O berço da civilização brasileira é composto de povos indígenas, negros africanos e portugueses colonizadores. Esses três grupos se misturaram e deram origem a pessoas de cores diferentes, que no primeiro recenseamento realizado no ano de 1872 eram classificadas em brancos, pretos, pardos e caboclos. É importante dizer que nesta época, os brancos se autodeclaravam brancos, e classificavam seus escravos nas outras categorias de cor.
No início do séc. XX havia um forte sentimento de inferioridade da sociedade brasileira e alguns estudiosos viam como um problema a ancestralidade africana e indígena da nação. Por conta disso, ocorreu grande incentivo para a imigração caucasiana no Brasil, com o objetivo de embranquecer a população. Essa foi a época em que a maior parte dos imigrantes suíços, alemães e nórdicos chegaram ao Brasil, e um pouco depois italianos e espanhóis.
No censo de 1930 foi incluída a cor amarela, por conta da imigração japonesa, que ocorreu mesmo a contragosto de parlamentares – que não viam com bons olhos as populações asiáticas. Já em 1940, aconteceu o primeiro censo brasileiro que não considerava a cor “parda”: as pessoas podiam se autodeclarar brancas, pretas ou amarelas, apenas. Nos censos realizados nos anos de 1950, 1960 e 1980 a cor parda foi novamente incluída.
Apenas no censo de 1991, foi considerada a possibilidade da pessoa se autodeclarar indígena, ao se modificar a pergunta para “cor ou raça”, pois supostamente “indígena” é uma raça, e não uma cor. Desde então, até o último censo, realizado em 2010, todas as cinco categorias são consideradas: branco, preto, pardo, amarelo e indígena.
Será que a cor da pele revela a ancestralidade da pessoa?
A resposta a essa pergunta é não. Muitos estudos que tentaram relacionar a cor autodeclarada da população brasileira com sua ancestralidade genética demonstraram que não existe confiabilidade neste método. Por exemplo, neste estudo de 2016, o genótipo de 638 mulheres do sudeste brasileiro apresentou correlação apenas entre 31% para etnias africanas e 21% para etnias europeias.
Outro estudo, que também levou em conta a quantidade de pigmentação da pele dos indivíduos analisados, demonstrou que muitas vezes a cor autodeclarada não condizia nem mesmo com a quantidade de pigmentação. Houve casos de irmãos com pigmentações diferentes nos quais o irmão menos pigmentado se autodeclarou em uma categoria de cores mais escura que do irmão com mais pigmento.
Mas como é possível dizer a ancestralidade de alguém pelo DNA?
Nosso genoma é composto de aproximadamente 3,2 bilhões de pares de bases, divididos em 23 pares de cromossomos, 22 autossômicos e 1 sexual (os cromossomos X e Y). Quase metade desse DNA é repetitivo e apenas 2% codifica proteínas, o que significa que existem 20 mil genes em nosso DNA. Já o genoma mitocondrial (mtDNA) humano é bem menor, possui 15 mil nucleotídeos e 37 genes.
O DNA nuclear, aquele presente nos 46 cromossomos dentro do núcleo da célula, é herdado 50% da mãe e 50% do pai do indivíduo, mas o mtDNA em geral é herdado apenas da mãe. Quer saber sobre as exceções desse evento? clique aqui.
Ao longo dos bilhões de pares de base existentes são encontradas variações de sequências mais e menos conservadas. Por exemplo, os microssatélites são pequenas sequências de DNA (de 1 a 6 nucleotídeos) repetidas e que estão espalhadas pelo genoma de todos os eucariotos. Essas sequências não são codificantes e possuem alta taxa de mutação, por isso são usualmente utilizadas para estudo de parentesco.
Além disso, existem os marcadores informativos de ancestralidade (AIM) ou alelos específicos de população (PSA, sigla em inglês). Sequências de DNA que possuem diferenças superiores a 30% entre as populações de diferentes regiões geográficas podem ser caracterizadas por polimorfismos de inserção ou deleção de nucleotídeos.
O estudo dessas regiões do DNA permite determinar a ancestralidade de indivíduos com maior precisão do que apenas olhar para a cor da pele da pessoa.
E quais os resultados?
É muito interessante perceber que os estudos genéticos revelam com fidelidade a miscigenação ocorrida no Brasil, passando pelos índios, portugueses, africanos, italianos, judeus, marroquinos, holandeses, alemães e assim por diante.
Em um estudo do ano de 2013 feito com 48 AIMs de 492 indivíduos do sudeste brasileiro, demonstrou-se que existem diferenças entre a ascendência do mtDNA e o DNA genômico. Em boa parte das pesquisas é apontada uma ancestralidade africana ou ameríndia nos marcadores do mtDNA, enquanto que, o polimorfismo existente no cromossomo Y, transmitido apenas de pai para filho, indica descendência europeia.
Esses dados são importantes evidências de como se deu a miscigenação brasileira. Desde o início da colonização era comum homens europeus terem filhos com mulheres negras e indígenas, e os efeitos dessa mistura são percebidos até hoje em nosso DNA.
Mesmo em uma população com forte influência africana como os quilombolas é possível encontrar quantidade significativa de alelos europeus. Amostras de DNA de moradores de quilombos no sul do estado de São Paulo indicam que nem mesmo descendentes diretos de pessoas escravizadas foram imunes à miscigenação brasileira.
E quais as implicações?
Saber a ancestralidade da população brasileira nos ajuda a conhecer e contar nossa história, entender quais são as bases da nossa cultura e do nosso povo. Além disso, as implicações sociais são impossíveis de serem negadas. Segundo dados do IBGE, um estudo que correlaciona anos de estudo e cor da pele indica que 23% da população branca em 2008 possuía mais de 11 anos de estudo e em contrapartida, apenas 9% da população negra apresentava esse tempo de escolaridade.
Além disso, algumas implicações existem também na área da saúde, como por exemplo em uma pesquisa na qual foram coletadas amostras de sangue de adultos saudáveis do nordeste e sudeste, e analisadas quais as variações do gene IFNL3 (rs12979860) que possui 3 alelos: rs12979860-CC, rs12979860-CT e rs12979860-TT.
O estudo da ancestralidade demonstrou que os indivíduos de descendência africana possuem o alelo rs12979860-TT e os indivíduos com descendência européia possuem os alelos rs12979860-CC, rs12979860-CT.
Esse fato é importante, pois foi verificado que pacientes infectados com vírus da hepatite C demonstram reações diferentes aos tratamentos dependendo de seu genótipo. Aqueles que possuem os alelos europeus tem maior taxa de cura quando tratados com interferons (proteína produzida por fibroblastos e leucócitos que induz a célula infectada e outras células próximas a combater a replicação viral); já pacientes com o alelo africano reagem melhor ao tratamento com antivirais de ação direta.
E eu posso descobrir qual a minha ascendência?
Pode sim! Existem empresas que vendem serviços de análise genética ou mesmo kits que você pode comprar para fazer o teste em casa e descobrir qual a origem do seu DNA. Com os kits você mesmo faz a coleta de seu material genético (normalmente células da mucosa bucal) e,envia a amostra pelo correio; a empresa faz os procedimentos de análise em laboratório, e então você tem acesso aos dados do DNA!
Além dos testes de ancestralidade também é possível descobrir informações sobre necessidades nutricionais, como seu corpo responde a atividades físicas e outras características genéticas.
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