Em 1997, quando a clonagem da ovelha Dolly foi anunciada, o mundo foi apresentado a uma nova tecnologia. Podemos afirmar que era uma tecnologia nova para a mídia, uma vez que a clonagem de animais já era realizada há décadas. Clonar um mamífero como a Dolly, entretanto, certamente foi um marco. Mas… como se clona um animal? Em linhas gerais, o material genético de uma célula do corpo do animal a ser clonado (o ‘projeto’ do organismo) é transferido para uma célula receptora, esvaziada de seu conteúdo genético. Em outras palavras, o núcleo de uma célula qualquer do corpo do animal é transferido para um óvulo cujo núcleo foi removido. O processo lembra a formação de um embrião “natural” e parece supersimples, mas como podemos perceber pela rara observação de clones animais no dia-a-dia, este não é o caso. Mas também não é de extrema raridade: a técnica de clonagem já permite a obtenção de “cópias” do animal de interesse, como vacas leiteiras premiadas, cavalos de corrida e cães de estimação falecidos. Nesse ponto, da dita ressurreição de organismos mortos, é que surge uma nova área da biotecnologia: a desextinção.

O nome parece autoexplicativo. A desextinção consiste em reverter a extinção de algum organismo, especialmente animais. Existem três métodos atualmente empregados para isso: a seleção artificial, a engenharia reversa e a clonagem. No primeiro caso, animais similares ao animal extinto são cruzados e selecionados para obtenção de caracteres de interesse que sejam representativos do animal extinto. O método não difere da seleção de animais de interesse pecuário, como frangos e porcos. O exemplo de maior sucesso da aplicação deste método é o Projeto Quagga. Os quaggas eram uma espécie de zebra avermelhada, parcialmente listrada, que vivia em ambientes semi-desérticos da África. Cruzando por décadas as zebras mais aparentadas com a espécie extinta, o projeto está próximo de obter filhotes que sejam idênticos aos quaggas originais.

Quagga (Equus quagga quagga), reconstrução artística (Fonte: http://breedingback.blogspot.com.br/2013/11/another-quagga-reconstruction.html)

Na engenharia reversa (ou evolução reversa ou paleogenética), o material genético dos animais atuais é manipulado diretamente, visando reativar genes que estão inativos nos animais atuais. O caso de maior interesse nesta área é a engenharia reversa de aves atuais para obtenção de animais similares a dinossauros. Como as aves atuais são descendentes de pequenos dinossauros carnívoros, em teoria, seria possível obter aves com garras nas asas e com dentes e focinhos no lugar de bicos. E isso é realmente o que tem ocorrido. Por motivos éticos, nenhum dos embriões gerados por engenharia reversa se desenvolveu até a eclosão dos ovos, mas já foram obtidos pintos de galinha doméstica com cauda e com dentes. Reativar genes é muito diferente do processo usado para ressuscitar dinossauros na série de filmes “Parque dos Dinossauros”. Nestes filmes, os animais são obtidos por clonagem.

Um “galinhossauro”, representação artística (Fonte: http://www.eartharchives.org/articles/chickens-grow-dinosaur-legs-in-new-experiment/)

Na clonagem de animais extintos, existem dois principais obstáculos: a obtenção de material genético de um animal que não existe mais e a seleção da célula receptora, que na verdade é a seleção de uma mãe substituta (seja o ovo de um animal existente ou uma “barriga de aluguel”). Nos filmes, o material genético dos dinossauros é obtido do núcleo de células do sangue de dinossauro preservado dentro do estômago de mosquitos que foram aprisionados em resina de árvores fossilizadas. O enredo parece forçado? É por que é mesmo. Nesse cenário, o problema principal é a estabilidade da informação genética: o DNA intacto mais antigo já registrado tem aproximadamente 5 milhões de anos. É bastante, mas nem perto dos (pelo menos) 65 milhões de anos de estabilidade necessários para se clonar um dinossauro. Felizmente, a clonagem de animais extintos não desanima por não poder apresentar um dinossauro. Animais mais recentes estão muito, muito próximos de serem desextintos. Os projetos mais avançados são a clonagem do tilacino (ou tigre-da-Tasmânia) e a do mamute. O tilacino era um marsupial predador do tamanho de uma raposa, extinto no início do século XX por caça excessiva (devido aos “tigres” atacarem as ovelhas dos colonizadores australianos). Usando material genético de um feto de tilacino preservado em álcool (um bom conservante para o DNA) e óvulos de diabo-da-Tasmânia (um parente próximo), o projeto pretende obter o primeiro animal saudável em, no máximo, dez anos. A clonagem de um mamute, por sua vez, é provavelmente a empreitada de clonagem mais noticiada da atualidade. Grupos independentes da Coréia do Sul, do Japão e da Rússia, usando material genético de um filhote congelado de mamute e usando elefantes-asiáticos como mães, têm diferentes expectativas para obter o primeiro animal vivo. O primeiro mamute pode ser apresentado em 2 a 5 anos, para os grupos otimistas e em até 50 anos para os mais realistas.

“Pleistocene Park”, representação artística (Fonte: http://phenomena.nationalgeographic.com/files/2013/03/pleistocene-park.jpg)

Já sabemos como ressuscitar um animal extinto, e que esse animal dificilmente será um dinossauro, mas qual a utilidade disso? O conhecimento em si é uma possibilidade, mas qual a aplicação biotecnológica? Grupos mais extremos defendem que animais que não existem e passam a existir se tornam propriedade de quem os trouxe de volta. Em outras palavras, seriam animais sem direitos. Sua aplicação imediata seria como cobaias que não podem ser questionadas por manifestantes. Outras aplicações seriam como animais de estimação. Um “dinossauro” gerado por modificação de embriões de galinha poderia ser um pet de sucesso. O conceito de um safári ou zoológico de animais extintos, como um “Jurassic Park”, é uma aplicação prevista (já existe um projeto para uma reserva de animais da Idade do Gelo na Rússia). Podemos aprender sobre a causa das extinções mais misteriosas, ou estudar a fisiologia real desses animais. Como podemos perceber, a maioria das aplicações biotecnológicas de animais trazidos de volta à vida envolvem, de alguma forma, o entretenimento humano. Sua utilização mais óbvia, entretanto, permanece a mais problemática. Tendo obtido um indivíduo vivo de uma espécie extinta, a ação imediata seria reintroduzi-lo no ambiente do qual foi eliminado (especialmente nos casos de extinção causada por humanos). Talvez mais do que o uso desses organismos como cobaias, a recolocação dos animais no planeta desperta questões éticas profundas: Devemos fazer isso? Podemos fazer isso? Causaríamos mais danos ou mais benefícios tentando consertar esses erros dos nossos antepassados?

E, acima de todas essas questões: quando chegaremos no Jurassic Park?

Não tão cedo, infelizmente. E não com dinossauros reais. Mas lá as galinhas terão dentes.

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