Em 2017 tive a oportunidade de fazer um doutorado-sanduíche na Universidade de Lausanne, na Suíça, um país bem no centro da Europa. Chegando lá, pude perceber que a Suíça é muito mais que o estereótipo de queijos, chocolate, montanhas nevadas e relógios de qualidade. Apesar do seu pequeno tamanho, o país é uma grande potência em biotecnologia farmacêutica!
A Suíça é um país pequeno, com um território de 41.285 km². Para se ter uma ideia do tamanho, isso seria equivalente a um espaço um pouco menor que o Estado do Rio de Janeiro. É até difícil comparar com o Brasil todo, pois nosso país é cerca de 206 vezes maior em território e 26 vezes mais povoado que o país dos chocolates. Confira um comparativo entre os dois países no infográfico, levando os dados em consideração ao continuar a leitura do texto.
Mas por que eu comecei o texto dizendo que a Suíça é um grande pólo da biotecnologia farmacêutica?
Biotecnologia farmacêutica
Foi depois que me mudei para lá que descobri que as gigantes Roche e Novartis, que estão entre as 5 maiores farmacêuticas do mundo, são empresas suíças. E não são apenas elas! Em uma listagem de 2016, existem cerca de 250 companhias farmacêuticas no país, segundo a reportagem da revista Swissquote [1]. Algumas são start-ups que já têm ganhado relevância no cenário farmacêutico mundial, como a CRISPR Therapeutics, a AC Immune e a SOPHiA Genetics.
O setor farmacêutico corresponde a 40% das exportações do país, ou seja, a cerca de 80 milhões de francos suíços em produtos (equivalente a quase 280 milhões de reais)[1] e as principais cidades que investem em biotecnologia farmacêutica são Basiléia, Lausana, Zurique, Zoug e Lucerna.
Inovação
Podemos arriscar dizer que o diferencial deste país é a inovação. Em 2017, a Suíça ocupou o primeiro lugar como principal economia inovadora no Índice Global de Inovação, publicado em conjunto pela Cornell University, o Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD, Institut Européen d’Administration Des affaires) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, World Intellectual Property Organization). E lidera este ranking por sete anos consecutivos!
Investimento em pesquisa
Ser referência em biotecnologia farmacêutica e ser o país campeão em inovação estão fortemente atrelados com o fato da Suíça investir MUITO em pesquisa, chegando a ser um dos países com maior gasto em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do mundo em relação ao seu produto interno bruto (PIB), o que corresponde a cerca de 3,1% do PIB segundo o OECD. E os investimentos ocorrem tanto no setor privado quanto no público! As indústrias farmacêuticas, por exemplo, investem bastante em P&D. A Roche investiu 7,9 milhões de euros neste setor em 2016[1]. E a Novartis não ficou muito atrás e investiu 6,4 milhões de euros em P&D[1].
As despesas públicas de P&D destinam-se principalmente a promover pesquisas fundamentais que ocorrem nas universidades. A Suíça tem dois institutos federais de tecnologia: a ETH Zurique e a EPF Lausanne, além de dez universidades cantonais (regionais).
Compartilhando um pouco da minha experiência fazendo pesquisa na Universidade de Lausanne (Unil), posso dizer que vi grandes diferenças em relação a universidades e centros de pesquisa do Brasil*:
- O investimento público em pesquisa é elevado. Em 2016 o Fundo Nacional Suíço (FNS) investiu 937,3 milhões de francos (cerca de R$ 3,2 bilhões), 6,8% a mais que o ano anterior. Já o Brasil vem sofrendo nos últimos anos diversos cortes na verba destinada à ciência. Em 2016, o Brasil teve um orçamento semelhante ao suíço (o orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Comunicações – MCTIC – foi de cerca de R$ 4 bilhões), mas este valor não é condizente com o tamanho do nosso país. Para 2018, novos cortes orçamentários estão previstos (orçamento total de R$ 2,8 bilhões), tornando ainda mais difícil se fazer ciência no Brasil.
- Com mais verba para manter o laboratório e as pesquisas, durante meu estágio na Unil vi a facilidade que eles tinham para comprar os reagentes que precisavam. Materiais plásticos que reutilizamos no Brasil (por exemplo tubos cônicos de centrífuga e garrafas de cultura de células) lá eram usados apenas uma vez.
- O sistema de compras me pareceu tão burocrático quanto no Brasil, mas a agilidade era bem diferente! Os reagentes comprados chegavam no laboratório em poucos dias! Aqui no nosso país, às vezes demoramos meses para receber um reagente. Então imaginem minha felicidade ao receber os materiais na semana seguinte na Suíça. Alguns reagentes chegavam em dois dias!
- Os alunos de doutorado e pós-doutorado tinham alguns direitos empregatícios, como férias, contrato com número de horas de trabalho semanais e contribuição para a aposentadoria. Esse reconhecimento dos pesquisadores como trabalhadores ainda não ocorre no Brasil.
- Em relação às universidades e centros de pesquisa que já tive oportunidade de fazer pesquisa no Brasil: a Universidade Federal de São Carlos e o Centro de Pesquisa em Energia e Materiais. Mas, segundo relatos de colegas, a situação é similar nas outras universidades e centros também.
Já deu para perceber como um investimento forte em P&D, focando também nas universidades e nos seus pesquisadores pode ajudar a tornar um país um pólo de inovação em biotecnologia. Deixamos aqui a reflexão de como poderia ser feito (ou como poderíamos fazer) no Brasil para aproveitarmos toda a nossa ciência e mão-de-obra qualificada nacional para nos tornarmos um polo de biotecnologia também.
Tem algum relato de como foi sua experiência em biotecnologia no exterior? Deixe um comentário! E não esqueça de conferir o relato de uma experiência de um colaborador do Profissão Biotec em Israel. Confira outros artigos sobre outros países em nossa série Biotec pelo Mundo!
1 – Reportagem “Dossier Pharma – Les firmes suisses à lávant-garde”, Revista Swissquote Finance and Technology unpacked, no4, setembro 2017.
