Recentemente eu fiz parte de uma mesa-redonda cujo tema era “O futuro da Biotecnologia”, no Congresso Biotecnologia Brasil. Depois de uma longa discussão sobre profissão, empregabilidade e tendências da área de Biotecnologia, a última pergunta feita foi: “Há algo que pessoas que não estejam associadas a nenhum movimento possam fazer para ajudar no crescimento da Biotecnologia no Brasil?”.
Essa pergunta vem me tirando o sono nos últimos dias. Pensando nisso, desenvolvo aqui 7 ideias de como qualquer profissional ou estudante da área pode contribuir ativamente para o crescimento da Biotecnologia no país, num contexto de uma sociedade digital, aberta e colaborativa.
1- Apoiar instituições e movimentos
A principal instituição de importância para a Biotecnologia é a universidade. É lá onde a maioria dos profissionais da área são capacitados e pesquisa científica e inovação são desenvolvidas. Defender a universidade e/ou financiamento público da ciência é muito importante.
Também existem muitas instituições públicas importantes para a Biotecnologia, como a Embrapa, Fiocruz, Instituto Butantan, Hemobrás, etc. Todas elas contribuem para o crescimento e geração de tecnologias em nichos específicos: a Embrapa é especializada no apoio à produção rural, a Fiocruz e Butantan no desenvolvimento de vacinas e terapias para saúde humana, a Hemobrás no processamento de plasma e produção de reagentes para o SUS. Segui-las nas redes sociais, acompanhar as novidades e divulgar suas conquistas é uma forma de fortalecer essas organizações.
Além das instituições formais, também existem diversos movimentos de divulgação científica, de produção de conteúdo técnico e/ou científico, fortalecimento da profissão, entre outros. A maior parte desses movimentos não tem fins lucrativos e você não precisa necessariamente ser um membro desses movimentos para apoiá-los: curtir, compartilhar, comentar e interagir com as redes sociais já é muito importante, pois ajuda na disseminação do conteúdo. Vou listar alguns movimentos legais que você pode apoiar (sugiram outros nos comentários!):
- Profissão Biotec (claro! hehe);
- UPVacina – movimento que atua no combate a desinformação sobre vacinas;
- Nunca vi 1 cientista, Descascando a Ciência, Instante Biotec e Mandakaru – canais de comunicação e divulgação científica;
- Rede de Pesquisadores – rede que conecta pesquisadores e promove webinars;
- Rede SulBiotec e Renorbio – redes regionais de fortalecimento da Biotecnologia;
- Parent in Science – movimento que promove discussões sobre a maternidade e seus impactos na carreira científica;
- Allbiotech/@allbiotech.brasil – comunidade de jovens líderes em Biotecnologia da América Latina;
- MBB, LiNA Biotec e ABRA Biotec – movimentos de fortalecimento da profissão de biotecnologia;
- Instituto Cientista Beta – ONG que visa estimular estudantes de ensino básico e médio na pesquisa científica.
2- Falar de ciência com amigos e família
Quem é da área sabe muito bem que não dá para fugir da pergunta “O que você faz/o que é Biotecnologia?”. Infelizmente, a Biotecnologia ainda não é conceito tão comum no dia a dia dos brasileiros. Portanto é fundamental que saibamos explicar de forma simples e fácil o que é Biotecnologia, porquê não devemos nos desesperar com o símbolo “T” (de transgênico) no rótulo do farinha de milho, o que é vacina e porquê ainda não temos uma para o coronavírus, etc.
É nosso papel como cientistas trazer conceitos sobre metodologia científica e compartilhar o conhecimento com nossos amigos, família e conhecidos. Isso pode ser feito até mesmo em lugares inesperados, como no uber, na academia, etc. Mas lembre-se: escutar a outra parte, dialogar de igual para igual, relacionar conceitos científicos com o dia a dia do outro, refletir e se questionar é muito importante. Afinal, o conhecimento não é uma via de mão única!
Uma prática legal é sempre que você for se apresentar (num curso, numa aula de yoga ou qualquer outro lugar) mencione que você faz/fez/trabalha com Biotecnologia. Isso faz com que o “personagem biotecnologista” se torne mais real e a palavra mais comum (e ainda pode ser pauta para conversa).
3- Acompanhar as Políticas Públicas da área
Sim, sabemos que a situação política do país não é lá das mais tranquilas e que a palavra “política” já causa ranço em muitas pessoas. No entanto, como profissionais de Biotecnologia e cidadãos, somos partes de uma sociedade regida por regras e leis que buscam assegurar nossos direitos e deveres. Devemos acompanhar, opinar, discutir e contribuir para garantir que o direito de desenvolver Ciência e Tecnologia (previsto pela Constituição) seja cumprido, e que sejam criadas regulamentações para estimular a área.
Mas como?
Juntei aqui uma lista de ideias de como acompanhar as Políticas Públicas da nossa área. Se você souber de alguma outra forma ou iniciativa interessante, indique nos comentários!
- Seguir as redes sociais do Senado Federal (@senadofederal) e do Câmara dos Deputados (@camaradeputados).
- Realizar o cadastro no site do Senado e Câmara e colocar “Acompanhar esta matéria” nos projetos de leis de seu interesse. Você será avisado por e-mail sempre que houver alguma movimentação daquele projeto em específico. Neste vídeo nós explicamos como realizar esse processo.
- Seguir as páginas e redes sociais dos órgãos municipais/estaduais de onde você mora.
- Acompanhar as notícias de órgãos e instituições específicas relacionadas à área que você atua, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), etc.
