Em meio à pandemia da COVID-19, sempre que o assunto é tratamento ou vacina, ouvimos por diversas vezes a expressão “testes clínicos”. Mas o que são testes clínicos? Por que eles são tão importantes na pesquisa? Por que eles demoram tanto? Neste texto, o Profissão Biotec responde a essas dúvidas muito comuns e mostra que esses testes são fundamentais para o sucesso dos diagnósticos e tratamentos de uma doença.
O que são testes (ou ensaios) clínicos?
O objetivo dos ensaios clínicos é validar o novo medicamento como eficiente e seguro. Para isso, uma série de procedimentos de investigação são realizados para comprovar a segurança (informações sobre os efeitos adversos) e eficácia do medicamento em questão, garantindo a segurança do paciente. Ou seja, testes (ou ensaios) clínicos são estudos realizados com humanos e servem para comprovar se um medicamento funciona de forma segura e eficaz.
Os testes clínicos avaliam os efeitos farmacológicos e adversos do medicamento, bem como ele é absorvido, metabolizado e excretado pelo organismo humano. Eles são a última etapa em um longo processo de uma pesquisa sobre um medicamento, como exemplificamos na figura abaixo.
É importante ressaltar que ao longo do texto iremos nos referir aos testes clínicos de medicamentos mas todas as informações descritas também são aplicadas em pesquisas com vacinas, diagnósticos e outros tratamentos utilizados na área da saúde, certo? Conheceremos a seguir os diferentes tipos de testes clínicos.
Tipos de testes (ou ensaios) clínicos
O tipo de teste clínico depende da pergunta que está sendo feita na pesquisa.
- Ensaios preventivos: estudam as maneiras de impedir a ocorrência de uma doença ou sua complicação;
- Ensaios de triagem: estudam maneiras de detectar a doença em um estágio precoce, o que facilitaria seu tratamento;
- Ensaios de diagnóstico: buscam opções melhores e menos invasivas de diagnosticar uma doença;
- Ensaios de tratamento: estudam medicamentos e procedimentos que sejam mais eficientes e com reduzidos efeitos colaterais;
- Ensaios de qualidade de vida: estudam maneiras de prestar assistência de suporte às pessoas com determinada doença.
Fases dos testes (ou ensaios) clínicos
Cada teste clínico também é dividido em fases. Vamos entender a importância de cada uma delas?
Ensaios de Fase 1: São os primeiros a serem realizados em humanos e utilizam um pequeno número (10 – 30) de participantes saudáveis ou, em alguns casos, em pacientes com alguma doença grave (como câncer e AIDS). O principal objetivo dessa fase é verificar se o medicamento é seguro. Se o medicamento for considerado seguro, ele seguirá para Fase 2. Também podem ser obtidas informações sobre o perfil farmacocinético e farmacodinâmico do medicamento.
Ensaios de Fase 2: São as análises que verificam se o medicamento é eficaz, realizadas em um número limitado de doentes (entre 25 e 100).
Os pacientes escolhidos para participar desta etapa fazem parte de uma população relativamente homogênea (sem muitas variações de idade e sexo, por exemplo), porque, neste momento, o objetivo principal é avaliar se o medicamento funciona, não avaliando a interferência de outros fatores (como idade e sexo do paciente). Nesta etapa é possível avaliar também o regime terapêutico do tratamento (qual será a dose e a frequência de administração do novo medicamento) e obter informações mais detalhadas sobre a segurança (toxicidade).
Ensaios de Fase 3: Se ficar comprovado que o medicamento é seguro e eficaz, iniciam-se as análises da Fase 3, que são um estudo randomizado realizadas em um número ainda maior de pacientes (entre 100-1000).
Nesse momento é avaliado se o novo medicamento faz o efeito esperado em diferentes grupos de pacientes (crianças, jovens, adultos e idosos; homens e mulheres; gestantes e lactantes; entre outros). Nesta etapa será verificado se esse medicamento é mais eficiente e se possui menos efeitos colaterais do que os medicamentos padrão (já disponíveis para a população) e/ou placebo (substância sem efeito farmacológico). Nessa fase, os pesquisadores também ficam de olho no aparecimento de eventos adversos.
