Você sabe o que são biofilmes? Saiba que esses agregados microbianos podem existir dentro de você, na água que você consome e muitos outros lugares! Conheça um pouco mais sobre o assunto em nosso texto.

Você já ouviu falar sobre biofilmes? Caso não conheça esse termo, saiba que os biofilmes estão mais perto de você do que pode imaginar. Eles existem, inclusive, em muitas partes do seu corpo. A tão famosa – mas não querida – placa bacteriana, nada mais é do que um biofilme que se forma sobre os dentes a partir das bactérias presentes na boca. 

O limo que encontramos facilmente em diversos lugares, principalmente sobre rochas ou superfícies úmidas, também é um exemplo de biofilme muito comum no meio ambiente. 

Os biofilmes favorecem não apenas os microrganismos, mas também impactam nossas vidas e possuem potencial para serem explorados biotecnologicamente. Vamos entender um pouco mais sobre esse micro-universo que são os biofilmes. 

A vida dentro do biofilme

Afinal, o que são biofilmes? Biofilmes são uma espécie de película protetora para comunidades microbianas viverem aderidas em superfícies. Sim, os microrganismos também formam comunidades! Tratam-se de arcabouços tridimensionais nos quais as células ficam embebidas. 

O biofilme, em geral, possui uma aparência viscosa, constituída por um aglomerado de biopolímeros altamente hidratados, coletivamente chamados de substâncias poliméricas extracelulares (EPS, do inglês Extracellular Polymeric Substances). Dentre essas substâncias há compostos como DNA, proteínas, lipídeos e carboidratos, liberados pelas bactérias do biofilme. 

 Microscopia mostrando a formação de biofilme após 3 tempos de incubação
Microscopia mostrando a formação de biofilme após 3 tempos de incubação. Fonte: Trentin, Giordano e Macedo (2013).

Biofilmes são, de forma simplificada, “um amontoado de microrganismos” e  qualquer tipo de substância orgânica que possa ser secretada por eles. Mas, engana-se quem pensa que não há organização nesta estrutura: existe uma complexo mecanismo de expressão gênica envolvido na formação, manutenção e comunicação dentro de biofilmes. Algumas substâncias são  produzidas especialmente para formação da matriz extracelular. Outros polímeros complexos garantem a adesão e coesão da estrutura para que o biofilme se mantenha firme e definido, com as condições ideais de sobrevivência e crescimento para os microrganismos ali presentes.

Através do biofilme as bactérias conseguem se fixar tanto em superfícies bióticas (como dentes e sistema intestinal de mamíferos) quanto abióticas (rochas, plásticos e encanamentos, por exemplo). Essas estruturas se formam principalmente em superfícies onde há interface entre sólido e líquido. A composição das substâncias da matriz pode variar muito entre cada biofilme, pois depende tanto de fatores externos (temperatura, radiação, tipo de substrato, entre outros) como das espécies que estão abrigadas na estrutura. 

 Exemplos de fatores que influenciam na adesão microbiana e formação de biofilmes.
Exemplos de fatores que influenciam na adesão microbiana e formação de biofilmes. Adaptado de: Trentin, Giordani e Macedo (2013).

Em geral, os biofilmes na natureza abrigam diferentes espécies de microrganismos, os quais podem viver tanto em um equilíbrio inicial  quanto, mais frequentemente, competindo pelo espaço. Os microrganismos correspondem a cerca de 10% da massa seca de um biofilme, o restante é matéria EPS. Podem incluir não apenas bactérias, mas também fungos e algas. 

Os benefícios de se viver em comunidade

São diversas as vantagens que os biofilmes conferem aos microrganismos. Uma das principais é o aumento da acessibilidade aos nutrientes. Muitos compostos que podem servir como alimento para as bactérias são retidos dentro da matriz polimérica. Dessa forma, a concentração de nutrientes é maior no interior do biofilme do que em relação ao seu entorno. 

Os nutrientes muitas vezes são provenientes de microrganismos mortos que estavam dentro do próprio biofilme. O contato mais imediato permite que essa reciclagem de nutrientes seja muito mais rápida e intensa em um biofilme do que em um fluxo de água.

