O desafio da vacina da gripe: Uma abordagem molecular

Como já visto no Profissão Biotec no texto Desenvolvimento de novas vacinas, a vacinação é um método muito eficaz para se proteger de doenças, para controlá-las, ou até mesmo erradicá-las. Para algumas vacinas, é necessário apenas uma dose para ficar protegido por um longo período de sua vida. Outras, entretanto, necessitam ser tomadas uma vez por ano, como no caso da vacina da gripe. Hoje iremos discutir um pouco sobre os aspectos moleculares do vírus Influenza, e os desafios de se fazer uma vacina eficaz contra esse microrganismo.  

O vírus Influenza, popularmente chamado de vírus da gripe, possui seu genoma segmentado em 8 moléculas de RNA. Cada molécula de RNA dá origem a uma proteína importante para o metabolismo do vírus, sendo necessárias tanto para a sua multiplicação, quanto para a formação da partícula viral completa (vírion). Algumas dessas proteínas, como a hemaglutinina (H) e a neuraminidase (N), ficam em volta do “corpo do vírus” (envelope viral), e são antígenos muito comuns para o sistema imune do hospedeiro, além de excelentes alvos para a geração de vacinas.

Vírus Influenza. Fonte: Brock Biology of Microorganisms (2012, 13a ed, cap 21, p. 628)

Para que o vírus possa infectar novas células, ele precisa empacotar todas as oito moléculas de RNA em sua partícula viral; porém, quando dois vírus influenza, com segmentos de RNA diferentes, estão na mesma célula, um rearranjo dessas moléculas (antigenic shift) pode acontecer e acabar formando um vírus híbrido dos dois vírus que estavam infectando a célula. Ou seja, há a formação de um “novo vírus” que possui segmentos de RNA de ambos os vírus.

As maiores pandemias envolvendo o vírus Influenza são resultado de rearranjos de vírus que infectam espécies diferentes. Por exemplo, há tipos/linhagens de vírus que só conseguem infectar aves e porcos, e outras que só conseguem infectar humanos e porcos. Quando ambos os vírus estão na mesma célula de suínos, pode haver um rearranjo das moléculas de RNA, criando um vírus que codifica proteínas tanto do vírus Influenza de aves, quanto do de humanos.

Rearranjo viral. Fonte: Brock Biology of Microorganisms (2012, 13a ed, cap 33, p. 959)

Como a vacina é criada/reformulada anualmente com base nos vírus que estão circulando predominantemente naquele período, quando há a formação de uma nova linhagem de vírus, tanto as vacinas atuais, quanto o nosso sistema imune, acabam tendo uma menor eficácia, já que eles não estão adaptados ao novo patógeno.

Além dos rearranjos, outro grande fator que dificulta a produção de vacinas eficazes contra o vírus Influenza é a alta taxa de mutações em seu genoma (antigenic drift). Essas mutações acabam causando pequenas modificações em suas proteínas e, assim, podem fazer o vírus escapar do nosso sistema imune. Variações nas proteínas do envelope viral, como a H e a N, são comumente observadas neste fenômeno.

Fatores como as mutações, rearranjos virais, a variação do sistema imune da população e quais linhagens do vírus estão circulando pelo ambiente, levam à baixa eficácia da vacina contra a gripe (em torno de 60%). A criação de uma vacina mais eficaz contra o vírus Influenza ainda é um desafio no qual a biotecnologia vem trabalhando para conseguir evitar novas pandemias causadas por este patógeno. O melhor entendimento da biologia desse microrganismo, aliado ao desenvolvimento de novas tecnologias, são essenciais para a otimização deste produto biotecnológico.  

Referências:

Vijaykrishna, D. , Mukerji, R. , Smith, G. J. D. 2015. RNA Virus Reassortment:  An Evolutionary Mechanism for Host Jumps and Immune Evasion. PLOS Pathogens, 11(7): e1004902. doi:10.1371/journal.ppat.1004902

Madigan, M. T., Martinko, J. M., Stahl, D. A., Clark, D. P. 2012. Brock Biology of Microorganisms. 13th edition. Chapters 21 and 33.

Centers of Disease Control and Prevention. Disponível em: http://www.cdc.gov/flu/about/qa/vaccineeffect.htm

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