Insulina recombinante: Como afetou a vida dos pacientes?

Desde que Frederick Banting, em parceria com Charles Best, descobriu a insulina em 1921, pacientes diabéticos eram tratados com insulina advindas de animais abatidos. Como a estrutura química do hormônio nesses animais é apenas um pouco diferente da humana, o procedimento funcionava bem nos pacientes. Essa descoberta representou um grande avanço científico, pois, até então, a única forma de tratamento para o diabetes era uma dieta altamente restritiva e grande parte dos pacientes não tinha expectativa de vida alta.

Banting e Best descobriram a insulina em 1921, purificando-a do pâncreas de um cão. O hormônio, produzido e secretado pelas células beta das ilhotas pancreáticas (ou Ilhotas de Langerhans), é responsável por regular o uso e armazenamento de alimentos, principalmente carboidratos.

O uso da insulina animal

Até a década de 1980, os pâncreas dos animais abatidos nas fazendas eram levados para Indianápolis, em um prédio onde futuramente seria a garagem da Eli Lilly & Co., a primeira empresa a produzir insulina em larga escala. Apesar de tal avanço, eram necessárias oito toneladas de pâncreas animais para produzir aproximadamente 230 ml de insulina purificada. Além disso, apesar da semelhança entre a insulina bovina e suína à insulina humana, sua ligeira diferença causava reações imunológicas em alguns pacientes que acabavam produzindo anticorpos contra o hormônio, neutralizando sua ação e resultando em respostas inflamatórias nos sítios de injeção. Outra preocupação eram as possíveis complicações a longo prazo, decorrentes da injeção regular de uma substância estranha.

Uma garrafa da Iletin (Eli Lilly & Co.) – insulina produzida e comercializada em 1920, advinda de pâncreas de animais abatidos.

Com o passar dos anos, cientistas buscaram melhorias contínuas para a produção de insulina. Em 1936, pesquisadores encontraram uma forma de fazer com que o hormônio fosse liberado gradativamente no sangue adicionando protamina, uma proteína que demora de ser degradada pelo corpo. Uma injeção durava 36 horas. Outro avanço aconteceu em 1950, quando cientistas produziram um tipo de insulina que agia um pouco mais rápido e não permanecia na corrente sanguínea por tanto tempo. Na década de 70, começaram a produzir uma insulina que mimetiza o trabalho da natural: libera uma pequena quantidade ao longo do dia com picos que ocorrem durante as refeições. Contudo, apesar de tais pesquisas, o método de produção básico permaneceu o mesmo por décadas.

A biotecnologia assume o desafio da insulina

Então, no início da década de 80, a biotecnologia revolucionou a síntese de insulina. Pesquisadores já haviam decodificado a sua estrutura química em meados da década de 50. Logo encontraram a localização exata do gene da insulina na parte superior do cromossomo 11. Em 1977, utilizando técnicas de Engenharia Genética, uma equipe de pesquisa havia inserido um gene do hormônio de rato em uma bactéria, que então produziu insulina.

Em 1980, com as mesmas técnicas, a empresa de biotecnologia Genentech anunciou que havia produzido insulina ao introduzir o gene humano do hormônio em uma cepa de bactéria Escherichia coli. A Genentech formou parceria com a Eli Lilly & Co., o que trouxe a insulina humana engenheirada ao mercado em 1982, com o nome comercial Humulin, a primeira droga recombinante no mundo.

Produção de insulina recombinante humana. 1: A insulina humana é extraída de células pancreáticas e o gene da produção de insulina é isolado. 2: Um DNA plasmidial é extraído de uma bactéria e cortado com enzimas de restrição, formando um plasmídeo vetor. 3: O gene humano da produção de insulina é inserido no vetor plasmidial para formar o DNA recombinante. 4: O DNA recombinante é introduzido em células bacterianas, formando as bactérias recombinantes. 5: As bactérias recombinantes multiplicam-se em um tanque de fermentação e produzem a insulina humana. 6: A insulina é extraída e purificada, pronta para uso. 

A biotecnologia permitiu que pacientes diabéticos tomassem insulina virtualmente idêntica à insulina natural humana. Isso reduz as possibilidades de complicações relacionadas ao sistema imunológico do paciente. Em estudos químicos e farmacológicos, a insulina humana recombinante provou ser indistinguível da pancreática. Inicialmente, a maior dificuldade encontrada era a contaminação do produto final pelas células hospedeiras. No entanto, esse perigo foi erradicado com a introdução dos processos de purificação. O produto final de insulina é sujeito a uma bateria de testes incluindo os melhores ensaios imunológicos para garantir que não haja nenhuma impureza.

E.coli: Bactéria mais utilizada em tecnologia de DNA Recombinante.

Atualmente, esse procedimento também é realizado utilizando células de leveduras, já que elas secretam uma molécula de insulina humana quase completa, com estrutura tridimensional perfeita. Isso minimiza a necessidade de procedimentos de purificação caros e complexos. A Saccharomyces cerevisae é a levedura predominante para produção de insulina em larga escala. Além das cepas de E. coli e leveduras, animais transgênicos e sistemas de expressão vegetais também podem ser empregados para a produção deste hormônio recombinante.

Percentual de biofármacos produzidos em diferentes sistemas de expressão. Fonte: BAESHEN et al., 2014.

O futuro da insulina possui muitas possibilidades

Desde que foi sintetizada pela primeira vez, os pacientes diabéticos precisavam injetá-la com uma seringa diretamente na sua corrente sanguínea, sendo essa a única maneira de inserir o hormônio no corpo. Atualmente, pesquisadores têm buscado dispositivos e diferentes formas de insulina para serem utilizados como uma alternativa à seringa como: células produtoras de insulina,  adesivos de insulina e, mais recentemente, um pâncreas artificial.

Dispositivo biotecnológico desenvolvido para medir a concentração de glicose no sangue.

A tecnologia de DNA recombinante foi apenas o estopim das maravilhas que a biotecnologia é capaz de fazer para melhorar as condições de saúde de pacientes diabéticos. Os produtos farmacêuticos sintetizados através dessa técnica atualmente são utilizados para tratar doenças como anemia, AIDS, câncer, deficiência do hormônio de crescimento, entre outras. Além disso, as estratégias de tratamento também são melhoradas através do desenvolvimento de kits de diagnóstico, dispositivos de monitoramento e novas abordagens terapêuticas. A maioria dos medicamentos biotecnológicos é recombinante e esta pode ser a chave para o tratamento ou cura de outras doenças humanas letais, assim como foi para o diabetes.

Referências

Brange, J. 1997. The new era of biotech insulin analogues. Diabetologia 40: S48S53.

Baeshen, N. A. et al., 2014. Cell factories for insulin production. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4203937/.

Vajo, Z. Recombinant DNA technology in the treatment of diabetes: insulin analogs. 2001. Disponível em: https://academic.oup.com/edrv/article-lookup/doi/10.1210/edrv.22.5.0442#59030478

Recombinant DNA used for insulin production. Disponível em: http://www2.gvsu.edu/chm463/diabetes/Recombinant%20DNA%20and%20Insulin%20production.html. Acesso em: 01/06/2017

The discovery of insulin. Disponível em: https://www.nobelprize.org/educational/medicine/insulin/discovery-insulin.htmlAcesso em: 01/06/2017.

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