Outro benefício importante é a proteção mecânica contra agentes externos. Antibióticos e agentes biocidas precisam estar em concentrações consideráveis e bem diluídas para que possam eliminar os microrganismos eficientemente. O biofilme acaba funcionando como uma barreira física que impede a rápida difusão dos agentes antimicrobianos. Radiação também é um fator que afeta microrganismos, mas que os alcança com menos facilidade quando há presença de biofilme.

A estrutura do biofilme
A estrutura do biofilme. Fonte: autoria própria.


Outros benefícios fisiológicos para a comunidade microbiana que podem ser citados:

  • Barreira contra os mecanismos e células de defesa do hospedeiro (em casos infecciosos) e também contra protozoários predadores.
  • Maior facilidade para transferência horizontal de genes (entre indivíduos).
  • Modulação de gradientes químicos e maior estabilidade do microambiente, diminuindo o impacto de flutuações muito severas como falta de oxigênio ou excesso de acidez.

Da forma livre para a forma séssil

Costumamos imaginar os microrganismos vivendo de forma livre e isolados, principalmente se pensarmos no ambiente aquático. Os microrganismos que vivem assim, unicelulares, flutuantes e dispersos na água, estão no que chamamos de estado planctônico. Eventualmente, as bactérias planctônicas podem se aderir a uma superfície para começar a colonização e consequente formação do biofilme. As bactérias do biofilme, por sua vez, passam a viver em um estado multicelular

A mudança de um estado planctônico para a forma aderida envolve mudanças na expressão gênica, ou seja, a diminuição ou aumento na regulação de conjuntos distintos de genes. Com essas regulações, o metabolismo dos microrganismos é adaptado às necessidades e exigências inerentes a cada estado de vida. 

 Fases de maturação de um biofilme
Fases de maturação de um biofilme. Fonte: WIkipédia.

Um biofilme não dura para sempre. Eles, na verdade, possuem ciclo de vida bem definido. Na imagem acima podemos ver esquematizado suas fases de desenvolvimento. Após a adesão inicial das células individuais, a pequena camada de bactérias passa a se multiplicar gerando micro-colônias. No início, ocorre intensa comunicação na micro-colônia para induzir a formação da matriz extracelular. A vida dentro do biofilme permanece em constante crescimento e estruturação do arcabouço, agora em uma fase de maturação. 

A proliferação continua até que o biofilme não comporte mais a quantidade de indivíduos. Nesse momento temos a fase de dispersão, na qual as células se desligam da matriz e retornam ao meio líquido para gerar novos focos de desenvolvimento de biofilme.

Quorum Sensing – a comunicação microbiana

Dentro do ambiente tridimensional que é o biofilme, os microrganismos podem e devem estabelecer comunicação.  As primeiras células que se fixam no substrato são responsáveis por produzir sinais que vão atrair mais e mais bactérias para que, de forma cooperativa, secretem as substâncias que irão formar o biofilme. 

Essa atividade inicial de sinalização é devido à produção de moléculas denominadas de auto-indutores. À medida que a densidade de bactérias aumenta, a quantidade de moléculas auto-indutoras também cresce, provocando mudanças na expressão gênica da população microbiana.

Esse fenômeno é chamado de quorum sensing. Ele garante que o metabolismo celular sofra as alterações necessárias para a transição entre as formas planctônica e multicelular. Uma das mudanças, por exemplo, é a hiper regulação do metabolismo secundário, responsável por produzir muitos compostos da matriz extracelular – e muitos outros de interesse comercial.

Onde os biofilmes estão e suas implicações

Esses agregados podem ser encontrados nos mais diversos lugares. As microbiotas que colonizam animais podem formar biofilmes. No trato gastrointestinal de seres humanos, bactérias de diversas espécies podem formar densos biofilmes na mucosa da superfície intestinal, o que também pode ocorrer em outras superfícies.

Um nicho importante referente à presença desses agregados microbianos são os sistemas de distribuição de água potável.  A água em si possui uma microbiota que persiste mesmo após passar pelas estações de tratamento de água (ETA), o que é perfeitamente normal. Afinal, os microrganismos estão presentes em todas as matrizes ambientais, seja na água, no solo ou mesmo nos alimentos que ingerimos. 

