Durante meu doutorado no Brasil, recebi uma bolsa para realizar um estágio no exterior e o laboratório escolhido para complementar meu aprendizado e meu projeto foi um dos laboratórios do Centro de Genômica Integrativa (CIG), na Universidade de Lausanne, na Suíça.
Se quiser saber mais sobre a relação entre Suíça e biotecnologia, leia este texto.
Nesse estágio, percebi que a cultura dos alunos e funcionários e do próprio centro de pesquisa e da universidade era diferente da que presenciei durante minha trajetória acadêmica em laboratórios no Brasil*. Esse “choque cultural” mudou o jeito que eu passei a encarar meu trabalho / pós-graduação e, por isso, gostaria de compartilhá-las com vocês!
1. Faça perguntas (ou não tenha vergonha de se mostrar inteligente)
No Brasil, parece que é mais legal ser o descolado da turma do que ser a pessoa que gosta de estudar e fazer perguntas ao professor. Ninguém gosta de ser tachado de “nerd” ou “CDF”, não é mesmo? Considero que não somos muito estimulados estudar e a participar das aulas. Quantas vezes não presenciamos aquele silêncio constrangedor quando o professor ou palestrante abre espaço para perguntas após a palestra?
Durante o estágio na Suíça, percebi exatamente o contrário! Os estudantes lá não tinham inibição para fazer perguntas durante seminários e palestras, e suas questões eram bem complexas e levavam a discussões muito interessantes com os palestrantes e o público. Fazer perguntas só trazia pontos positivos: abria oportunidades para discussões, novas colaborações e crescimento intelectual e profissional
Que tal erguer a mão da próxima vez e não ir mais com dúvidas para casa?
2. Apresentar seu trabalho não é o fim do mundo
Nos laboratórios em que trabalhei no Brasil e nos congressos que ajudei a organizar, pude perceber que quando nos era dada a oportunidade de subir no palco e apresentar nosso trabalho, muitos evitavam essa tarefa a qualquer custo (eu, inclusive). No instituto onde fiz estágio, os alunos aproveitavam as oportunidades que lhes eram oferecidas de apresentar seu trabalho para os membros do grupo, do instituto todo ou em simpósios. Era a oportunidade de se destacar, de mostrar a relevância do seu trabalho, ou de receber críticas e sugestões que poderiam ajudar a melhorar seu projeto.
Caso você tenha interesse em apresentar seu trabalho, fique de olho nos eventos realizados na sua universidade e em congressos da sua área. Muitos deles disponibilizam blocos na programação para apresentação de alunos, ou durante a inscrição da apresentação de pôster tem a opção de dizer se gostaria de ser selecionado para uma apresentação oral.
Se nos eventos da sua universidade não tem essa opção, que tal conversar com os organizadores para que eles abram espaço para os alunos praticarem suas habilidades de oratória?
3. Converse com pessoas de áreas diferentes, inclusive com os PIs.
Muitas vezes, ficamos inibidos de falar sobre nosso trabalho científico com pessoas de outras áreas, ou com os professores e pesquisadores líderes de grupos (os PIs, Principal Investigator, em inglês). Na Universidade de Lausanne, e especialmente no CIG, existiam diversas atividades sociais, como happy hours (‘apéros’, em francês) e festas em datas comemorativas, que permitiam que alunos e pesquisadores estivessem em um ambiente mais descontraído (com cerveja!) que proporcionasse a interação entre eles. Tudo era desculpa para um apéro: contratações de professores, saídas de funcionários, palestras com professores convidados… Inclusive era muito incentivado que os alunos interagissem com os palestrantes convidados, seja num lanche informal após a palestra, seja disponibilizando a agenda do palestrante para que os alunos marcassem uma reunião exclusiva com o especialista convidado.
No Brasil, a maioria dos congressos possuem em sua programação coquetéis ou jantares e almoços com todos os congressistas. Em vez de socializar apenas com seus colegas de grupo, que tal aproveitar para conversar com outras pessoas? É uma ótima oportunidade para estabelecer novas colaborações e até mesmo novas amizades! É o famoso Networking que já falamos no Profissão Biotec aqui e aqui.
Os congressos da Sociedade Brasileira de Genética e o de bioinformática X-meeting já tiveram em sua programação um horário “Jante com um Pesquisador”, para estimular a conversa entre alunos e PIs. Aproveite estas oportunidades!
4. Carreira acadêmica não é a única opção
Enquanto estava no CIG, minha caixa de e-mails era inundada com eventos sobre empreendedorismo (de cursos a competições para criação de start-ups) e feiras de carreira específicas para acadêmicos da área de ciências da vida. Nessas feiras, o aluno poderia ter seu CV avaliado, tirar fotos profissionais e conversar com pessoas que realizaram a transição academia-indústria e estavam disponíveis para dar dicas profissionais. Existia também na universidade a oportunidade do aluno de doutorado ou pós-doc se candidatar a um programa de mentoria de carreira.
No Brasil, a assessoria para pós-graduandos ainda está engatinhando e as feiras são normalmente voltadas para graduandos encontrarem estágio/trainees. Fique de olho nos eventos da AIESEC, das Empresas Juniores e das agências de inovação da sua universidade. Elas costumam compartilhar eventos e treinamentos mais focados para empreendedorismo e mercado de trabalho. Caso na sua universidade não tenham esses eventos, que tal você organizar? Convide pessoas que atuem fora da área acadêmica para compartilhar a trajetória profissional deles em palestras e eventos organizados por alunos.
Em relação a blogs, o Laboratório de Carreira publica vários materiais para auxiliar na transição da acadêmia para o mercado de trabalho e o Profissão Biotec divulga oportunidades e dicas de carreira para profissionais da área de biotecnologia. .
5. Alunos de pós-graduação são considerados funcionários
Embora para a sociedade os alunos de doutorado e pós-doutorado ainda fossem considerados estudantes, para a universidade eles eram considerados como funcionários: possuíam contratos com número de horas de trabalho determinado, direito a férias e contribuíam com a previdência social.
Bom, esse item não é um comportamento que individualmente somos capazes de mudar, mas… Seria interessante se no Brasil nós nos organizássemos e lutássemos por ter esses direitos também, não é mesmo?
E aí, que tal trazermos um pouco dessa “cultura gringa” para o nosso dia a dia brasileiro? Será que melhoraríamos nosso desenvolvimento pessoal e profissional? Queremos saber sua opinião nos comentários!
* Em relação às universidades e centros de pesquisa em que já tive oportunidade de fazer pesquisa no Brasil: a Universidade Federal de São Carlos e o Centro de Pesquisa em Energia e Materiais. Mas, segundo relatos informais de colegas, a situação é similar nas outras universidades e centros também.
Adorei seu texto, Natália. Vou partilhar suas ideias por onde lecionar e, além disso, gostaria de conhecer mais sobre sua área e descobrir como o Direito pode agregar a ela e colaborar para o desenvolvimento.
É um privilégio poder saber disso tudo e, especilamente, saber que o caminho escolhido de incentivar os alunos a falarem, perguntarem, simplesmente se manifestarem tem sido uma escolha certa ao longo da carreira de professor.