Nos últimos anos, muitos consumidores vêm mudando seus hábitos alimentares e, por diferentes razões, estão optando por reduzir ou eliminar o consumo de alimentos de origem animal. E umas das opções que está ganhando espaço no mercado é a carne vegetal. Pensando nisso, o Profissão Biotec mostra a importância da biotecnologia para o desenvolvimento desse produto e os impactos positivos na economia e meio ambiente. Vamos conferir?
Carne vegetal, o que é isso?
Apesar do Brasil liderar a produção de carne bovina, com exportação recorde em 2019, a busca por outras opções de alimentação vem crescendo. Neste contexto a carne vegetal aparece como uma alternativa para aqueles que, por diferentes motivos, querem reduzir ou deixar de consumir produtos de origem animal.
A carne vegetal nada mais é do que um produto de origem vegetal, feito a base de proteínas de grão de bico, ervilha e soja, que imita a carne bovina na aparência, textura e sabor. É considerada uma opção nutritiva, que atua como fonte de proteínas e não contém colesterol, além de ser uma alternativa mais sustentável pois não requer utilização animal, gerando economia de água (de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária- Embrapa – para produção de 1kg de carne bovina são necessários 15,5 mil litros de água).
Por que escolher a carne vegetal?
Diversos são os motivos que fazem alguém optar pelo de consumo carne vegetal. Entre eles, podemos destacar:
- Estilo de vida mais saudável, com redução do consumo de gorduras saturadas;
- Preocupação com meio ambiente, uma vez que a produção agropecuária é uma das principais causas de desmatamento, consumo de água e emissão de gases de efeito estufa;
- Estilo vegetariano/ vegano que optam por produtos cruelty-free (nome dado a produtos ou atividades que não são testados ou causem sofrimento em animais);
- Questões religiosas, que podem impulsionar as buscas por opções que substituam a carne animal.
Segundo o Ibope, 14% da população brasileira declara-se vegetariana e nas regiões metropolitanas (São Paulo, Curitiba, Recife e Rio de Janeiro) esse número sobe para 16%, o que corresponde a 30 milhões de brasileiros. Além disso, de acordo com a pesquisa Estilos de Vida 2019, da Nielsen, 73% dos consumidores brasileiros entrevistados afirmaram estar dispostos a pagar mais caro por marcas que pensam no meio ambiente. Os resultados dessas pesquisas demonstram que a carne vegetal tem um mercado promissor no Brasil!
Atentos a essa mudança de hábitos da população, as empresas passaram a investir em tecnologias para elaborar opções de plant-based meat (carne feita de plantas) e tornar essa carne vegetal mais saborosa e atrativa para os consumidores ainda interessados no sabor da carne. E, nesse contexto, a biotecnologia tem grande contribuição.
Carne vegetal made in Brazil
Em maio de 2019, foi colocado no mercado brasileiro o primeiro hambúrguer vegetal que promete ter a aparência e o gosto de carne bovina. O produto a base de proteína isolada de soja, de grão-de bico e de ervilha, possui cor avermelhada por suco de beterraba. E segundo Marcos Leta, dono da foodtech (tecnologias de alimentos inovadores) Fazenda Futuro, a carne vegetal tem sabor, textura e aroma idênticos ao da carne vermelha, e um valor nutricional similar.
Nosso mercado é inclusivo… tanto para o carnívoro que quer diminuir o consumo de carne, por questões de colesterol, quanto para vegano ou vegetariano, que abdicou por questões de ética animal, de desmatamento. Enquanto um campo de futebol de boi alimenta uma pessoa por ano, o mesmo espaço com produção de vegetais alimenta 14 pessoas no período.”
Marcos Leta, da Fazenda do Futuro
A Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, também desenvolveu um hambúrguer vegetal à base de proteína texturizada de soja e fibra de caju. “O projeto está sendo feito em parceria com uma empresa para obter uma formulação que se assemelhe sensorialmente ao hambúrguer bovino” destaca Janice Ribeiro Lima pesquisadora da empresa.
