O que são os testes clínicos e como eles são importantes no desenvolvimento de um novo medicamento? O Profissão Biotec responde essas questões.

Em meio à pandemia da COVID-19, sempre que o assunto é tratamento ou vacina, ouvimos por diversas vezes a expressão “testes clínicos”. Mas o que são testes clínicos? Por que eles são tão importantes na pesquisa? Por que eles demoram tanto?  Neste texto, o Profissão Biotec responde a essas dúvidas muito comuns e  mostra que esses testes são fundamentais para o sucesso dos diagnósticos e tratamentos de uma doença.

O que são testes (ou ensaios) clínicos?

O objetivo dos ensaios clínicos é validar o novo medicamento como eficiente e seguro. Para isso, uma série de procedimentos de investigação são realizados para comprovar a segurança (informações sobre os efeitos adversos) e eficácia do medicamento em questão, garantindo a segurança do paciente. Ou seja, testes (ou ensaios) clínicos são estudos realizados com humanos e servem para comprovar se um medicamento funciona de forma segura e eficaz.

Os testes clínicos avaliam os efeitos farmacológicos e adversos do medicamento, bem como ele é absorvido, metabolizado e excretado pelo organismo humano. Eles são a última etapa em um longo processo de uma pesquisa sobre um medicamento, como exemplificamos na figura abaixo. 

Figura representativa das principais etapas de uma pesquisa sobre um medicamento: estudos pré-clínicos (in vitro e em animais) e estudos clínicos (em humanos).  Estima-se que para cada 5 a 10 mil compostos testados, cerca de 250 chegam a etapa dos testes pré-clínicos e somente 5 deles seguem para os testes clínicos, para enfim, resultar na aprovação de 1 medicamento. Adaptado pela autora.

É importante ressaltar que ao longo do texto iremos nos referir aos testes clínicos de medicamentos mas todas as informações descritas também são aplicadas em pesquisas com vacinas, diagnósticos e outros tratamentos utilizados na área da saúde, certo? Conheceremos a seguir os diferentes tipos de testes clínicos.

Tipos de testes (ou ensaios) clínicos

O tipo de teste clínico depende da pergunta que está sendo feita na pesquisa.

  1.  Ensaios preventivos: estudam as maneiras de impedir a ocorrência de uma doença ou sua complicação;
  2. Ensaios de triagem: estudam maneiras de detectar a doença em um estágio precoce, o que facilitaria seu tratamento;
  3. Ensaios de diagnóstico: buscam opções melhores e menos invasivas de diagnosticar uma doença;
  4. Ensaios de tratamento: estudam medicamentos e procedimentos que sejam mais eficientes e com reduzidos efeitos colaterais;
  5. Ensaios de qualidade de vida: estudam maneiras de prestar assistência de suporte às pessoas com determinada doença.

Fases dos testes (ou ensaios) clínicos

Cada teste clínico também é dividido em fases. Vamos entender a importância de cada uma delas?

Ensaios de Fase 1: São os primeiros a serem realizados em humanos e utilizam um pequeno número (10 – 30) de participantes saudáveis ou, em alguns casos, em pacientes com alguma doença grave (como câncer e AIDS). O principal objetivo dessa fase é verificar se o medicamento é seguro. Se o medicamento for considerado seguro, ele seguirá para Fase 2. Também podem ser obtidas informações sobre o perfil farmacocinético e farmacodinâmico do medicamento.

Na fase 1 um pequeno número de pacientes é avaliado. Adaptado pela autora.

Ensaios de Fase 2: São as análises que verificam se o medicamento é eficaz, realizadas em um número limitado de doentes (entre 25 e 100).

Os pacientes escolhidos para participar desta etapa fazem parte de uma população relativamente homogênea (sem muitas variações de idade e sexo, por exemplo), porque, neste momento, o objetivo principal é avaliar se o medicamento funciona, não avaliando a interferência de outros fatores (como idade e sexo do paciente). Nesta etapa é possível avaliar também o regime terapêutico do tratamento (qual será a dose e a frequência de administração do novo medicamento) e obter informações mais detalhadas sobre a segurança (toxicidade).

Na fase 2 é avaliado se o medicamento funciona ou não. Adaptado pela autora.

 Ensaios de Fase 3: Se ficar comprovado que o medicamento é seguro e eficaz, iniciam-se as análises da Fase 3, que são um estudo randomizado realizadas em um número ainda maior de pacientes (entre 100-1000).

Nesse momento é avaliado se o novo medicamento faz o efeito esperado em diferentes grupos de pacientes (crianças, jovens, adultos e idosos; homens e mulheres; gestantes e lactantes; entre outros). Nesta etapa será verificado se esse medicamento é mais eficiente e se possui menos efeitos colaterais do que os medicamentos padrão (já disponíveis para a população) e/ou  placebo (substância sem efeito farmacológico). Nessa fase, os pesquisadores também ficam de olho no aparecimento de eventos adversos.

Na fase 3, com um grande número de participantes, é possível realizar análises comparativas entre os efeitos do medicamento testado e o placebo. Adaptado pela autora.

Os ensaios de Fase 1, 2 e 3 são fundamentais para que o novo medicamento seja aprovado pelas autoridades competentes. 