- Integrar grupos de discussão em tópicos de interesse. Um exemplo é o fórum organizado em maio deste ano para discutir a criação de um “Knowledge Hub” em Bioeconomia, que é um dos eixos do projeto Oportunidades e Desafios da Bioeconomia (ODBio) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Que tal participar dessas discussões?
4- Conectar pessoas e oportunidades
Descobriu um edital aberto que pode ser útil para seu colega do laboratório do lado? Uma vaga de emprego com o perfil de um conhecido? Um concurso na área que seu amigo desenvolve um projeto? Envie esse link para ele(a)!
Este é um hábito muito interessante e que provavelmente causa um impacto positivo não só para a pessoa (que talvez não soubesse da oportunidade) mas também para a área como um todo, afinal de contas, essas propostas querem atingir um perfil específico e esse direcionamento ajuda muito.
Portanto, toda vez que vir uma oportunidade, não julgue apenas se ela é interessante ou não para você. Pense no círculo ao ser redor: será que alguém que eu conheço se interessa por isso? Que tal divulgar naquele grupo de Whatsapp dos colegas de faculdade? Essa é uma forma de construir canais de comunicação mais abertos e colaborativos.
Temos algumas histórias legais do Profissão Biotec. Toda segunda-feira, nós publicamos oportunidades profissionais na área de Biotecnologia, como uma forma de divulgar e facilitar o acesso às oportunidades. Certo dia, recebemos a seguinte mensagem no Facebook:
E a gente, como fica?
5- Desenhar projetos de pesquisa pensando em inovação
Recentemente eu fiz o curso de Gestão da Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um dos palestrantes trabalhava no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Em sua palestra, ele relatou uma experiência na qual ele assessorou estudantes de pós-graduação sobre Propriedade Intelectual relacionada a seus projetos. O resultado, no entanto, foi decepcionante pois muitos dos projetos já estavam contemplados em patentes e não eram inovadores.
Ou seja: quando estiver desenhando um projeto de pesquisa, é muito importante fazer uma busca em repositório de patentes para garantir que não você não vai reinventar a roda e também para entender o grau de “maturidade” da tecnologia, quais são as organizações que atuam na área e identificar oportunidades de inovação. Apenas pesquisar artigos científicos não basta!
Outra ideia sugerida nesta mesma aula era buscar por patentes que não fossem protegidas no Brasil e tentar reproduzi-las aqui. Ok, é uma opção muito menos legal do que desenvolver uma tecnologia do zero, mas também é muito mais segura e assertiva, especialmente quando pensamos em criar um novo negócio.
Acho que a mensagem principal é que não dá para ignorar a Propriedade Intelectual em projetos de pesquisa inovadores, é necessário entender todos os aspectos tecnológicos relacionados ao projeto que você trabalha.
6- Compartilhar ideias
Teve uma ideia de negócio mas não pretende desenvolvê-la, seja por desinteresse na área, pouco know-how ou falta de tempo? Que tal compartilhar essa ideia com outras pessoas que estejam dispostas a investir na tecnologia e/ou criar um modelo de negócio? Afinal de contas, é melhor que a ideia seja desenvolvida por um colega brasileiro do que uma multinacional gringa, não é mesmo?
Vou compartilhar uma ideia que tive recentemente quando estava pesquisando sobre produção de cerveja: sabe aquele CO2 liberado nos tanques de fermentação? Além de ser contribuir para o efeito estufa, podemos dizer que é um “carbono perdido” pois o açúcar do malte está sendo convertido em gás e não em produto final. Tem empresas (majoritariamente estrangeiras) que já estão desenvolvendo estratégias para capturar e dar utilidade ao CO2, seja na carbonatação de bebidas, produção de biomassa de algas (que serve para alimentação humana e/ou animal) ou até mesmo sistemas de captura de carbono. Olha aí uma #ideiadebiotec para desenvolvimento de tecnologia ou até mesmo de um novo negócio!
7- Relembrar porquê você escolheu a Biotecnologia
Normalmente as pessoas escolhem (ou persistem) na área de Biotecnologia por amor à ciência ou pelo desejo de gerar um impacto positivo no mundo. Afinal de contas, é um curso novo, de nome “estranho”, com mercado de trabalho ainda indefinido, mas que tem um grande potencial tecnológico e que certamente ajudará a moldar o futuro. Portanto, convido você a relembrar os motivos que o levaram a escolher uma carreira em Biotecnologia e a se reconectar com eles.
Quando o desânimo bater, tente lembrar do seu propósito e busque formas de atuar para criar uma trajetória que lhe permita atingi-los. Pode ser através do seu emprego formal, de empreendedorismo, de voluntariado, de organização de eventos, de projetos educativos, etc. Saber o porquê você escolheu este caminho ajuda a manter a motivação para seguir em frente e gerar impacto real na sociedade. Parece um pouco sonhador, mas funciona! 🙂
Esse é um compilado de ideias minhas (com revisão dos meus colegas do Profissão Biotec) de ações positivas para o desenvolvimento da Biotecnologia no Brasil e, principalmente, de formas para que todo mundo possa ser um agente de transformação. Eu não gosto de pensar que “as coisas são assim e ponto”, pois a sociedade, a política e as instituições são construídas e compostas por e para pessoas. Se todo mundo agir colaborativamente para fortalecer e impulsionar a nossa área, tenho certeza que estaremos no caminho certo para promover o Brasil a um país líder em (bio)tecnologia.
Bora colocar essas ideias em prática?