A levedura Yarrowia lipolytica (ou “lipolinda”, para os íntimos) é uma importante aliada dos biotecnologistas, tanto no campo de pesquisa básica quanto em produtos biotecnológicos e na indústria. Suas características foram moldadas pela evolução ao longo do tempo e a sua história é tão antiga quanto a da própria biotecnologia.
Olá!
A jornada da Y. lipolytica começou com a afinidade e a adaptação gradual a ambientes ricos em óleo. Como o próprio nome diz, essa levedura possui uma habilidade especial de utilizar gorduras como alimento e de se proliferar com tranquilidade em ambientes ricos nestes compostos. A evolução de mecanismos celulares relacionados à assimilação deste tipo de alimento é responsável pela habilidade tão distinta. Assim como outras leveduras oleaginosas, Y. lipolytica armazena óleo dentro da célula, na forma de uma gota. Ela literalmente fica “gordinha”, quando enche o lipossomo de reservas de óleo.
Isto não acontece por acaso, nem porque a Y. lipolytica é sedentária. Este foi e continua sendo um importante mecanismo de resistência em ambientes adversos: o estoque intracelular de óleo representa uma fonte de energia para garantir sua persistência, mesmo quando o ambiente não lhe é dos mais propícios. Para fins de comparação, esta levedura pode atingir facilmente 50% do seu peso seco em óleo, enquanto Saccharomyces cerevisiae, uma levedura não-oleaginosa, acumula menos de 15%!
Fluorescência mostra que tudo em vermelho são lipídios polares (como a membrana da célula) e tudo em amarelo são gotas de óleo! Fonte: A autora
Assim como tudo o que há de belo e que chama a atenção na natureza, a habilidade de estocar óleo vem sendo bastante estudada. Este interessante mecanismo natural é empregado na biotecnologia de diversas formas.
A Yarrowia é um organismo classificado como GRAS (Generally Recognized as Safe), ou seja, não patogênica, conforme a FDA (Food & Drug Administration), uma organização americana de segurança. Isto facilita muito sua manipulação e aplicação em diversos processos.
Na área da pesquisa e desenvolvimento, é uma das leveduras oleaginosas mais estudadas, sendo uma espécie-modelo para engenharia metabólica dentro deste grupo. Estão disponíveis ferramentas de biologia molecular, biologia de sistemas, engenharia genética, transcriptômica e um rascunho do genoma sequenciado, além de ser também uma plataforma importante de produção de proteínas heterólogas. Isto significa que a Y. lipolytica serve como um modelo de estudo sobre o metabolismo de gorduras. Como é um organismo eucarioto, muitos estudos são também parte de projetos relacionados à saúde humana e obesidade.
Na indústria, Y. lipolytica é empregada na produção de diversos compostos, com os mais variados valores agregados. Iremos salientar aqui 3 principais áreas:
A área pioneira
Uma das primeiras aplicações data de 1950, quando a levedura foi empregada na produção de proteínas para formulação de rações animais, pela British Petroleum. A proteína se chama Toprina L. Assim, se evidencia também a aplicação da Y. lipolytica como uma importante plataforma de produção de proteínas.
A área de alimentos
Essa levedura é empregada na produção dos mais diversos aditivos, como: proteína para nutrição, alimentos probióticos e prebióticos, adoçantes (manitol e eritritol, você já deve ter ouvido falar) pela chinesa Baolingbao Biology, os lindos carotenoides para aplicação em corantes e estabilizantes alimentícios naturais. A lista é grande…
Yarrowia engenheirada para produção de carotenoides <3
A área da aplicação dos óleos
Por último, mas não menos importante, listamos todas as aplicações com origem na característica especial de levedura oleaginosa. O óleo da Y. lipolytica pode ter a sua composição modificada, dependendo da formulação do meio, das condições de cultivo ou de engenharia genética. Assim, pode ser obtida uma variedade de óleos, desde óleo com perfil similar ao de sementes oleaginosas (como a soja), aplicável na síntese de biodiesel, até óleos altamente insaturados, os “ômegas”, para suplementação da alimentação humana.
O valor de mercado pode variar entre $0,3/kg até $100/kg, dependendo do óleo. Também é lógico que, para se nutrir de gorduras, Y. lipolytica tenha uma produção diferenciada de lipase (enzima que quebra a gordura e auxilia na metabolização). A lipase é uma enzima bastante versátil, utiliza diversos substratos, o que permite sua aplicação na síntese de biodiesel, na biorremediação e até na produção de ésteres com função de aroma artificial para alimentos.
Como todo bom yeast lover, trabalhei com esta levedura em 2 etapas da vida de biotecnologista: durante a graduação (incluso trabalho de conclusão de curso), na produção de óleo cultivando a levedura sobre resíduos industriais de glicerina e lama de cervejaria, e em seguida sintetizei biodiesel a partir deste óleo. O amor foi tanto que, após formada, a Yarrowia apareceu na minha vida novamente. Trabalho com biotecnologia ambiental, então a remediação de áreas e águas contaminadas com hidrocarbonetos ou gorduras é um trabalho fácil para a Y. lipolytica.
É algo encantador perceber todas as maravilhas que a Yarrowia “lipolinda” proporciona para a biotecnologia. Ela não sai da minha vida. E espero que tenha chegado na sua para também nunca mais sair <3