Não sei quanto a vocês, mas sou apaixonada por gatos.

Não me lembro bem quando foi de fato que o cupido felino me acertou, afinal, eu já deveria ter uns 6 anos de idade quando a minha péssima mania de pegar gatinhos abandonados na rua me levou à sala de cirurgia para a retirada de um linfonodo (conhecido na linguagem mais popular como “carocinho”), após ser arranhada por uma dessas fofurinhas no pescoço.

Nem por isso fiquei com raiva deles, muito pelo contrário.

Tal fato só me tornou mais curiosa pela espécie, por seus costumes, suas manias e suas peculiaridades.

Depois desse episódio demorou ainda uns bons 20 anos pra eu adotar, de fato, meu primeiro “filho”.

E como mãe de primeira viagem, é claro que já virou uma mania minha passar horas em pet shops buscando novas formas de mimar meu animalzinho.

A “ERVA” DO GATO

Foi aí que conheci o catnip, ou “erva do gato”. Vi vários vídeos de reações dos felinos a ela: se esfregando que nem doidos na planta, miando histericamente, brincando… Comprei a tal da erva, e pra minha surpresa, após examinar muito a nova descoberta, meu bichano deitou em cima dela e… dormiu.

Intrigada com tantas reações a uma simples planta, decidi pesquisar sobre essa interação e descobri que sua reação em gatos não intriga só a mim, e sim a muitos pesquisadores nos ramos da química e da biotecnologia.

O catnip é uma planta da família da hortelã, pertencente à espécie Nepeta cataria, e possui um composto chamado nepetalactona, que entra pelo nariz dos gatos, ativa seu bulbo olfatório e envia sinais para outras partes do cérebro felino, incluindo as responsáveis pelas emoções e reações a elas, como as amígdalas e o hipotálamo.


Nepeta cataria, a plantinha que causa a euforia dos gatinhos

fórmula estrutural da nepetalactona, substância ativa da planta. Fonte: Química Nova Interativa.

DOS PETSHOPS PARA O LABORATÓRIO

A descoberta da nepetalactona por meio da observação do comportamento dos gatos quando em contato com ela abriu aos pesquisadores várias portas para a elucidação de sua estrutura. Por meio dela foi possível que os cientistas descobrissem não só sua via de produção, como de outras substâncias químicas úteis, como a vinblastina, que é utilizada em pacientes na quimioterapia.

Segundo eles, o catnip desencadeia processos químicos incomuns e únicos para a produção de substâncias bioativas, e planeja-se usá-los para os ajudar a produzir por vias sintéticas compostos úteis que possam ser usados no tratamentos de doenças como o câncer.

Como o catnip age no cérebro dos felinos. Fonte: GatinhoBranco

O artigo responsável pelo estudo fruto dessas descobertas foi publicado na revista Nature Chemical Biology. Nele, os pesquisadores do Reino Unido defendem que a maioria dos terpenos (metabólicos secundários produzidos por plantas com propriedades anticancerígenas, anti-inflamatórias, bactericidas, fungicidas, antinecróticas e outras) formam-se por meio de uma única enzima.

O que desperta atenção é que os terpenos do catnip são formados por meio da atividade de duas enzimas, uma que se utiliza de um composto precursor e o outra que o aproveita para a produção da substância de interesse. A descoberta possibilitou aos pesquisadores não só a elucidação de novas vias biossintéticas, mas também de novos compostos químicos, como das enzimas presentes nestes processos.

O que se espera é que trabalhos como este contribuam para a química medicinal, nos ajudando a criar produtos químicos úteis com mais eficiência por meio de processos parecidos ao que sintetiza o catnip (por meio de duas enzimas), com maior rendimento e rapidez do que simplesmente extraí-los da natureza.

Vale também ressaltar que o processo de duas etapas descrito pelos cientistas britânicos para produção da nepetalactona não havia sido observado anteriormente. Algo semelhante a esse processo também pode ocorrer, os pesquisadores sugeriram, na síntese das drogas anticancerígenas vincristina e vinblastina da pervinca de Madagascar, da espécie Catharanthus roseus, e em outras plantas como na azeitona.

METABÓLITOS SECUNDÁRIOS VEGETAIS

As nepetalactonas são mais um exemplo dos diversos tipos de metabólitos secundários, também conhecidos como produtos naturais, que podem ser encontrados na natureza. Utilizados pela humanidade desde os tempos primordiais, os produtos naturais têm despertado a atenção da sociedade científica devido a suas diversas propriedades terapêuticas. Os principais tipos de produtos naturais são os terpenos (ou terpenoides), alcalóides e compostos nitrogenados relacionados, fenilpropanóides e compostos fenólicos relacionados e flavonóides.

Segundo um dos pesquisadores envolvidos na pesquisa que elucida melhor a produção da nepetalactona, elas têm, entre outros, potencial de uso na agricultura, pois participam de interações específicas entre plantas e insetos. Assim, é possível que em trabalhos futuros, outros papéis além da produção de produtos químicos com uso medicinal sejam melhor explorados com base na via biossintética da nepetalactona.

Texto revisado por Carolina Vasconcelos e Mariana Pereira
Referências:
GATINHO BRANCO. Os segredos da catnip. Disponível em:https://gatinhobranco.com/?p=2679. Acessado em 12 jan. 2019.
LICHMAN, B.R. et al. Uncoupled activation and cyclization in catmint reductive terpenoid biosynthesis. Nature Chemical Biologyvolume 15, pages71–79 (2019). Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41589-018-0185-2. Acessado em 15 jan. 2019.
MARINHO, J. Tipos de Metabólitos. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. UNESP. Disponível em: http://www.feis.unesp.br/Home/departamentos/fisicaequimica/relacaodedocentes973/jeanricharddasnoymarinho/04-tipos-de-metabolitos.doc. Acessado em 15 jan. 2019.
PEREIRA, R.J.; CARDOSO, M.G. Metabólitos secundários vegetais e benefícios antioxidantes  .Journal of Biotechnology and Biodiversity. Vol. 3, N. 4: pp. 146-152, 2012. Disponível em: https://www.todafruta.com.br/wp-content/uploads/2016/09/Metab%C3%B3litos-secund%C3%A1rios-ARTIGO.pdf. Acessado em 15 jan. 2019.
PHYS. ORG. How catnip makes the chemical that causes cats to go crazy. Disponível em: https://phys.org/news/2018-12-catnip-chemical-cats-crazy.html. Acessado em 10 jan. 2019.

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