Terapias com células-tronco e engenharia de órgãos e tecidos

Órgãos sintéticos, regeneração de partes do corpo, imortalidade. Parece até tema de filmes de ficção ultra futuristas (ex. Black Mirror ou Altered Carbon). Mas e se eu lhe disser que essa trama tem acontecido hoje, e bem pertinho de você?!

Do problema às soluções

A doação de órgãos é uma alternativa indicada para pessoas cujos próprios órgãos estão comprometidos e tem como objetivo melhorar a qualidade de vida ou, em alguns casos, é  a única chance para a manutenção desta. Alguns exemplos comuns de transplantes são os de pele para pacientes com queimaduras, de rins que evitaria hemodiálises, de córnea, coração, fígado, entre outros. No entanto, existem limitações que dificultam a realização de procedimentos desse tipo, como a dificuldade de encontrar doadores e a compatibilidade entre doador e receptor.

A dificuldade em encontrar órgão para transplante reflete na resistência das pessoas à submissão cirúrgica e a complicações do pós-operatório. Órgãos vitais, como coração, podem ser doados apenas em casos de morte cerebral e com o consentimento da família, a qual muitas vezes nem mesmo tem conhecimento do interesse do indivíduo na doação.

Mesmo quando existem doadores, ainda assim é difícil encontrar compatibilidade entre doador e receptor, o que depende, principalmente, da similaridade entre os polimorfismos do Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC), que tem sido averiguado por meio de ferramentas moleculares pela caracterização do gene HLA (responsável pela expressão de MHC). O reconhecimento do MHC como “não próprio” do organismo desencadeia a resposta imune que leva à rejeição.

Tendo em vista o panorama, diversos grupos de pesquisa têm buscado alternativas para a obtenção de órgãos, alguns destes envolvendo a geração de células especializadas a partir de células-tronco, purificação, escalonamento e povoamento de estruturas tridimensionais.

Uso de células-tronco em terapia celular e engenharia de tecidos

A utilização de células-tronco tem sido farol aos olhos de cientistas que trabalham com a engenharia de tecidos. A grande aplicabilidade dessas células está associada a sua capacidade se diferenciar em diversas linhagens celulares, tais como cardiomiócitos, neurônios, células hematopoiéticas, células beta pancreáticas, entre outras. Existem diferentes tipos de célula-tronco e diferentes níveis de potência, sendo que quão maior a potência, em mais tipos celulares ela pode se diferenciar.

Essa variedade de tipos de células-tronco tem possibilitado amplitude em opções de terapias celulares, contornando, inclusive, dilemas éticos como a utilização de células-tronco embrionárias. São exemplos de aplicação o uso de células-tronco no tratamento da leucemia, com o transplante de medula óssea, ou terapias com células do cordão umbilical do próprio paciente doador.

Estudos pioneiros do trauma raquimedular crônico, desenvolvidos no Centro de Biotecnologia e Terapia Celular (CBTC – Hospital São Rafael/ Salvador – BA) têm utilizado células-tronco mesenquimais para restauração tecidual, além da confecção de tecidos da pele, o que já tem sido amplamente trabalhado. Atualmente, a linha de frente em pesquisas com regeneração tecidual tem explorado a utilização de células-tronco pluripotentes induzidas (iPC) ou células reprogramadas, o que amplia ainda mais as possibilidades de engenharia tecidual.

Bancos de células compatíveis

Mesmo sendo fascinante a possibilidade de utilizar células-tronco do próprio paciente para terapias de reparo ou construção tecidual, por questão de logística, centros de pesquisa têm considerado a construção de bancos de células para armazenagem em diversidade de polimorfismo de HLA.

Se compararmos, por exemplo, as variedades genéticas populacionais do Brasil e do Japão, concluiremos (mesmo sem uma análise apurada de DNA) que a genética japonesa é muito mais homogênea, enquanto que a brasileira é altamente heterogênea devido à miscigenação populacional. A alta variedade genética também reflete em um maior polimorfismo de HLA, o que eleva a dificuldade de encontrar compatibilidade. Sendo assim, são esperadas mais pesquisas de genotipagem de HLA e a construção de bancos de células para facilitar a escolha para cada paciente antes da terapia ou engenharia tecidual.

Engenharia de órgão e xenotransplantes humanizados

A partir de células produzidas in vitro, diversos tipos de engenharia tecidual têm sido feitos. Biopolímeros têm sido utilizados na confecção de arranjos 3D para distribuição de células e formação de tecido de epiderme in vitro, sendo uma alternativa à triagem de drogas e estudos de biossensores celulares.

Órgãos mais complexos têm sido montados a partir da recelularização de scaffolds, ou arcabouços de matriz de órgãos descelularizados. Para se obter scaffolds, são feitas consecutivas lavagens por perfusão, utilizando detergentes laboratoriais, até que sejam removidas as células dos tecidos e o arcabouço seja mantido intacto.

Até então, foram gerados rins funcionais e coração funcional em biorreator, por exemplo. A possibilidade da utilização de scaffolds animais para recelularização com células humanas, aproveitando a similaridade em dimensões entre um coração de suínos e humanos, abre um novo panorama compreendido como xenotransplante humanizado. No canal do Profissão Biotec temos um vídeo no qual Tayla Herminio explica com mais detalhes!

Onde mais a criatividade humana e a atenção à saúde nos levarão?! 

Texto revisado por Thais Semprebom e Mariana Pereira

Cite este artigo:
MOTA, R. Terapias com células-tronco e engenharia de órgãos e tecidos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.3, 2018. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/terapias-com-celulas-tronco-e-engenharia-de-orgaos-e-tecidos/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

Takahashi K, Yamanaka S. Induction of pluripotent stem cells from mouse embryonic and adult fibroblast cultures by defined factors. Cell. 2006 Aug 25;126(4):663-76. Epub 2006.
Edmondson, R., etal. Three-Dimensional Cell Culture Systems and Their Applications in Drug Discovery and Cell-Based Biosensors. Assay and Drug Development Technologies, 12(4), 207–218, 2014.
Remuzzi, A., etal. Experimental Evaluation of Kidney Regeneration by Organ Scaffold Recellularization. Scientific Reports, 7, 43502, 2017.
TAKAHASHI, Y. TAKEBE, T., TANIGUCHI, H. Engineering pancreatic tissues from stem cells towards therapy. Regenerative Therapy Volume 3, Pages 15-23, 2016.
Bernhard Jank, MD, Ott Lab, Center for Regenerative Medicine, Massachusetts General Hospital – Functional heart muscle regenerated in decellularized human hearts. https://www.massgeneral.org/News/pressrelease.aspx?id=1910 (acesso em 2, Jul. 2018).
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University of Minnesota. “Beating Heart Created In Laboratory: Method May Revolutionize How Organ Tissues Are Developed.” ScienceDaily. www.sciencedaily.com/releases/2008/01/080113142205.htm (acesso em 28 Jul. 2018). 

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