Os ensaios de Fase 1, 2 e 3 são fundamentais para que o novo medicamento seja aprovado pelas autoridades competentes.
Ensaios de Fase 4: Geralmente, logo após a conclusão da Fase 3, o medicamento recebe aprovação dos órgãos competentes para ser comercializado. Portanto, na Fase 4 o objetivo é aprofundar os conhecimentos sobre a utilização do medicamento:
- Detecção de possíveis reações adversas ainda não identificadas nas fases anteriores;
- Avaliação de dose-resposta (qual a melhor dose para a resposta esperada?);
- Avaliação das interações medicamentosas (O medicamento pode ser administrado juntamente com outros medicamentos?);
Nos estudos da Fase 4, um número maior de pacientes é acompanhado por um longo período, permitindo que os cientistas avaliem os riscos e benefícios do medicamento em longo prazo.
Por que é preciso testar um medicamento em tantas pessoas?
Os testes clínicos precisam ser realizados em um grande número de voluntários para que seja avaliado como as diferenças de sexo, idade e presença de doenças pré-existentes interferem no efeito final do medicamento estudado. Um jovem e um idoso podem receber a mesma dose do medicamento? Doenças como diabetes e hipertensão influenciam no efeito do medicamento? Mulheres grávidas podem utilizar o medicamento sem riscos? Essas são algumas das perguntas que podem ser respondidas ao final dos testes clínicos.
Por que é importante participar de testes (ou ensaios) clínicos?
Ao participar de um teste clínico o voluntário tem a oportunidade de receber um tratamento inédito, ainda não disponível no mercado, recebendo todo o suporte e monitoramento médico necessário para a sua segurança. Além disso, estará contribuindo para a elaboração de um novo medicamento que, no futuro, trará benefícios para a saúde de milhares de pessoas. Ao realizarem esses estudos, as grandes empresas científicas também geram empregos e serviços, beneficiando a economia local.
No Brasil, o indivíduo só pode participar de testes clínicos como voluntário, sendo proibida qualquer remuneração ou a participação em diferentes testes ao mesmo tempo. Todas as pesquisas são submetidas a regras internacionais com aprovação pelos órgãos éticos e regulatórios brasileiros. É importante ressaltar que cada país possui uma legislação que regulamenta a participação e a aprovação dos testes clínicos.
Um medicamento para a COVID-19 também vai demorar tanto assim?
Quando um medicamento é novo, ele precisa passar por diferentes fases de análises, e nesse caso, os testes clínicos demoram em média de 10 a 15 anos. É muito tempo? Sim! Mas é um tempo necessário para que a eficácia e segurança do tratamento sejam avaliadas, afinal o médico pretende curar o paciente e não agravar a sua situação!
Mas, no caso de uma pandemia como a COVID-19, o que os cientistas fazem para tentar acelerar esse processo é um reposicionamento de fármacos. Ou seja, eles avaliam se um medicamento que é usado para outra doença (comprovadamente seguro pois já passou por testes pré-clínicos e clínicos) poderia ser eficaz para tratar a COVID-19.
É o caso da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos utilizados para tratamento do lúpus (doença autoimune), que foram testados para a COVID-19. Contudo, os resultados de algumas pesquisas indicaram que cloroquina e hidroxicloroquina não são seguras para pacientes com o coronavírus e por isso, até o momento, entidades como a Sociedade Brasileira de Imunologia e a Sociedade Brasileira de Cardiologia ainda não recomendam o uso dessas drogas, reforçando que novos testes clínicos precisam ser realizados para comprovação dos seus benefícios no tratamento da COVID-19.
Os cientistas precisam de tempo para avaliar de forma criteriosa e adequada o tratamento em questão, e assim garantir a segurança dos futuros pacientes. E é por isso que os testes de reposicionamento de fármacos para tratar a COVID-19 continuam com a cloroquina, hidroxicloroquina e outras moléculas. Leia mais sobre as pesquisas de tratamento de COVID-19 neste texto.
Agora, sempre que você ouvir alguém reclamando sobre a demora para a liberação de um tratamento, compartilhe o link desse texto e contribua para o trabalho dos cientistas!