Você sabe qual foi o primeiro animal a ter o seu genoma completamente sequenciado? Foi o Caenorhabditis elegans. Hoje, o C. elegans pode ser considerado um dos animais mais estudados pela ciência, não sabia? Então, agora você está sabendo! xD
O C. elegans
O C. elegans é um verme nematódeo descrito em 1900 por Émile Maupas, um zoólogo francês. Este animalzinho de aproximadamente 1 mm de comprimento apresenta vida livre e é comumente encontrado na porção líquida do solo. Ele utiliza bactérias como fonte de energia e, em laboratório, é alimentado com culturas de Escherichia coli. Os adultos, em sua maioria, são hermafroditas autofecundados e vivem cerca de 21 dias.
Existem também C. elegans machos, mas eles compõem apenas 0,1% da população e tendem a surgir em situações de estresse. Isso é uma estratégia de sobrevivência do C. elegans, porque a reprodução por autofecundação gera apenas clones dos indivíduos, enquanto a reprodução sexuada (que depende da presença dos machos) vai gerar maior diversidade genética e aumentar as chances da prole gerada sobreviver em situações adversas, como mudança de pH, falta de água ou de alimento.
O ciclo de vida completo do C. elegans leva de 3 a 5 dias e, após a eclosão, ele passa por quatro estágios larvais, denominados L1, L2, L3 e L4, até chegar à fase adulta. O corpo do C. elegans apresenta o típico formato vermiforme cilíndrico. Além disso, o C. elegans possui sistema digestório, sistema excretor, músculos, gônadas e um sistema nervoso capaz de distinguir cheiros, gostos, toques, temperatura e, mesmo não possuindo olhos, consegue responder à luz.
O que já descobrimos sobre o C. elegans
O C. elegans foi utilizado pela primeira vez como organismo modelo por Sydney Brenner em 1966, que foi laureado com o prêmio Nobel em 2002 por ter descoberto os genes relacionados ao desenvolvimento de órgãos e à apoptose no C. elegans.
A apoptose é um dos mecanismos mais bem conservados pela evolução, ou seja, ocorre da mesma maneira em quase todos os animais. Apoptose é a morte programada das células do corpo, algo que é essencial para manter a homeostase e o desenvolvimento de organismos multicelulares, já que elimina células que são desnecessárias e defeituosas, evitando uma série de problemas.
Esse mecanismo é bastante complexo e ainda não foi totalmente compreendido, mas o C. elegans é um organismo modelo que tem ajudado a elucidar quais as proteínas e vias metabólicas são responsáveis por controlar o fenômeno de morte programada – e já se sabe que mais de 10% de todas as células nascidas sofrem apoptose nesse nematóide.
Como já mencionado, o C. elegans é um dos animais mais conhecidos e estudados do mundo. Seu genoma foi sequenciado em 1998 pelo The Wellcome Trust Sanger Institute e pelo Genome Sequencing Center. Ele possui mais de 19 mil genes, e quase metade deles é correspondente com os de outros animais, o que torna possível realizar inúmeros estudos genéticos comparativos.
Por exemplo, os genes responsáveis pelo desenvolvimento do nematóide completo já foram todos descritos, e isso é relevante porque os mesmos genes envolvidos no desenvolvimento dele são também os que governam o desenvolvimento de outros animais, como nós, humanos.
Além disso, C. elegans geneticamente modificados podem ser produzidos com significativa facilidade em laboratório para estudar o papel de cada um desses genes. Outra característica que contribui para a compreensão do desenvolvimento desses pequenos nematoides é que eles possuem menos de 1 milhão de células, e todas elas já foram mapeadas e descritas de acordo com a sua função.
Atualmente, muitos dados sobre o transcriptoma e proteoma do C. elegans já estão disponíveis em bancos de dados digitais, como a plataforma Wormbase, facilitando o acesso dessas informações e favorecendo o desenvolvimento de pesquisas de alto impacto.