Outras marcas brasileiras também já se mobilizam para entrar nesse mercado. A Marfrig, uma das maiores fornecedoras brasileiras de carne bovina anunciou uma parceria com uma empresa norte americana para produção e comercialização de hambúrgueres vegetais no Brasil enquanto a JBS, principal produtora mundial de proteína animal, lançou o Incrível Burger, feito à base de soja e beterraba.
Biotecnologia na produção da carne vegetal
A startup norte-americana Impossible Foods elaborou uma carne vegetal cuja cor avermelhada não vem da beterraba e sim de uma proteína semelhante à hemoglobina.
Foi identificado um componente da hemoglobina que é responsável pela cor vermelha da carne crua e pelo cheiro exalado durante o cozimento. Os cientistas da empresa descobriram que em raízes de plantas leguminosas também havia uma proteína, chamada leg-hemoglobina, que possui estrutura e função muito semelhante à hemoglobina.
Por meio de técnicas de engenharia genética, os cientistas modificaram a Pichia pastoris (um tipo de levedura) para que ela produzisse leg-hemoglobina de soja e a cultivaram em fermentadores, multiplicando a proteína de interesse. Com isso a empresa obteve, em larga escala, o componente que dá a carne vegetal a cor e o aroma da carne vermelha, além de enriquecê-la com ferro.
A empresa francesa Louis Dreyfus Company também utiliza processos biotecnológicos, como a fermentação e a engenharia de alimentos vegetais para produzir alternativas que substituirão produtos à base de origem animal. “Queremos prover soluções para o aumento da oferta de proteínas de uma maneira sustentável. Nesse sentido, opções de proteína alternativa são fundamentais”, ressalta Kristen Weldon, diretora de Inovação de Alimentos da Louis Dreyfus Company.
“Carne de laboratório”: outra alternativa que utiliza a biotecnologia
Além da carne vegetal, produzida exclusivamente a partir de produtos vegetais, o mercado também aposta nas carnes de laboratório ou carnes sintéticas (cell-based meat ou carne feita de células). Esse produto é obtido a partir de células animais; porém, sem o sacrifício animal. A primeira carne sintética foi desenvolvida pela Universidade de Maastricht, na Holanda, pelo professor de fisiologia Mark Post.
Nessa técnica, é realizada a extração de células-tronco de um fragmento de tecido muscular do animal (coletado por meio de biópsia). Em seguida, as células indiferenciadas se multiplicam em meio de cultura específico, gerando milhares de células. Com auxílio de um biorreator (aparelho similar ao utilizado na fermentação de leveduras) é realizada a produção em larga escala. As células musculares aglutinam-se formando filamentos de tecido muscular e, algumas semanas depois, podem ser processados como carne moída.
Atualmente diversas empresas, como a israelense Aleph Farms, e startups, como a brasileira Biomimetic Solutions, estão desenvolvendo tecnologias para aprimorar as pesquisas e a produção de carne in vitro.
Custos e investimentos
Embora o custo de produção dessas novas opções de carnes ainda seja alto, devido às tecnologias empregadas na sua produção, o potencial produtivo é muito promissor. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, com o cultivo de 6,2 mil células-tronco seria possível produzir um volume correspondente ao consumo mundial de carne bovina.
Nos Estados Unidos, os “hambúrgueres feito de plantas” já são um sucesso de vendas. Entre março de 2016 e março de 2019, as vendas aumentaram 42%, enquanto as vendas de carne animal cresceram apenas 1%. Segundo a empresa de análises Grand View Research, a estimativa é que esse mercado movimente até US$ 5,8 bilhões em 2022. As ações das grandes empresas desse mercado, como a Beyond Meat, tem recebido investimentos de famosos, como cofundador da Microsoft Bill Gates e o ator Leonardo DiCaprio.
