A história do sequenciamento de DNA: ao infinito e além!

Não é nenhuma novidade que as características dos seres vivos são determinadas pelo seu DNA, molécula composta basicamente por nucleotídeos. Existem quatro tipos deles, cada um composto por uma base nitrogenada diferente: Adenina (A), Citosina (C), Guanina (G) e Timina (T). O que difere uma molécula de DNA de outra é a posição em que esses nucleotídeos estão dispostos. Essa ordem é de grande importância, já que é responsável por codificar as informações genéticas para o crescimento e desenvolvimento dos organismos.

O sequenciamento de DNA nada mais é do que a determinação da ordem exata em que os nucleotídeos se encontram ao longo dessa dupla fita tão adorada por nós. Existem diversas ferramentas para sequenciamento e sua história é genial e incrível. Nesse texto, nós do Profissão Biotec compilamos algumas informações sobre essa técnica fundamental para a biotecnologia, vamos conhecer?

O DNA é composto por duplas fitas de quatro moléculas quimicamente distintas: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). Para entender como os genes funcionam, é necessário “ler” a ordem em que elas estão dispostas – processo conhecido como sequenciamento de DNA.

Do início…

Desde que Watson e Crick desvendaram a estrutura tridimensional do DNA em 1953 (com a ajuda de dados de cristalografia produzidos por Rosalind Franklin e Maurice Wilkins), muitos avanços aconteceram e contribuíram para elucidar a replicação do DNA, bem como a tradução de ácidos nucléicos em proteínas. Contudo, a habilidade de “ler” ou sequenciar o DNA não acompanhou esses avanços.

As estratégias até então desenvolvidas, usadas para inferir a sequência de cadeias de proteínas, não se aplicavam a ácidos nucleicos, pois as moléculas de DNA eram feitas de inúmeras pequenas unidades similares umas às outras, sendo difícil distingui-las. Dessa forma, os cientistas conseguiam mensurar a composição dos nucleotídeos, mas não a sua ordem.

As descobertas de Watson e Crick contribuíram para elucidar o Dogma Central da Biologia: o DNA contém o código genético original para a produção de proteínas que as células vivas necessitam, e o RNA mensageiro (mRNA) é uma cópia do gene que é traduzido para formar essas proteínas. Imagem traduzida, clique para visualizar a original.

Foi somente na década de 70 que os primeiros métodos para sequenciamento de DNA foram criados, dando início à era de sequenciamento de primeira geração. Essa mudança, responsável por um grande impacto na ciência, aconteceu com a utilização da técnica de separação de polinucleotídeos por comprimento através da eletroforese em gel, sendo utilizada em dois protocolos: o método de sequenciamento químico de Allan Maxam e Walter Gilbert e o sistema de Alan Coulson e Frederick Sanger.

Técnica de sequenciamento Maxam-Gilbert. Os fragmentos de DNA clivados são corridos em eletroforese em gel e separados de acordo com seu tamanho. Os fragmentos de maior peso permanecem na parte superior do gel, enquanto os de menor peso se localizam na parte inferior. A leitura é feita de baixo para cima. Imagem traduzida, clique para visualizar original.

O procedimento de Maxam e Gilbert determina a sequência das bases através da clivagem química da terminação 5’ dos fragmentos de DNA marcados radioativamente. Já a metodologia de Sanger e Coulon determina a sequência de nucleotídeos através da síntese de uma fita simples de DNA utilizando a DNA polimerase e didesoxinucleotídeos (ddNTPs). O uso da DNA polimerase é a principal diferença entre os métodos.

Exemplo de gel de eletroforese. Já imaginou sequenciar o genoma humano dessa maneira? Fonte: PIXNIO.

…a alguns prêmios Nobel

A técnica desenvolvida por Sanger alterou para sempre a tecnologia de sequenciamento de DNA. Conhecida por técnica de terminação de cadeia ou didesoxi de Sanger, essa metodologia utiliza ddNTPs, análogos químicos dos desoxirribonucleotídeos (dNTPs), os monômeros das cadeias de DNA, misturando-os em uma reação de PCR.

