Confira nesta série de artigos como a indústria biotecnológica funciona em diferentes países, desta vez falamos sobre a Inglaterra.

Continuando com a nossa série de Biotec pelo mundo: a Inglaterra.

O Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, é uma nação situada no noroeste da Europa. A Inglaterra, país mais famoso do Reino Unido, é conhecida por ser a terra da rainha, terra do chá e principalmente celeiro de grandes escritores como John Milton, William Shakespeare e Charles Dickens.

Os ingleses têm fama de ser  pontuais e bons negociantes. No ramo de negócios é um dos maiores centros financeiros do mundo, tendo a maior bolsa de valores da Europa situada na cidade de Londres. Além dessas características, o país  se destaca pelos grandes investimentos em bioeconomia. Descubra nesse artigo como a Inglaterra tem se tornado uma potência em biotecnologia.

Setores em destaque da bioeconomia

Segundo a classificação da Global Innovation Index 2019, o Reino Unido ocupa o quinto lugar no mundo em inovação. A principal capital, Londres, ocupa a décima quinta posição entre os 50 maiores clusters de inovação no mundo.

Sendo uma das regiões mais importantes para geração de negócios, a bioeconomia tem destaque importante na balança comercial inglesa. Em 2014, a bioeconomia sozinha contribuiu com 56 milhões de libras esterlinas em toda a economia do Reino Unido, apoiando 981 mil empregos.

Com 1.272 empresas de biotecnologia no Reino Unido, os setores que possuem mais  companhias são (figura abaixo):

  • Diagnósticos e serviços analíticos: 20,7%;
  • Desenvolvimento de terapêuticos: 16,8%;
  • Pesquisa e produção: 14,3%.

A bioeconomia do Reino Unido se concentra principalmente nas cidades de Londres, Cambridge e Oxford, conhecidas como o “Golden Triangle of Biotech” (Triângulo Dourado da Biotecnologia), uma vez que quatro das oito universidades de medicina mais renomadas do mundo estão localizadas nessa região: Universidade de Cambridge, Oxford, Imperial College London e University College London (UCL). 

Em 2018, apenas essa região movimentou 2,2 bilhões de libras esterlinas com investimentos em biotecnologia. Sendo a casa de um terço das startups de biotec do Reino Unido, o Golden Triangle cresceu 65% entre 2016 e 2019.. Esse crescimento é um indicador promissor de que o Golden Triangle está se fortalecendo com um hub de bioeconomia internacional, mesmo com o Reino Unido anunciando em 2016 sua saída da União Europeia. 

Fora desse hub, o norte da Inglaterra tem se mostrado interessante para o desenvolvimento da bioeconomia, com pólos como a Universidade de Manchester, próxima do centro de bionegócios Alderley Park, e a Universidade de Leeds (leia mais aqui).

Apesar da bioeconomia do Reino Unido possuir empresas de diversos segmentos, a área da biotecnologia na saúde é seu grande carro-forte, como mostrado acima. Por esse motivo, iremos focar em empresas desse ramo. Confira abaixo os principais polos e cidades mais importantes para a bioeconomia no Reino Unido.

2. Cidades referências na bioeconomia

2.1 Cambridge

Cambridge já se provou como um centro de excelência em bioeconomia pelo sucesso de empresas como Abcam, fundada em 1998 e hoje líder mundial em anticorpos para pesquisa, Horizon Discovery, uma das pioneiras em fornecimento de células editadas geneticamente como produto para pesquisa, e a Cambridge Antibody Technologies (CAT), fundada pelo ganhador do Nobel de 2018, Sir Greg Winter, responsável pelo desenvolvimento do Humira, o tratamento baseado em anticorpos de maior sucesso financeiro no mundo.

Seguindo os passos das suas antecessoras, temos novas startups desbravando as fronteiras tecnológicas da bioeconomia:  

Healx

A Healx é focada em diminuir o tempo e custo do descobrimento de novos medicamentos e tratamentos para doenças raras, que afetam 350 milhões de pessoas no mundo. 

