Gosta de queijos? Então venha conhecer um pouco desse universo povoado por vários micro-organismos que, a todo momento, modificam tudo ao seu redor!
queijo

A história do queijo é daquelas misteriosas: apesar de ser um alimento praticamente tão antigo quanto a civilização, não se sabe exatamente quando nem como ele surgiu. Porém, é quase certo que sua invenção não foi exatamente intencional, mas um “presente” que a natureza nos deu. 

A ascensão da agropecuária levou à domesticação de cabras e ovelhas para a obtenção de carne, leite e peles. O leite fresco, ao ser deixado em temperatura ambiente por horas e horas, azedava devido à coagulação das proteínas pelo ácido lático produzido como resultado da proliferação das bactérias ali presentes.

Certa vez, os fazendeiros da antiguidade experimentaram um dos “blocos” de proteínas, e perceberam que o sabor era agradável. Os nutrientes eram mais concentrados em relação ao leite cru – o que fornecia maior sustento –, continham menores teores de lactose, açúcar que pode gerar desconfortos intestinais, e podiam ser armazenados por longos períodos,  fator importante em épocas de inverno e secas intensas. Todos esses fatores contribuíram para que o queijo fosse definitivamente incorporado à alimentação. 

Era o início da história dos queijos.

Fragmentos de cerâmica que datam de 6.000 a.C. Por meio de espectrometria de massa, foi possível detectar resíduos de ácidos graxos consistentes com a fabricação de queijo. Os furos na cerâmica provavelmente eram usados para coar a coalhada do soro de leite. Fonte: C&En.

Eventualmente, outras etapas de produção foram sendo acrescentadas, como a prensagem para a eliminação mais intensa do soro formado, a salga e a maturação. As diferentes matérias-primas utilizadas e as formas de processamento deram origem a uma incontável variedade de queijos, e pelo fim da Era do Bronze esse produto já era uma importante mercadoria no comércio de todo o leste Mediterrâneo.

Este resumo do TED-Ed sobre a história do queijo é super interessante! Legendas em português estão disponíveis.

Diferentes processos de fabricação, muitos tipos de produtos finais

Uma das classificações mais básicas para dividir os vários tipos de queijos existentes é quanto ao seu estado de maturação. Os queijos frescos são aqueles que não passam por nenhum tipo de maturação: para a sua produção, basta adicionar o agente de coagulação – geralmente uma enzima como a renina –, retirar o soro formado, adicionar sal na massa e voilà – o queijo está pronto para o consumo. São exemplos de queijos frescos o minas frescal, a ricota e o queijo coalho.

O queijo minas frescal é branquinho e geralmente menos calórico do que os queijos mais amarelos porque o teor de água ainda é bastante elevado. Fonte: Food Safety Brazil.

Já os queijos maturados são aqueles que, após uma etapa de prensagem mais intensa para melhor remoção do soro, são colocados em câmaras com temperatura e umidade controladas, por um certo período de tempo, para que as mudanças bioquímicas que irão alterar as suas características sensoriais aconteçam. Dentre os vários tipos de queijos maturados, temos o parmesão, o provolone e o camembert.

A quantidade de leite para a produção de 1 kg de um queijo maturado é muito elevada, pois o processo de prensagem para remoção de soro é mais intenso. Isto, associado ao longo tempo de maturação (que pode chegar a anos), o custo das matérias-primas e do controle das câmaras de maturação explicam o custo elevado destes produtos. Fonte: PublicDomainPictures/Pixabay.

Para a produção dos queijos maturados são utilizadas culturas láticas (cultura starter) que, além de promover a coagulação das proteínas para a formação da massa do queijo, serão responsáveis pela produção de uma série de metabólitos como proteases, lipases e ácidos orgânicos, que alteram o sabor, o aroma e a textura dos queijos durante o processo de maturação. De maneira alternativa, os micro-organismos naturalmente presentes no leite cru também podem ser utilizados para iniciar a fermentação. Nós já falamos um pouco sobre as enzimas e os micro-organismos utilizados na fabricação de queijos aqui.