A carne vegetal é segura?
Um dos grandes desafios na comercialização da carne vegetal é a comprovação da segurança e qualidade do produto. As empresas precisarão identificar para o consumidor as substâncias empregadas na fabricação dos produtos e comprovar a segurança alimentar e a qualidade nutricional dos mesmos.
Além disso, estudos sobre o impacto ambiental desses novos produtos ainda estão em andamento. Por enquanto, um dos estudos mais recentes, realizado pela Universidade de Michigan (Estados Unidos), comprovou que comparado com a carne vermelha, a produção da carne vegetal consome 99% menos água, utiliza 46% menos energia e reduz em 90% a emissão de gases que causam o efeito estufa.
O público alvo desses produtos pode ser composto pelos vegetarianos (aqueles que não consomem carne), veganos (aqueles que não consomem qualquer produto de origem animal), flexitarianos (pessoas que seguem a dieta vegetariana, mas que ocasionalmente consomem carne) ou simplesmente aqueles que buscam consumir produtos que estejam alinhados com o que eles buscam ou acreditam.
Polêmicas à parte, existem aqueles que não trocam a carne animal por nada ou não gostam do sabor da carne vegetal, mas também aqueles dispostos a experimentar novas possibilidades. Seja qual for o seu perfil, certamente você será beneficiado por algum avanço biotecnológico nas suas futuras refeições. E você, o que achou dessa novidade? Já experimentou algum desses produtos? Conta pra gente!
Referências:
A carne do futuro poderá ser 100% carne e 0% animal. Servido? Por Vanessa Barbosa. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/ciencia/futuro-podera-ser-livre-de-carne-como-a-conhecemos-servido/>. Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
A preservação da biodiversidade, a terceira via sustentável ecológica e economicamente para salvar a Amazônia. Por Ricardo Machado. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/567402-a-preservacao-da-biodiversidade-a-terceira-via-sustentavel-ecologica-e-economicamente-para-salvar-a-amazonia Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Aqui não tem carne. Por Fabio Moitinho. Disponível em: https://www.dinheirorural.com.br/aqui-nao-tem-carne/ Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Bife de laboratório. Por Suzel Tunes. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2019/06/03/bife-de-laboratorio/ Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Brasil deve ter exportação recorde de carne bovina em 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/brasil-deve-ter-exportacao-recorde-de-carne-bovina-em-2019/ Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Brasileiros buscam produtos mais saudáveis, aponta estudo. Por Renato Pezzotti. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/08/27/brasileiros-buscam-produtos-mais-saudaveis-aponta-pesquisa.htm Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Carnes de laboratório são alento para os que lutam pelo direito dos animais à vida. Por Cida de Oliveira. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2019/04/carnes-de-laboratorio-sao-alento-para-quem-luta-pelo-direito-dos-animais-a-vida/ Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Carne vegetal é a nova tendência do mercado para o futuro.Agência O Globo. Disponível em:https://epocanegocios.globo.com/Mercado/noticia/2019/08/carne-vegetal-e-nova-tendencia-do-mercado-para-o-futuro.html Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Corrida pelo hambúrguer vegetal usa biotecnologia em busca da imitação perfeita. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/08/startups-impulsionam-producao-de-hamburguer-vegetal.shtml Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
Empresário quer salvar o mundo com hambúrguer vegano que sangra. Disponível em:https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/05/empresario-quer-salvar-o-mundo-com-hamburguer-vegano-que-sangra.shtml Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
La ganadería deberá adaptarse a la demanda vegana. Disponível em: https://www.bioeconomia.info/2019/04/20/la-ganaderia-debera-adaptarse-a-la-demanda-vegana/ Acesso em 26 de fevereiro de 2020.
O sucesso da ‘carne vegana’, que movimenta mercado alimentício e ganha investimentos de celebridades. BBC News-Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-48373738. Acesso em 26 de fevereiro de 2020.