Sua tecnologia combina inteligência artificial e machine learning para diminuir em até 80% o tempo gasto para encontrar potenciais novas combinações entre químicos e as causas dessas doenças, e em 90% o custo de se testar a sua eficácia como tratamento. Eles também testam drogas desenvolvidas para outras doenças, em busca de novos usos, um processo chamado repurposing, que diminui substancialmente o tempo de desenvolvimento. 

Seu fundador e CEO, Dr. Tim Guillams, é doutor em Biofísica e Neurociência pela Universidade de Cambridge. Em 2018, a empresa arrecadou 10 milhões de doláres em investimentos para desenvolver a sua tecnologia.  

Mogrify

A Mogrify está trabalhando na vanguarda da tecnologia celular. Eles almejam ser capazes de transformar células de um tipo em outro, por exemplo, fibroblastos em células T, através de alterações genéticas, sem precisar retornar primeiro para o estágio de células-tronco pluripotentes. 

Essa tecnologia pode potencializar  terapias celulares e possibilitar que um número muito maior de doenças sejam tratadas. O atual CEO é o Dr Darrin Disley, um dos nomes mais fortes de biotecnologia em Cambridge, antigo fundador e CEO da Horizon Discovery, já citada.

Entomics

A Entomics tem a missão de diminuir o desperdício de comida através do processamento por insetos. O desperdício no mundo chega a 1,3 bilhão de toneladas por ano e é responsável pela emissão de 3,3 gigatoneladas de gases estufa na atmosfera.

 Os insetos convertem a matéria em decomposição em gorduras e proteínas que são, por sua vez, transformados em alimento para pecuária e piscicultura. A empresa foi fundada por um grupo de estudantes de Cambridge em 2015 e já levantaram $1,9 milhões em investimentos para aprimorar a tecnologia.

2.2 Oxford

Assim como Cambridge  – e muito alimentado pela forte e saudável rivalidade entre as duas instituições -, Oxford também acumula histórias de sucesso na bioeconomia. 

Oxford Nanopore, que desenvolve sequenciadores de DNA portáteis, é um dos exemplos. Immunocore e Adaptimmune também fazem parte da lista, ambas trabalhando em imunoterapia para o tratamento de câncer e outras doenças. 

Assim como Cambridge, existe uma leva de novas companhias desafiando as barreiras do conhecimento, como as startups abaixo:

Vaccitech

A Vaccitech tem como foco desenvolver uma vacina universal para a gripe, utilizando um vetor viral geneticamente modificado, além de vários outros produtos focados no estímulo do sistema nervoso para a prevenção de doenças. 

Receberam investimento de grandes nomes investidores em capital de risco, como GV (braço independente de investimento de risco do Google), Sequoia Capital, um dos investidores mais prestigiosos do Vale do Silício, além da própria Universidade de Oxford, dentro da qual foram fundados.

Oxitec

A Oxitec desenvolveu uma solução inovadora para lidar com doenças transmitidas por insetos, como zika, dengue e malária. Eles desenvolveram insetos estéreis, geneticamente modificados, que competem na natureza com os seus pares selvagens, fazendo com que a população sofra uma pressão evolutiva em favor dos insetos que não transmitem doenças. 

Já levaram os seus insetos a campo em testes no Brasil, Ilhas Caymã, Estados Unidos e Índia, obtendo uma redução de impressionantes 80 a 90% na população de insetos selvagens. O sucesso dos testes culminou na sua aquisição pela Intrexon em 2015.

SpyBiotech

A SpyBiotech também está trabalhando na área das vacinas, desenvolvendo o que eles chamam de “super cola” para ligar antígenos (moléculas reconhecidas pelo nosso sistema imune como sinais de perigo) à vetores virais. A cola garante que os antígenos e o ponto de ligação se mantenham intactos, ideal para o reconhecimento pelo sistema imune.

