Os tratamentos de doenças com base em informações genéticas dos pacientes têm cada vez mais despertado o interesse de profissionais da saúde e a curiosidade da sociedade. Eles trazem esperança de tratamentos mais eficientes e menos invasivos para diversas doenças.
Uma iniciativa brasileira de disponibilização de informações genéticas da nossa população tem aproximado esses tratamentos da nossa realidade. Mas, você sabe como eles funcionariam? Já ouviu falar de medicina de precisão?
Bom, antes de explicar sobre medicina de precisão, precisamos explicar primeiro alguns conceitos básicos.
Do início….
Todos os seres vivos possuem um material genético, conhecido por DNA, que carrega informações sobre todas as nossas características: cor dos olhos, cabelos e pele, altura, predisposição a doenças, entre outras. Nosso DNA é uma combinação dos DNAs dos nossos pais. Porém, em alguns casos, ele pode sofrer alguma alteração, chamada de mutação, que nos dá características únicas, diferentes das paternas.
Desde que foi possível “ler” toda a sequência de DNA, chamada de genoma, em 2001, os cientistas conseguiram entender como algumas doenças são causadas e atuam a nível genético. Muitas dessas mutações ocorrem em locais importantes do genoma e alteram as características de cada um.
As singularidades pessoais e os tratamentos
Com a modernização das tecnologias existentes para identificar essas mutações, novas causas de doenças foram identificadas mais facilmente, ampliando a idéia de tratamentos mais específicos para cada tipo de doença e para cada grupo de pessoas que contenham as mesmas características genéticas e fatores ambientais. Esse é o princípio do conceito de medicina de precisão.
Formalmente, medicina de precisão é uma tecnologia em ascensão utilizada para o tratamento e prevenção de doenças, com base na variabilidade genética de cada indivíduo. Ou seja, para o tratamento de uma doença, não se levará em consideração apenas qual é a doença em si, mas também quais mutações existem no DNA desse paciente e qual o seu estilo de vida.
Como isso funciona na prática?
Por exemplo: imagine dois pacientes com hipertensão: João e Marcelo. É bem provável que o médico receitasse o mesmo medicamento anti-hipertensivo para ambos. Agora, vamos supor que o João tenha uma mutação A no seu DNA e Marcelo tenha uma mutação B. Consideremos, também, que o medicamento 1 seja mais efetivo para tratar a hipertensão em pacientes com mutações A no DNA, enquanto os medicamentos 2 e 3 sejam mais eficazes em pacientes com a mutação B no DNA. Com base nesse conhecimento, o médico poderá escolher um tratamento mais eficiente para os seus pacientes: João tomaria o medicamento 1, enquanto Marcelo tomaria o medicamento 2 ou 3. Esse é o princípio da medicina de precisão.
Apesar de parecer um conceito novo, algo semelhante já ocorre na medicina por mais de um século. Transfusões sanguíneas buscam as melhores combinações entre doadores e pacientes avaliando os tipos sanguíneos de cada um, a fim de evitar complicações e rejeições no organismo do receptor.
A farmacogenômica já é uma forte aliada da medicina de precisão
A farmacogenômica é um dos campos mais conhecidos da medicina de precisão. Há anos, vem-se estudando os efeitos adversos de medicamentos e compostos químicos no organismo, principalmente, a nível molecular. Ao se compreender como os genes podem alterar a resposta do organismo a um tratamento, as indústrias farmacêuticas podem criar intervenções mais especializadas para determinadas doenças.
Como exemplos, podemos citar os medicamentos varfarina e carbomazepina. Esses medicamentos são, respectivamente, anticoagulantes e anti-convulsivantes, amplamente utilizados para tratamento de doenças como o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a Epilepsia. Esses medicamentos têm forte interação com uma proteína naturalmente produzida pelo organismo: citocromo P (CYP). Quando a CYP possui uma mutação, a eficiência dos medicamentos é reduzida, podendo levar a sérias complicações e até mesmo a morte.
Os bancos de dados genéticos mundiais
Atualmente há algumas iniciativas que envolvem a identificação de mutações no DNA com a finalidade de desenvolver a medicina de precisão no futuro. Um dos primeiros centros de pesquisa a desenvolver uma iniciativa para obtenção de dados para a medicina de precisão foi o Instituto Nacional de Saúde (NIH), nos Estados Unidos.
Uma das principais áreas alvo para o desenvolvimento desses tratamentos é a oncologia. O câncer é uma das doenças que mais acomete a população geral e com uma das maiores taxas de mortalidade. Estudos têm demonstrado que cada tipo de câncer tem assinaturas moleculares diferentes, o que resulta em tratamentos diferentes, apesar das terapias tradicionais ainda serem muito invasivas.
Apesar de existirem alguns bancos de dados genéticos globais, a população brasileira não pode ser igualmente comparada a nenhum deles. Isso porque possuímos uma miscigenação muito grande, com influências ancestrais genéticas africanas, asiáticas, européias e indígenas. Essa diferença ancestral nos dá características únicas que podem alterar o modo como nosso organismo interage com a medicina de precisão baseada na população de outros países.
O banco de dados brasileiro
O Brasil já possui seu primeiro banco de dados genômicos público: o BIPMED (Iniciativa Brasileira de Medicina de Precisão). Ele foi lançado em novembro de 2015, e é uma iniciativa conjunta entre pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP) e da instituição Global Alliance for Genomic and Health.
O objetivo é criar um banco de dados com informações sobre as mutações genéticas encontradas, inicialmente, na população brasileira. Isso permite que os pesquisadores brasileiros conheçam a variabilidade genética da nossa população e, a partir dessa informação, possam desenvolver tratamentos mais personalizados. Para que isso se torne possível, é necessária uma colaboração entre diferentes partes interessadas: pesquisadores, médicos, autoridades em saúde, hospitais e sociedade.
O BIPMED, além de permitir que os cientistas brasileiros tenham maior conhecimento sobre a estrutura genética da própria população, é um grande passo dos nossos pesquisadores no caminho para desenvolver a medicina de precisão.
É muito importante que saibamos que o Brasil tem, sim, capacidade científica para desenvolver tecnologias atuais e relevantes. E você, caro leitor, agora que já sabe um pouco mais da influência da genética nas nossas vidas, o que acha da medicina de precisão?
Interessante.