Forma de resistência do C. elegans
O C. elegans é capaz de se adaptar a ambientes desfavoráveis devido a uma característica chamada plasticidade, apresentada durante o desenvolvimento da forma Dauer. A forma Dauer é um estágio de resistência ocasionado por um ambiente que confere estresse ao organismo como: escasso de alimentos, em estresse oxidativo ou em temperaturas desagradáveis à espécie.
Muitas mudanças fisiológicas e anatômicas são observadas na forma Dauer em relação aos outros estágios. Por exemplo, ocorre a queda do metabolismo (baixo gasto de energia) e recobrimento do corpo com uma cutícula espessa que confere resistência à dessecação. Essas mudanças permitem que o C. elegans seja capaz de sobreviver por vários meses em um ambiente desfavorável.
Apesar de ainda haver muitas incógnitas a respeito de como o C. elegans é capaz de realizar todas essas mudanças, temos evidências suficientes para compreender o quanto o ambiente é capaz de influenciar a fisiologia do organismo. E como esses mecanismos de plasticidade costumam ser bem conservados ao longo da evolução, é possível que a compreensão cada vez mais detalhada da forma Dauer do C. elegans nos ajude a elucidar como outros animais também são capazes de sobreviver apesar de circunstâncias adversas do ambiente, como no caso dos organismos extremófilos.
O C. elegans é um animal pequeno, mas com grande potencial para estudo e diversas aplicações. Ele já vem nos ajudando a compreender vários processos importantes que ocorrem em muitos animais, como resistência, apoptose e a genética do desenvolvimento. Além disso, o C. elegans já tem sido usado como organismo modelo em estudos de toxicidade, doenças neurodegenerativas e impacto dos exercícios físicos no organismo. Fique de olho nos próximos textos do Profissão Biotec, pois falaremos mais sobre isso.
Cite este artigo:
MEDRADES, J. P. C. elegans: o animal mais estudado do mundo. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/celegans-animal-mais-estudado-mundo/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
BBC News Brasil. O verme que ajudou a explicar o desenvolvimento do corpo humano. nov., 2021. Disponível em:<https://www.bbc.com/portuguese/geral-58608616>. Acesso em: 24 fev. 2023.
GAVA, S. G. Estudo funcional da proteína quinase JNK de Schistosoma mansoni através de expressão heteróloga no organismo modelo Caenorhabditis elegans. Dissertação (Mestre em Ciências na área de concentração Biologia Celular e Molecular) – Fundação Oswaldo Cruz, Belo Horizonte, p. 83, 2013. Disponível em: <https://www.cpqrr.fiocruz.br/texto-completo/D_107.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2023.
MELLO, M. L. et al. Utilização do parasita Caenorhabditis elegans como organismo modelo na pesquisa clínica. XXIII seminário interinstitucional de ensino, pesquisa e extensão. 2018. Disponível em: <https://home.unicruz.edu.br/seminario/anais/anais-2018/XXIII%20SEMINARIO%20INTERINSTITUCIONAL/Ciencias%20Biologicas%20e%20da%20Saude/Mostra%20de%20Iniciacao%20Cientifica%20-%20RESUMO%20EXPANDIDO/UTILIZA%C3%87%C3%83O%20DO%20PARASITA%20Caenorhabditis%20elegans%20COMO%20ORGANISMO%20MODELO%20NA%20PESQUISA%20CL%C3%8DNICA%20(7970).pdf>. Acesso em: 24 fev. 2023.
SOUZA, D. C. Caenorhabditis elegans como bioindicador do potencial potencial nematicida do leite caprino. Tese de doutorado (Medicina Veterinária) – Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais. 42 p, 2021. Disponível em: <https://www.locus.ufv.br/bitstream/123456789/28053/1/texto%20completo.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2023.
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Fonte da imagem destacada: MDI Biological Laboratory.