organismo vive. Tais fatores variam desde substâncias complexas e claramente danosas como metais pesados, agrotóxicos, pesticidas, radioatividade e fumaça de cigarro, até substâncias comuns e presentes no nosso corpo como os hormônios, bactérias e nutrientes incorporados na dieta. Pesquisadores demonstraram, em 2003, que de acordo com o tipo de dieta da mãe, a coloração e a predisposição à obesidade de camundongos podem mudar. E que os mecanismos por trás dessas mudanças são puramente epigenéticos, ou seja, todos os camundongos tinham exatamente os mesmos genes, a única diferença existente era no padrão das moléculas associadas ao DNA.

Figura 3.Com a descoberta do epigenoma, aprendemos que as escolhas que fazemos durante a vida afeta diretamente nosso DNA, e ainda pode ser passado adiante para nossos filhos.  Fonte: Mundo da Psicologia

Mas o que a biotecnologia pode fazer com isso? Hoje em dia, existem várias drogas no mercado cujo mecanismo de ação envolve a epigenética. A ativação ou desativação de certos genes relacionados com câncer e outras doenças dependem desse tipo de mecanismo, fazendo-o um alvo estratégico para o tratamento e até desenvolvimento da cura. Fora da área da saúde, o melhoramento de espécies de plantas e animais que são a base da alimentação humana pode contar com estudos nessa área que explorem a resistência, produtividade e melhor viabilidade desses seres. Em um campo tão recente da Biologia Molecular, as possibilidades são inúmeras, e as descobertas que ainda serão feitas prometem revolucionar nossa noção de genética para sempre.

 

 

Referências:

HARDY, T. M.; TOLLEFSBOL, T. O. Epigenetic diet: impact on the epigenome and cancer. Epigenomics, v. 3, n. 4, p. 503–518, 2011.

PROKOPUK, L.; WESTERN, P. S.; STRINGER, J. M. Transgenerational epigenetic inheritance: adaptation through the germline epigenome? Epigenomics, v. 7, n. 5, p. 829–846, 2015.

WEINHOLD, B. Epigenetics: the science of change. Environmental health perspectives., v. 114, n. 3, p. 160–167, 2006.

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