Com a chegada do verão, aquela recorrente preocupação dos brasileiros se torna mais frequente: a presença do mosquito da dengue, ou melhor dizendo, o temido Aedes aegypti. Apresentando condições ambientais favoráveis para o ciclo reprodutivo destes insetos, a estação mais quente do ano é marcada por uma explosão de casos de dengue, zika e chikungunya. Contudo, uma nova arma contra os mosquitos transmissores dessas doenças pode estar muito mais próxima do nosso dia a dia do que imaginamos.
Os detergentes presentes em nossas residências, denominados surfactantes, são substâncias que apresentam características que diminuem a tensão superficial, o que ajuda na remoção de sujeiras e gorduras, tornando seu uso essencial na hora de lavarmos nossa louça suja. Porém, grande parte dos detergentes convencionais são fabricados a partir de derivados do petróleo, o que implica na utilização de fontes de origem fóssil, que são recursos não renováveis. Neste contexto, a sociedade tem buscado utilizar substâncias que sejam ecologicamente corretas e, desta forma, o uso de surfactantes ecológicos, os biossurfactantes, se torna uma alternativa mais interessante.
Mas qual a relação dos detergentes com o combate ao Aedes aegypti?
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) de Rio Claro descobriram que biossurfactantes, os detergentes ecológicos, causam a morte dos mosquitos tanto na fase larval como na fase adulta. Durante a pesquisa, a substância utilizada foi o ramnolipídeo, um biossurfactante produzido por bactérias Pseudomonas aeruginosa.
O ramnolipídeo atua na quebra da tensão superficial da água, característica imprescindível que permite que a larva do mosquito consiga subir até a superfície para respirar. Com a quebra da tensão, as larvas não sobem e acabam morrendo. Contudo, esta substância se mostra eficaz também na morte do mosquito na fase adulta, atuando na quebra da cutícula do inseto, uma das camadas do exoesqueleto, que tem como função principal evitar a perda de água e ainda ajudar na proteção contra predadores, promovendo a camuflagem.
O sucesso do uso desta substância foi tão empolgante que os pesquisadores resolveram fazer novos experimentos, agora usando o ramnolipídeo como repelente. Novamente a substância se mostrou eficaz, espantando os mosquitos dos ratos que foram anestesiados e borrifados com ela, enquanto que animais que estavam sem o ramnolipídeo foram picados pelo mosquito.
Porém, algumas barreiras ainda precisam ser vencidas para que a substância seja disponibilizada para uso comercial. O principal empecilho é o alto custo para a produção de biossurfactantes. Ainda assim, os pesquisadores acreditam que, no futuro, os detergentes serão substituídos por esta substância, tanto por apresentarem apelo ecológico quanto por serem mais estáveis em diferentes faixas de pH e salinidade, além de apresentarem características biodegradáveis e serem menos tóxicos do que os surfactantes químicos.
Desta forma, é essencial o desenvolvimento de novas tecnologias para que a produção seja facilitada e, consequentemente, seu valor reduzido. Atualmente, produzir 10 miligramas custa mais de mil reais, inviabilizando seu uso em larga escala. Para a produção ser atrativa industrialmente, novas estratégias precisam ser desenvolvidas. Alguns experimentos buscam a utilização de subprodutos da indústria alimentícia e da área agrícola, como por exemplo, os resíduos da produção canavieira, tornando a alternativa interessante tanto por agregar valor a subprodutos pouco valorizados, assim como por ajudar a reduzir o custo de uma substância promissora.
Enquanto os ramnolipídeos não se tornam acessíveis comercialmente, nos resta continuar a – não menos eficiente – prevenção, eliminando os focos de larvas do Aedes aegypti, ajudando no combate ao mosquito, e também na conscientização da população.
Referências
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MARTINS FILHO, Harley P.. Surfactantes. Curitiba: UFPR, 2017. Color.
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SILVA, VinÍcius Luiz da. Desenvolvimento de estratégias de alimentação para produção de ramnolipídios por Pseudomonas aeruginosa LBI 2A1 em biorreator. 2014. 115 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Ciências Biológicas, Unesp, Rio Claro, 2014.