 Biofilmes e outros acúmulos em encanamento de água
Biofilme e outros acúmulos em encanamento de água. Fonte: Joline El-Chakhtoura (2018).

Para controlar a proliferação microbiológica, as concessionárias de água adicionam agentes biocidas, em geral à base de cloro. Um dos problemas, no entanto, é a presença de biofilmes. As bactérias podem se aderir e colonizar os encanamentos tanto da rede de distribuição quanto de propriedades, gerando um foco interno de proliferação de microrganismos. 

Além de aumentar a carga microbiana da água, os biofilmes podem favorecer a sobrevivência de bactérias patogênicas. Os agregados também são resistentes às concentrações residuais de cloro ou outros agentes biocidas adicionados na água e podem favorecer a oxidação e corrosão dos encanamentos.

Na indústria, sistemas de circulação de água de processos e/ou refrigeração também podem sofrer impactos pelo acúmulo de biofilme. Os biofilmes atrapalham o processo de transferência de calor, necessário para o resfriamento da água industrial, pois impedem o contato direto entre o revestimento do sistema e a água circulante. A bioacumulação também pode provocar corrosões e oxidações de materiais, e sua presença pode afetar a qualidade dos produtos.

 Biofilmes de S. aureus sobre cateter
Biofilme de S. aureus sobre cateter. Créditos: Wikipédia.

Do ponto de vista médico, os biofilmes podem causar infecções e são um dos principais fatores de virulência em infecções crônicas. Eles podem se desenvolver em implantes e causar complicações em doenças já existentes, como a fibrose cística.

Infecções por biofilmes não são facilmente tratadas com métodos e antibióticos convencionais. Novas abordagens terapêuticas têm sido estudadas, inclusive, para um melhor tratamento dessas complicações. A própria matriz extracelular e suas substâncias são alvos de estratégias farmacológicas em desenvolvimento.

Potenciais biotecnológicos dos biofilmes

A diversidade de componentes que formam a matriz extracelular do biofilme atraíram pesquisadores em buscas de novas descobertas biotecnológicas. Um dos produtos explorados a partir dos estudos com biofilmes são os biossurfactantes. Esses compostos são secretados pelos microrganismos e agem diminuindo a tensão superficial. Na prática, as características dos biossurfactantes permitem que o biofilme tenha canais internos onde circulam nutrientes e oxigênio para a micro-população.

Biossurfactantes são mais vantajosos devido a sua maior biodegradabilidade e menor toxicidade em relação aos seus concorrentes sintéticos. Os surfactantes (ou tensoativos) possuem uma extensa gama de aplicações, sendo utilizados para produção de emulsões, suspensões e umectantes. Estão presentes em produtos de limpeza e higiene, tintas, lubrificantes, entre outros.

Produtos de limpeza como detergentes possuem tensoativos em sua composição.
Produtos de limpeza como detergentes possuem tensoativos em sua composição. Fonte: Freepik.

Um outro interesse em relação aos biofilmes é a sua utilização em biorreatores para produção de compostos orgânicos. Biorreatores são largamente utilizados na indústria para obtenção de produtos sintetizados pelo metabolismo secundário dos microrganismos. As células microbianas no biorreator podem  estar planctônicas, diluídas no meio de cultura, ou serem imobilizadas para formação de agregados.

O biofilme confere maior resistência a variações do meio, como pH, oxigênio e temperatura. Entretanto, talvez a vantagem mais atraente seja o aumento no rendimento do produto de interesse. A utilização de reatores com células em biofilme é capaz de aumentar em mais de 100 vezes a produção de etanol, por exemplo, ou cerca de 7 vezes a síntese de butanol – quando testados em espécies microbianas específicas.

Como você pode perceber, os biofilmes são microambientes bastante diversificados e que fazem parte das nossas vidas, muito mais do que imaginamos! Para nós, seres humanos, a existência desses agregados pode ser benéfica ou prejudicial, porém não deixa ter potencial biotecnológico envolvido, tanto para otimizar processos como para desenvolver produtos, nos quais a maquinaria dos microrganismos é essencial.

Não deixe de acompanhar nossas publicações para saber mais sobre o que os microrganismos e a Biotecnologia podem fazer!


Texto revisado por Carolina Vasoncelos e Ísis Venturi
Referências:

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