Quem nunca se rendeu aos misteriosos casos investigados pela equipe de peritos da série C.S.I. Investigação Criminal? Confesso, caros leitores, eu já me surpreendi elaborando mil hipóteses sobre quem poderia ser o verdadeiro autor do crime, desfazendo-as no instante seguinte e levantando novas teorias até o último minuto em que, diante das irrefutáveis provas (Figura 1), a polícia desmascarava o culpado.
Qual não era minha surpresa ao descobrir que meus julgamentos estavam errados? Quem eu achava ser o mocinho era o bandido e vice-versa, e a luz da verdade só foi possível mediante análise de pequenas, e até mesmo antigas, amostras de sangue, saliva, pele ou sêmen. Para isso utilizamos a Biotecnologia forense, que pode ser entendida como o conjunto de várias ferramentas biotecnológicas, bem como utilização de suas técnicas, para auxiliar na resolução de demandas legais (cíveis, penais, administrativas ou criminais).
Deixemos a ficção de lado e vamos nos atentar à realidade: ao se deparar com uma cena de crime, o perito procura por amostras biológicas, as quais serão matéria-prima para execução de algum teste genético. Elas são coletadas com um kit de amostragem como mostrado na figura abaixo, que pode ser comercial ou específico do laboratório, e transportadas sob condições que favoreçam sua conservação. É necessário identificá-las e elaborar uma descrição precisa da natureza biológica do material para definir qual das metodologias, provenientes de protocolos validados para extração de DNA, é mais adequada.
A espécie humana compartilha várias sequências genéticas idênticas, então as análises são realizadas em locais específicos dos cromossomos, chamados de microssatélites, em que há repetição das bases nitrogenadas do DNA, sendo este padrão de repetição único em cada indivíduo. Assim, com base em comparações em bancos de dados confiáveis, como GenBank, EMBL e Bold, pode-se identificar o suspeito. Vale informar que a base de dados genéticos brasileira registra apenas casos de crimes hediondos, ou seja, não é tão fácil quanto parece nas séries, não é mesmo?
As técnicas de biotecnologia podem ser aplicadas em análises forenses para resolução de outras questões legais além de resolução de crimes, como hostilidade contra animais , tráfico de espécies, biocrimes, fraudes em identificação da composição de alimentos, dentre outros. Nestes casos, é necessário realizar análise em amostras de plantas, micro-organismos ou animais.
Pesquisas são realizadas constantemente, a fim de aprimorar e desenvolver novas metodologias para diferentes tipos de amostras, principalmente na área animal, uma vez que elas podem conter vestígios de crimes e ser usadas como fonte de pistas. Os suspeitos evitam ao máximo deixar “rastros”, mas podem transportar material biológico para animais de estimação das vítimas ou deixar os pêlos de seus animais de estimação na cena do crime. Para saber mais, leia este artigo.
Um famoso caso de utilização de técnicas biotecnológicas para solucionar um caso forense ocorreu em 1979 em Sverdlovsk (Ekaterinburg, Rússia), em que amostras de 11 vítimas de um surto de antraz foram amplificadas por PCR e eletroforese em gel, para determinar se continham sequências específicas de Bacillus anthracis (figura abaixo), pois haviam suspeitas de que as mortes ocorreram devido à inalação de esporos acidentalmente liberados de uma pesquisa militar próxima.
Ferramentas biotecnológicas também podem ser utilizadas na resolução de casos forenses como a análise da composição biológica de produtos alimentícios. Suponha que uma pessoa faleceu e suspeita-se que a causa da morte tenha sido a ingestão de algum componente alimentício ao qual ela era alérgica, como o glúten por exemplo, e deseja-se verificar esta informação através das embalagens dos produtos, porém esta informação não está nos rótulos.
Neste e em outros casos em que a rotulagem pode conter informações insuficientes ou inadequadas sobre os produtos, uma análise poderia permitir a identificação da composição, além de detectar a substituição de produtos em relação à espécie, variedade ou cultivar e origem geográfica, como em casos de alimentos que contenham matéria-prima geneticamente modificada, por exemplo).
Pode-se, por exemplo, utilizar PCR em tempo real para amplificar promotores, regiões de codificação de proteínas ou terminadores que foram introduzidos artificialmente no genoma do organismo transgênico para determinar a proporção deles na amostra.
No entanto, em alguma situação emergencial, como, por exemplo, ameaça de bioterrorismo, os peritos podem ser confrontados a manipular novos tipos de materiais biológicos ou grupos taxonômicos nunca estudados anteriormente. Nesses casos, o biotecnologista é desafiado a desenvolver estratégias que sejam eficazes para extrair DNA com qualidade e quantidade suficientes para análises posteriores, bem como propor metodologias que ainda serão validadas.
E você? Toparia um desafio? Que tal ser um perito da ciência e pesquisar por mais artigos com metodologias e aplicações da biotecnologia nas áreas forenses? Compartilhe conosco seus resultados.
Seguem alguns links de notícias legais para te incentivar:
Cite este artigo:
DUARTE, D. D. Técnicas de biotecnologia forense para resolução de crimes: Decifra-me ou devoro-te. Revista Blog do Profissão Biotec, v.3, 2018. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/tecnicas-de-biotecnologia-forense-para-resolucao-de-crimes-decifra-me-ou-devoro-te/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
Arenas, M.; Pereira, F.; Oliveira, M.; Pinto, N.; Lopes, A.M.; Gomes, V.; Carracedo , A.; Amorim, A.; Forensic genetics and genomics: Much more than just a human affair. Plos Genetics 1:28,2017.
Buh Gasparic, M.; Tengs, T.; La Paz, JL.; Holst-Jensen,A.; et al. Comparison of nine different real-time PCR chemistries for qualitative and quantitative applications in GMO detection. Anal Bioanal Chem 6:2023–9,2010.
Jackson, P.J.; Hugh-Jones, M.E.; Adair, .DM.; Green,G.; Hill, K.K.; Kuske, C.R.; et al. PCR analysis of tissue samples from the 1979 Sverdlovsk anthrax victims: the presence of multiple Bacillus anthracis strains in different victims. Proc Natl Acad Sci 95(3):1224–9,1998.
Linacre, A.; Gusmão, L.; Hecht, W.; Hellmann, AP .; et al. ISFG: Recommendations regarding the use of non-human (animal) DNA in forensic genetic investigations. Forensic Science International: Genetics 5:501–5, 2011.