Ao misturar os ddNTPs marcados radioativamente em uma reação de PCR, a síntese da nova fita de DNA continua até que um dos análogos seja incorporado, já que os ddNTPs não possuem o grupo hidroxila 3’ necessário para a extensão das cadeias de DNA. Quando isso ocorre, a etapa de elongação termina e a fita é inacabada. Cada reação vai terminar contendo uma mistura com diferentes comprimentos de fitas de DNA, todas terminadas com o ddNTP marcado para aquela reação, que serão visualizados por autoradiografia ou luz ultravioleta. Imagem traduzida, clique para visualizar a original.

Com o mesmo princípio das outras técnicas (o de produzir todos os possíveis comprimentos de sequências e marcá-las com um nucleotídeo final), a precisão e facilidade de uso levaram o método de terminação de cadeia didesoxi – ou simplesmente, sequenciamento de Sanger – a se tornar a tecnologia de sequenciamento mais utilizada nos anos seguintes.

Frederick Sanger (1918-2013) foi um bioquímico inglês presente na lista das únicas 5 pessoas agraciadas com dois prêmios Nobel. Seus dois prêmios foram em Química. O segundo prêmio (1980) foi vencido devido ao sequenciamento do genoma completo de um bacteriófago em 1977.

Colorindo o alfabeto e criando novas gerações

A ciência não parava de avançar e, em 1986, uma empresa de biotecnologia (Applied Biosystems) iniciou a fabricação de uma máquina de sequenciamento automático baseado no método de Sanger. Essa máquina utilizava marcadores fluorescentes para cada nucleotídeo, permitindo que as reações fossem corridas em uma coluna e lidas pela cor que emitiam (em vez de serem lidas pela ordem das linhas em que apareciam).

Apesar de serem mais caras que as placas de vidro e os géis tradicionais, essas máquinas demandam menos tempo e geram sequências de dados mais baratas que qualquer outro método tradicional. Motivo pelo qual elas foram utilizadas por Craig Venter para acelerar o Projeto Genoma Humano, por exemplo.

Sequenciador ABI PRISM produzido pela empresa Applied Biosystems. Esse sistema permitiu que as reações fossem corridas em uma coluna e lidas pela cor.

Desde então, muitos avanços na tecnologia de sequenciamento aconteceram. Enquanto alguns desses progressos dependiam de melhorias do método de Sanger, a principal mudança aconteceu em 2005, com a emergência das técnicas de sequenciamento de nova geração (Next Generation Sequencing, NGS) – termo utilizado para qualquer sequenciador que não era baseado no método de terminação em cadeia.

A nova geração começou com um sistema desenvolvido pela empresa de biotecnologia 454 – Roche, que foi utilizado para sequenciar o genoma inteiro da bactéria Mycoplasma genitalium. Nessa metodologia, a incorporação de um nucleotídeo é traduzida pela emissão de luz por ação da luciferase (pirosequenciamento).

Nos anos seguintes, vários métodos de nova geração surgiram ao mesmo tempo: métodos de segunda geração como Ion Torrent e Illumina; e de terceira geração como o Pacific Biosciences e o Oxford Nanopore. Apesar das diferenças consideráveis entre eles, todos têm como principal característica o processamento paralelo massivo de fragmentos de DNA. Enquanto um sequenciador que utiliza eletroforese processa, no máximo, 96 fragmentos por vez, os sequenciadores de nova geração podem ler até bilhões de fragmentos simultaneamente.

Alguns exemplos de máquinas de sequenciamento de nova geração. (E) Solid; 3ª geração (F) Ion Torrent, (G) PacBio e 4ª geração (H) Nanopore. Fonte: GIA.

Mas por quê fazer sequenciamento?