Um sistema vivo e em constante evolução

A maturação dos queijos pode ser definida como um conjunto de reações bioquímicas e microbiológicas que modificam a sua composição química. A cultura starter ou os micro-organismos presentes no leite continuarão agindo durante todo o tempo de cura nas moléculas que compõe o queijo, produzindo enzimas que transformarão essas moléculas em outras moléculas, e alterando, durante o processo, a textura e o sabor da massa, e gerando moléculas de menor massa molecular, responsáveis pelo aroma do queijo.

A ação dos micro-organismos durante a maturação se dá por meio de reações bioquímicas, como a glicólise, a proteólise e a lipólise.

Principais reações bioquímicas que acontecem durante o processo de maturação. Fonte: elaborada pela autora.

Após a quebra dos açúcares do leite, como a lactose, em açúcares mais simples, tem início a glicólise . No final desse processo, são formados ácidos orgânicos, como o ácido lático, responsável pelo sabor lácteo característico e por conferir acidez ao produto; compostos que geram sabores característicos, como o diacetil e a acetona (conferem um sabor intenso de manteiga); e o gás CO2, que formam aqueles “furinhos” característicos dos queijos, as olhaduras.

A proteólise se inicia quando as proteases liberadas pelos micro-organismos quebram as proteínas da massa do queijo, como as caseínas. Esse processo é o principal responsável pela alteração da textura do queijo, gerando um miolo mais cremoso. Além disso, os peptídeos e os aminoácidos formados também contribuem grandemente para o flavor (combinação de sabores e aromas) final do produto. O tipo de aminoácido liberado influencia bastante no gosto do queijo: a liberação de aminoácidos como histidina, valina e triptofano, acarreta na formação de sabor amargo; glicina e alanina geram sabor doce; ácido aspártico confere acidez, e o glutamato e o aspartato, gosto umami.

Por fim, a lipólise é a hidrólise das gorduras do queijo pela ação das lipases, também liberadas pelo fermento. Essa reação libera ácidos graxos, cetonas e ésteres na massa, que contribuem amplamente para a formação do aroma do produto final.

As diferentes classes trabalhadoras dos queijos

As principais bactérias utilizadas na fabricação de queijo pertencem ao gênero Lactobacillus (L. lactis, L. helveticus e L. delbrueckii, por exemplo); Lactococcus spp. Leuconostoc spp., Weissella spp., Pediococcus spp. e Propionibacterium spp. também são frequentemente utilizados. Os fermentos comerciais, muitas vezes, não contêm somente um tipo de bactéria, mas bactérias de vários gêneros.

Além de bactérias, muitas espécies de fungos também podem ser utilizadas na produção dos queijos. É o caso do Penicillium roqueforti, estrela do queijo roquefort, do P. camembertii, no queijo que leva seu nome, e do P. glaucum, utilizado na fabricação de diversos queijos azuis. Vale ressaltar que, além de serem adicionados diretamente à massa (cura interna), os micro-organismos podem também ser adicionados à casca do queijo (cura externa).

O brie é um queijo maturado de origem francesa. A coagulação da massa é feita pela adição de renina ao leite cru e, após o queijo ser moldado em formas, o fungo P. camemberti é inoculado e a maturação ocorre de fora para dentro. Por isso, a crosta branca característica. Fonte: Pixabay.

Além de contribuírem para a produção dessas diversas classes de moléculas que colaboram para o perfil sensorial dos queijos, vale ressaltar que o processo de maturação também é importante para o aumento do shelf-life dos queijos. Isso acontece pois a acidez, a alteração do potencial redox, a redução da atividade de água, a presença competitiva dos micro-organismos e a produção de bacteriocinas, peptídeos antimicrobianos naturais, diminuem as chances de contaminação do queijo por micro-organismos indesejáveis durante o armazenamento nas câmaras e comercialização dos produtos.

