A madeira possui várias propriedades que a torna interessante como matéria-prima de diversos produtos. Desde os primórdios da civilização ela era utilizada para fazer fogueiras, confeccionar armas, utensílios domésticos, construção de casas, barcos, dentre outros. Atualmente também a utilizamos como item decorativo em projetos arquitetônicos e várias aplicações na indústria.
Ela é constituída por celulose e polioses (mais popularmente conhecidas como hemiceluloses), formadas pelos açúcares: glicose, manose, galactose (hexoses), xilose e arabinose (pentoses). Outro componente importante da madeira é a lignina, que é formada por unidades de fenilpropano, envolve as células e funciona como uma cola que confere coesão à estrutura interna da árvore. Além desses componentes fundamentais, são encontrados compostos extrativos e sais minerais (Figura 1).
Figura 1. Componentes da madeira. Fonte: Ambientesst.com
A utilização da madeira para confecção de papel e celulose envolve várias etapas, nas quais ela é cortada, descascada e picada.
Assista a este vídeo para conhecer como é fabricado o papel!
Para complementar os conhecimentos do vídeo é necessário saber que o processo de digestão dos cavacos é realizado com a mistura de sulfeto de sódio (Na2S) e hidróxido de sódio (NaOH) em água a 170ºC, e na etapa de branqueamento é realizado um tratamento com cloro, dióxido de cloro e extrações alcalinas, no qual tem-se a polpa branqueada para produção de papel.
Isenta de lignina residual e alvura superior a 85%, a polpa irá se transformar em uma folha contínua e lisa, que será prensada para retirar o excesso de água e compactada na espessura de papel. Durante etapas de branqueamento são produzidos efluentes com fragmentos de lignina modificados e compostos organoclorados, compostos tóxicos que devem ser tratados antes de serem liberados no ambiente.
Mas em quais procedimentos a biotecnologia tem sido aplicada na indústria de papel e celulose? Ela atua utilizando enzimas que substituem os produtos químicos utilizados na produção de papel e ao mesmo tempo melhoram a qualidade do produto. Confira 6 exemplos incríveis:
1- Melhoramento genético de árvores
A biotecnologia, por meio de técnicas de engenharia genética, tem possibilitado a seleção e implementação de genomas superiores e propagação deles por cultivo de células ou tecidos. Esses genomas conferem características como a obtenção de uma madeira mais adequada ao processo de polpação devido à redução da quantidade de lignina em árvores para produção de papel e celulose, sendo possível a implantação de bosques homogêneos, fundamentais para a continuidade da produção nas indústrias.
O processo se inicia com a seleção de plantas sadias, que apresentem as características desejáveis obtidas pelo processo de melhoramento, das quais serão retirados tecidos para produção de embriões (Figura 2, a,b,c). Os tecidos são cultivados em meios com nutrientes específicos em condições controladas e assepsia, sendo posteriormente multiplicados e darão origem a vários embriões até atingirem estruturação celular adequada (fase de maturação) (Figura 2, d). Os embriões maturados serão convertidos a plântulas que serão cultivadas em tubos (Figura 2, e) e darão origem a mudas para reflorestamento ( Figura 2, e). Essas plantas (Figura 2, f) podem ser usadas para preservar ou melhorar características já obtidas (maior velocidade de crescimento, resistência a pragas e estresses, formato adequado ao corte e produção de cavacos, por exemplo).
Figura 2. Etapas de micropropagação de tecido vegetal. Fonte: Duong et al., 2014.
2- Biodegradação da madeira
No processo convencional de degradação, a madeira é reduzida a uma espécie de pasta, à qual são adicionados produtos químicos para a extração dos seus subprodutos (hemicelulose e lignina), para que então ocorra a liberação da celulose. Alguns destes produtos são prejudiciais ao meio ambiente, portanto a biotecnologia propôs a utilização de enzimas que substituem esses produtos e extraem a celulose de maneira ecologicamente sustentável.
As enzimas mais utilizadas nesse processo são as xilanases (que ajudam no branqueamento da pasta, de onde será extraído o produto), as lipases (que diminuem a goma liberada pela madeira) e as pectinases (que ajudam a tratar a água proveniente desse processo industrial).
3- Biopolpação
Partindo-se do conhecimento de que várias espécies de fungos podem degradar a lignina seletivamente (degradam a lignina e preservam a celulose), surgiu o conceito de biopolpação. Alguns fungos, como o Ganoderma australe, (Figura 3) podem ser aplicados sobre sobre os cavacos de madeira e, após a biodegradação, geram um resíduo rico em celulose e baixo teor de lignina.