Graças à tecnologia de sequenciamento, pesquisadores atualmente são capazes de comparar grandes extensões de DNA – 1 milhão de bases ou mais – de indivíduos distintos, de maneira mais rápida e barata. Tais comparações geram grande quantidade de informações que permitem que os pesquisadores identifiquem mudanças nos genes, associações entre genótipos de doenças e fenótipos, além de contribuir com a identificação de potenciais alvos para drogas.

Além disso, a habilidade de sequenciar o genoma mais rapidamente e com melhor custo-benefício cria o potencial para diagnóstico e terapias de doenças genéticas. Apesar da utilização de sequenciamento de DNA em consultórios médicos ainda estar distante da realidade, alguns centros médicos e de pesquisa já utilizam a técnica para detectar (e prevenir) algumas doenças em pacientes de risco, como certos tipos de câncer.

O sequenciamento de DNA também é utilizado em diversas áreas da ciência, como em estudos evolutivos, na compreensão da relação entre organismos distintos e sua evolução. Além disso, pode ser utilizado para monitoramento ambiental, validação de matérias-primas e insumos, detecção de fraude de alimentos, análise de microbioma em plantas, entre outros… São muitas aplicações! (Você pode conferir essas e muito mais nesse texto da Neoprospecta).

O sequenciamento de DNA também possui papel fundamental no monitoramento ambiental. Utilizando uma pequena amostra, é possível conhecer todos os micro-organismos presentes no momento da coleta, contribuindo, dessa maneira, com a tomada de decisão em casos de contaminação.

E além…

Certamente, Sanger estaria orgulhoso ao ver que sua técnica permanece sendo bastante aplicada, contribuindo com os avanços da ciência a cada dia. Muito ainda está por ser descoberto e, à medida em que a tecnologia continua a avançar e se tornar mais poderosa e economicamente viável, o seu futuro é cheio de promessas. E você, consegue imaginar as novas possibilidade de sequenciamento do DNA?

Cite este artigo:
FONSECA, L. A história do sequenciamento de DNA: ao infinito e além! Revista Blog do Profissão Biotec, v.2, 2017. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/historia-do-sequenciamento-de-dna-ao-infinito-e-alem/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

Maxam, A. M, and Walter Gilbert. “A new method for sequencing DNA.” Proceedings of the National Academy of Sciences. National Acad Sciences, 9 Dec. 1976. Web. 30 Mar. 2017.
Heather, James M., and Benjamin Chain. “The sequence of sequencers: The history of sequencing DNA.” Genomics. Academic Press, Jan. 2016. Web. 30 Mar. 2017.
Pareek, Chandra Shekhar, Rafal Smoczynski, and Andrzej Tretyn. “Sequencing technologies and genome sequencing.” Journal of Applied Genetics. Springer-Verlag, Nov. 2011. Web. 30 Mar. 2017.
Goodwin S., McPherson JD., McCombie W.R. Coming of age: ten years of next-generation sequencing technologies. Nature Reviews Genetics 17, 333-351. 2016.
Wikipedia. DNA Sequencing. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/DNA_sequencing. Acesso em: 01/10/2017.
Neoprospecta. A importância do sequenciamento de DNA. Disponível em: https://blog.neoprospecta.com/a-importancia-do-sequenciamento-de-dna/. Acesso em: 01/10/2017.
Neoprospecta. Sequenciamento de nova geração. Disponível em: https://blog.neoprospecta.com/sequenciamento-de-nova-geracao-ngs/.. Acesso em: 01/10/2017.
ERRATA: Legenda da imagem esquemática sobre eletroforese corrigida conceitualmente em 17/12/2017.

2 Comentários
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Milene de Figueiredo
Milene de Figueiredo
6 anos atrás

Os fragmentos de maior peso permanecem na parte inferior do gel, enquanto os de menor peso se localizam na parte superior. A leitura é feita de baixo para cima.

Não concordo!!

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