Para os queijos, idade não é só um número

Você já deve ter concluído corretamente que o tempo de maturação é um fator-chave para o tipo de queijo que um produtor quer fabricar, assim como acontece com os vinhos. Para o queijo brie citado acima, por exemplo, peças com até trinta dias de maturação apresentam sabores mais suaves e texturas mais macias; para uma textura mais cremosa e um sabor mais acentuado, o tempo de maturação deve ser mais prolongado.

Os queijos conhecidos como “meia cura” têm um tempo de maturação que pode variar entre duas semanas e dois meses, aproximadamente. Queijos mais duros, como o parmesão, têm tempos de maturação que podem chegar a até quatro anos, para suas versões mais refinadas.

Para que se garanta que os micro-organismos desejados se desenvolvam nos queijos e não micro-organismos deteriorantes ou causadores de defeitos, a câmara de maturação deve ser bastante controlada em relação aos parâmetros de temperatura, umidade e ventilação.

A temperatura varia bastante com o tipo de queijo que está sendo produzido, e consequentemente, com os micro-organismos presentes, que têm diferentes exigências. Podem até mesmo haver etapas diferenciadas, nas quais cada uma possui uma temperatura específica.

O nível de umidade da câmara normalmente deve variar entre 75% e 95%. Se a umidade for muito baixa, a casca do queijo poderá apresentar rachaduras; se muito alta, poderá permitir o crescimento de fungos indesejáveis.

Por fim, a câmara de maturação deverá contar com um sistema de ventilação, para facilitar as trocas de gases emitidos pelos queijos; O2, CO2 e outros gases resultantes do metabolismo das células da cultura láctea. Uma ventilação muito intensa também poderá acarretar na formação de rachaduras na superfície dos queijos.

Quando um leite de má qualidade é utilizado como matéria-prima ou há alguma falha no controle de qualidade durante o processamento, há o risco do crescimento de micro-organismos indesejáveis no queijo. Os principais micro-organismos que podem causar defeitos em queijos são as leveduras, os Coliformes, Clostridium spp. Brucella spp. Mycobacterium spp. Listeria monocytogenes, Salmonella spp., Staphylococcus spp. e o vírus vaccinia.

A presença desses micro-organismos causa, principalmente, estufamento nas massas dos queijos, os quais podem aparecer de forma precoce ou tardia:

  • Estufamento precoce: ocorre uma produção irregular de gás no interior do queijo e a massa apresenta um aspecto “rendado”, repleta de furinhos irregulares. Esse defeito é causado pela presença de bactérias do grupo coliforme, especialmente Enterobacter aerogenes e Escherichia coli.
Queijo Minas Frescal apresentando estufamento precoce. Fonte: Macale.

  • Estufamento tardio: este tipo de defeito acontece durante a maturação, em um período que varia entre 10 dias a oito semanas depois da produção do queijo. É causado por bactérias do gênero Clostridium spp, principalmente as espécies C. tyrobutyricum, C. butyricum e C. sporogenes., que produzem gases em excesso que, ao sair da massa, causam rachadura por todo o queijo.
Queijos Minas artesanais apresentando trincas internas típicas de estufamento tardio. Fonte: Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes.

Para evitar esses defeitos, deve-se assegurar a utilização de leite de boa qualidade microbiológica, uma pasteurização efetiva e a boa higiene de maquinário, instalações e operadores.

Confira nosso outro texto sobre queijos: Queijo: da biotecnologia clássica à moderna

Texto revisado por Bianca Chaves Martins e Ísis Biembengut

Referências:
Food Safety Brazil. A maturação e a qualidade microbiológica de queijos. Disponível em <https://foodsafetybrazil.org/maturacao-e-qualidade-microbiologica-de-queijos/>. 

Ministério da Agricultura. Influência da maturação sobre a qualidade de queijos artesanais. Disponível em<https://www.agricultura.rs.gov.br/upload/arquivos/201709/13135456-influencia-da-maturacao-sobre-a-qualidade-de-queijos-artesanais-gilson-sales-marcelo-resende.pdf>.

Queijo Coalho Brasil. Maturação de queijos. Disponível em <http://www.queijocoalhobrasil.com/maturacao-de-queijos/>.

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