Ensaios de Fase 4: Geralmente,  logo após a conclusão da Fase 3, o medicamento recebe aprovação dos órgãos competentes para ser comercializado. Portanto, na Fase 4 o objetivo é aprofundar os conhecimentos sobre a utilização do medicamento

  • Detecção de possíveis reações adversas ainda não identificadas nas fases anteriores; 
  • Avaliação de dose-resposta (qual a melhor dose para a resposta esperada?);
  • Avaliação das interações medicamentosas (O medicamento pode ser administrado juntamente com outros medicamentos?);

Nos estudos da Fase 4, um número maior de pacientes é acompanhado por um longo período, permitindo que os cientistas avaliem os riscos e benefícios do medicamento em longo prazo.

Na Fase 4 é possível reunir um maior número de informações sobre os efeitos do medicamento. Adaptado pela autora

Por que é preciso testar um medicamento em tantas pessoas?

Os testes clínicos precisam ser realizados em um grande número de voluntários para que seja avaliado como as diferenças de sexo, idade e presença de doenças pré-existentes interferem no efeito final do medicamento estudado. Um jovem e um idoso podem receber a mesma dose do medicamento? Doenças como diabetes e hipertensão influenciam no efeito do medicamento? Mulheres grávidas podem utilizar o medicamento sem riscos? Essas são algumas das perguntas que podem ser respondidas ao final dos testes clínicos.

As diferenças genéticas, de sexo e idade são sempre consideradas em testes clínicos. Adaptado pela autora.

Por que é importante participar de testes (ou ensaios) clínicos?

Ao participar de um teste clínico o voluntário tem a oportunidade de receber um tratamento inédito, ainda não disponível no mercado, recebendo todo o suporte e monitoramento médico necessário para a sua segurança. Além disso, estará contribuindo para a elaboração de um novo medicamento que, no futuro, trará benefícios para a saúde de milhares de pessoas. Ao realizarem esses estudos, as grandes empresas científicas também geram empregos e serviços, beneficiando a economia local.

No Brasil, o indivíduo só pode participar de testes clínicos como voluntário, sendo proibida qualquer remuneração ou a participação em diferentes testes ao mesmo tempo. Todas as pesquisas são submetidas a regras internacionais com aprovação pelos órgãos éticos e regulatórios brasileiros. É importante ressaltar que cada país possui uma legislação que regulamenta a participação e a aprovação dos testes clínicos.

Um medicamento para a COVID-19 também vai demorar tanto assim?

Quando um medicamento é novo, ele precisa passar por diferentes fases de análises, e nesse caso, os testes clínicos demoram em média de 10 a 15 anos. É muito tempo? Sim! Mas é um tempo necessário para que a eficácia e segurança do tratamento sejam avaliadas, afinal o médico pretende curar o paciente e não agravar a sua situação! 

Mas, no caso de uma pandemia como a COVID-19, o que os cientistas fazem para tentar acelerar esse processo é um reposicionamento de fármacos. Ou seja, eles avaliam se um medicamento que é usado para outra doença (comprovadamente seguro pois já passou por testes pré-clínicos e clínicos) poderia ser eficaz para tratar a COVID-19. 

É o caso da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos utilizados para tratamento do lúpus (doença autoimune), que foram testados para a COVID-19. Contudo, os resultados de algumas pesquisas indicaram que cloroquina e hidroxicloroquina não são seguras para pacientes com o coronavírus e por isso, até o momento, entidades como a Sociedade Brasileira de Imunologia e a Sociedade Brasileira de Cardiologia ainda não recomendam o uso dessas drogas, reforçando que novos testes clínicos precisam ser realizados para comprovação dos seus benefícios  no tratamento da COVID-19.

Os cientistas precisam de tempo para avaliar de forma criteriosa e adequada o tratamento em questão, e assim garantir a segurança dos futuros pacientes. E é por isso que os testes de reposicionamento de fármacos para tratar a COVID-19 continuam com a cloroquina, hidroxicloroquina e outras moléculas.  Leia mais sobre as pesquisas de tratamento de COVID-19 neste texto.

 Agora, sempre que você ouvir alguém reclamando sobre a demora para a liberação de um tratamento, compartilhe o link desse texto e contribua para o trabalho dos cientistas!

Texto revisado por Natália Videira e Isis Venturi
Referências:
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada – RDC no 9, de 20 de fevereiro de 2015 – Regulamento para a realização de ensaios clínicos com medicamentos no Brasil, 2015.
Eldridge, L. What is the Purpose of Clinical Trials? Disponível em: <https://www.verywellhealth.com/what-is-the-purpose-of-clinical-trials-2249350> Acesso em: 28 de maio de 2020.
Instituto Nacional do Câncer. O que são estudos clínicos? Disponível em: <https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-sao-estudos-clinicos> Acesso em: 28 de maio de 2020.
 Karlberg J. e Speers M.A. Revisão de Estudos Clínicos: Um Guia para o Comitê de Ética.   Disponível em: <https://media.tghn.org/articles/Reviewing_Clinical_Trials_-_Portuguese.pdf> Acesso em: 05 de junhode 2020.
Montanari, C.A.e Bolzani, V.S. Planejamento racional de fármacos baseado em produtos naturais. Química Nova [online]. 24(1): 105-111, 2001.
Roche Farmacêutica. Tipos de um ensaio clínico. Disponível em: <https://www.roche.pt/corporate/index.cfm/farmaceutica/ensaios-clinicos/tipos-de-um-ensaio-clinico/> Acesso em: 28 de maio de 2020.
Revista Abrale. Como os estudos clínicos influenciam um país. Disponível em: <https://www.abrale.org.br/revista-online/como-os-estudos-clinicos-influenciam-um-pais/> Acesso em: 28 de maio de 2020.
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