Além disso, é possível “colar” uma quantidade e variedade muito maior de antígenos se comparado às  tecnologias convencionais, potencializando o efeito da vacina e ampliando o número de doenças que podem ser prevenidas. Eles receberam investimento da Universidade de Oxford e do GV (braço independente de investimento do Google) em 2017 para desenvolver a tecnologia.

2.3 Londres

Londres é a capital e o centro financeiro do Reino Unido. Não é a toa que recebeu o maior volume de investimentos em ciências da vida, quase um $1B em 2017, mais do que o valor total combinado das outras duas cidades do Golden Triangle ($700M). Londres também é a cidade de fundação de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo, a GlaxoSmithKline (GSK).

Seu interesse por bioeconomia está longe de esfriar: no começo desse ano, a Biblioteca Nacional, em parceria com o Francis Crick Institute, um dos mais renomados centros de pesquisa em genética do mundo, anunciou uma expansão focada no desenvolvimento de biotecnologia. Com um cenário tão receptivo, é de se esperar novas histórias de sucesso vindo de startups em Londres, como as mostradas abaixo:

Orchard Therapeutics

A Orchard Therapeutics desenvolve terapias gênicas para doenças genéticas raras. Eles retiram células-tronco do sangue de pacientes, as modificam geneticamente, corrigindo o gene defeituoso, e as devolvem para o paciente, em um processo chamado terapia gênica autóloga ex vivo. 

Após abrir seu capital na bolsa de valores em 2018, a Orchard Therapeutics entrou em uma parceria com a GSK para produzir o medicamento para a “doença da bolha de plástico”, uma imunodeficiência severa alcançando 1,9 milhões de euros em vendas em 2018.

Autolus

Autolus é uma spin-off da UCL que trabalha desenvolvendo terapias CAR-T para o tratamento de câncer.  Essa tecnologia consiste em alterar células T do sistema imune dos pacientes para que elas possam reconhecer as células cancerígenas e eliminá-las. 

A Autolus abriu capital na Nasdaq em 2018 e atualmente possui um valor de mercado maior que 1 bilhão de euros. A empresa possui diversas terapias em fase clínica de testes, com resultados previstos para o próximo ano.

Daye

Daye é uma startup focada na saúde da mulher e seu primeiro produto é um absorvente interno que possui canabidiol (CBD), uma substância extraída da flor da maconha que é reconhecida pelos seus efeitos medicinais e que não possui o THC, substância responsável pelos efeitos psicoativos. 

O absorvente foi desenvolvido com a ajuda de médicos especializados, e seu intuito é aliviar as dores das cólicas menstruais. A Daye foi fundada em 2018, mas já está se tornando relevante, tendo recebido $5.5 M em investimento em maio de 2019.

3. O que levar para casa

A bioeconomia do Reino Unido não se resume apenas à área da saúde. Os dados abaixo exemplificam como há uma expansão que atinge todos os setores de desenvolvimento econômico.

  • O mercado global de biorrefinarias deve crescer de cerca de £ 350 bilhões para £ 550 bilhões até 2021.
  •   Os  setores de biotecnologia industrial e bioenergia do Reino Unido, com um faturamento anual de £ 2,9 bilhões em 2013/14, deve aumentar para £ 8,6 bilhões em 2035. `
  •   O mercado global de bioplásticos deve crescer de £ 13 bilhões (2017) para mais de £ 33 bilhões em 2022.
  • A produção de combustíveis sustentáveis para aviação no Reino Unido pode valer 265 milhões de libras em 2030, com 4.400 empregos.

Depois de conhecer mais sobre a bioeconomia da Inglaterra, você se empolgou para aprender inglês e comprar sua passagem para conhecer a terra da rainha?

Confira os outros textos da série Biotecnologia pelo Mundo.

Texto revisado por Tayná Costa e Luana Lobo

*O Profissão Biotec não recebe nada em troca por divulgar as marcas apresentadas neste texto.

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