O único entrave deste processo é que leva cerca de 6 horas para finalizar, por isso atualmente tem sido utilizado nas etapas prévias à polpação química ou mecânica. Já houve melhorias em relação ao tempo, temperaturas de reação, redução do consumo de energia e obtenção de polpa com melhores características de resistência mecânica.
Figura 3. Ganoderma australe. Fonte: Graham Calow/Nature Spot
4- Biobranqueamento
Para realizar o branqueamento da polpa celulósica é necessário remover a lignina residual e seus produtos de degradação após o processo de polpação. Entretanto, ela apresenta baixa solubilização e necessita ser tratada com agentes químicos como dicloro (Cl2) e dióxido de cloro (CIO2); assim, os resíduos efluentes contêm cloroligninas, que são polímeros recalcitrantes e tóxicos.
Neste contexto, a biotecnologia estuda a viabilidade de aplicação de fungos (Trametes versicolor) (Figura 4) e enzimas (como as xilanases e hemicelulases) que auxiliam no branqueamento, reduzindo custos e a necessidade de aplicação de produtos químicos e, consequentemente, gerando menor carga de compostos organoclorados no efluente.
Figura 4. Fungo Trametes versicolor, utilizado na etapa de branqueamento. Fonte: Earth Medicine Institute.
A enzima Pulpzyme HC, da empresa Novo Nordisk, por exemplo, foi lançada em 1994 e atualmente existem pesquisas para encontrar outras enzimas com características compatíveis às condições industriais.
5- Controle de resinas
A resina compreende vários componentes, principalmente ésteres e ácidos graxos presentes na madeira. Estes componentes se acumulam nas máquinas que produzem papel e causam inconvenientes, como ter que paralisar o processo de produção para limpeza das máquinas (Figura 5) e, caso a limpeza não seja adequada, pode comprometer a qualidade final do papel.
A aplicação de lipases ou resinases (enzimas que degradam alguns ésteres presentes na madeira) reduzem em até 83% a frequência de necessidade de limpeza dos equipamentos.
Figura 5. Limpeza das máquinas na indústria papeleira. Fonte: Egeo.
6- Reciclagem de papel
A utilização de celulases e hemicelulases facilita muito as etapas de destintamento e reconstituição do papel reciclado (Figura 6), pois diminuem a interação dos pigmentos, facilitam a flotação, aumentam a velocidade de drenagem da suspensão da polpa reciclada e da velocidade na máquina de formação de folhas. Este procedimento facilita as etapas de destintamento e reconstituição do papel reciclado.
Figura 6. Etapas da reciclagem de papel. Enzimas são usadas na indústria recicladora para facilitar o processo de destintamento. Fonte: ciências mello cotrim
Além destas aplicações incríveis, a biotecnologia também é responsável por benefícios secundários na indústria de papel e celulose, como:
- diminuição das emissões de CO2 na atmosfera
- redução considerável do uso de agrotóxicos nas lavouras de eucalipto
- aumento de 15% a 20% da produção de madeira (graças à produção de mudas melhoradas geneticamente),
- economia no tratamento da água envolvida no processo de produção (por estar livre dos produtos químicos que eram utilizados),
- possibilidade de utilização dos restos da produção da celulose como fonte de energia.
Entretanto, ainda existem desafios a serem vencidos, com o auxílio daelaboração de propostas biotecnológicas, como metodologias que melhorem a obtenção de polpa celulósica, tanto nas etapas prévias quanto posteriores deste processo; índices mais significativos na redução do consumo de energia; e mitigação da contaminação ambiental gerada.
É muito bacana aprender sobre como a biotecnologia tem atuado de maneira tão ampla em várias etapas de um segmento industrial tão importante não é mesmo? Compartilhe este texto com seus colegas, para que mais pessoas possam ser surpreendidas com estas aplicações!
REFERÊNCIAS
FENGEL, D.; WEGENER, G. Wood: chemistry, ultrastructure, reactions. Nova York, Walter de Gruyter, 1989.
FERRAZ, A. L. Aplicações da biotecnologia na indústria de papel e celulose. In: LIMA, U. D. A. et al. (Orgs.). Biotecnologia industrial, volume III: Processos fermentativos e enzimáticos. 1.ed. São Paulo: Blucher, 2001. cap.21, p.465-484.
JUVENAL, T. L; MATTOS, R. L. G, [BNDES]. O Setor de Papel e Celulose no Brasil. 2002.
THOLLANDER, P.; OTTOSSON, M. [THOLLANDER et al.]. An energy efficient Swedish pulp and paper industry – exploring barriers to and driving forces for cost-effective energy efficiency investments. Energy Efficiency, v. 1, n. 1, p. 21-34, 10, 2008.