A população de abelhas vem diminuindo, descubra como a biotecnologia pode ajudar a preservar e salvar as abelhas
abelha

 “As abelhas estão desaparecendo!”  e “Salvem as abelhas!” são duas frases que se tornaram comuns de se ouvir na última década. São um alerta a respeito do declínio das populações desse importante inseto devido ao uso indiscriminado de pesticidasmudanças climáticas e doenças que afetam esse inseto. 

O desequilíbrio nas populações de abelhas pode comprometer diversos ecossistemas, as culturas agrícolas e a alimentação mundial. A ciência e a Biotecnologia vêm trazendo propostas interessantes que podem ajudar a preservar as abelhas, melhorar a saúde desse inseto, equilibrar os ecossistemas e nos beneficiar.

Por que as abelhas são tão importantes?

As abelhas são conhecidas como uma espécie-chave para a manutenção dos ecossistemas e são os principais polinizadores das plantas no planeta. Estima-se que elas são responsáveis por polinizar 73% das plantas do planeta e um terço dos cultivares que alimentam nossa espécie.

A sustentabilidade agrícola depende exclusivamente das abelhas. Elas conseguem misturar o material genético das plantas ao realizarem a polinização, gerando uma maior variabilidade genética. As abelhas também são excelentes indicadoras da saúde do planeta por serem muito sensíveis às mudanças de ambiente e temperatura.

Cerca de 20.000 espécies de abelhas já foram identificadas no planeta, de acordo com um mapa global publicado em 2020. Dentro dessa diversidade encontramos abelhas de diversos tamanhos, com ou sem ferrão, e abelhas que apresentam comportamento social (vivem em colônias) ou solitário. No Brasil nós temos cerca de 1600 espécies de abelhas e a maior diversidade de abelhas nativas e sem ferrão do mundo, chegando a 300 espécies já identificadas.

Figura ilustrando a diversidade de abelhas encontradas no mundo e a biotecnologia pode ajudar as abelhas
Figura ilustrando a diversidade de abelhas encontradas no mundo. À esquerda: abelha social com ferrão africanizada da espécie Apis mellifera (acima), abelha solitária com ferrão da espécie Xylocopa latipes (abaixo), conhecida como abelha carpinteira. À direita: abelha social sem ferrão da espécie Melipona scutellaris (acima), abelha primitivamente social com ferrão da espécie Bombus terrestris. Fontes: Jonathan Wilkins, Charles James Sharp, Cícero R. C. Omena e Anna N Chapman.

Como a biotecnologia pode ajudar a preservar e salvar as abelhas?

E como a ciência e a Biotecnologia atuam de diversas formas para entender a biologia das abelhas e preservá-las? Vamos conferir logo abaixo.

1 – Sequenciamento do genoma de abelhas

 Quais as vantagens de decifrar o DNA de abelhas? Em primeiro lugar é permitir aos cientistas estudar a evolução das abelhas, sua ecologia e identificar genes que estão envolvidos em diversos processos biológicos como o comportamento, a adaptação às diferentes regiões geográficas, a reprodução, a resposta imunológica aos patógenos, a eficiência na coleta de pólen e néctar, e produção de mel e geleia real.

Num segundo momento, as abelhas se tornaram um modelo de estudo muito interessante em diversas áreas como: neurociências (comportamento, aprendizado e memória), envelhecimento, genética da nutrição, epigenética, identificação de biomoléculas, toxicologia, alergia e na medicina.

A abelha africanizada da espécie Apis mellifera, uma das mais rentáveis para a produção de mel, foi a primeira abelha a ter seu genoma sequenciado em 2006 com a participação de cientistas brasileiros da Universidade de São Paulo (USP – Ribeirão Preto e São Paulo).

Sabe aquele fato curioso em que uma mesma larva pode se tornar uma abelha rainha ou uma operária de acordo com o alimento que ela recebe das abelhas adultas? É possível estudar quais mecanismos estão por trás desse evento através da ativação de genes que respondem de forma diferente durante a dieta.O estudo dos genes também pode ajudar a entender como é feito o controle do comportamento complexo e as diferentes tarefas que as abelhas operárias desempenham ao longo da vida adulta.

Figura ilustrando as castas de abelhas da espécie Apis mellifera.
Figura ilustrando as castas de abelhas da espécie Apis mellifera. O ovo que não foi fertilizado dá origem ao macho, o zangão (a); o ovo fertilizado origina as abelhas fêmeas, podendo ser uma rainha (b) ou uma operária (b) dependendo da dieta que ela recebe quando está na fase larval de vida. Dessa forma, o DNA de uma única larva fêmea pode ser regulado diferencialmente para definir o seu destino na colônia. A biotecnologia pode ajudar as abelhas permitindo o entendimento da regulação gênica. Figura retirada de Mortensen et al. 2015, com crédito a Mike Bentley, UF/IFAS.

 O genoma de duas outras abelhas nativas, sociais e sem ferrão do Brasil também já foi sequenciado e está permitindo novas descobertas que auxiliam na preservação e manejo dessas espécies.

2 – Melhoramento genético de abelhas

O melhoramento genético clássico de abelhas sociais, em particular da espécie Apis mellifera, é uma ferramenta utilizada a muitos anos para aumentar a produção de mel, selecionar abelhas que podem apresentar maior resistência aos patógenos causadores de doenças e aumentar a taxa de reprodução das rainhas em uma colônia. A vantagem desse processo é que há a possibilidade de controlar a genética das abelhas, rainhas e zangões utilizados no processo de fecundação.

Primeiro deve-se selecionar uma abelha rainha e zangões que apresentam as características genéticas desejáveis. Como uma abelha rainha pode se acasalar com mais de 20 zangões naturalmente, a técnica de inseminação instrumental (ou artificial) é muito utilizada para introduzir o semên coletado de um ou mais zangões no aparelho reprodutor da rainha, controlando então as características que serão passadas para a prole. 

Uma das características mais importantes na seleção genética de abelhas é o comportamento higiênico, no qual as abelhas conseguem detectar e remover outras abelhas ou larvas mortas, doentes e até parasitas da colônia. Esse comportamento pode variar dentro da mesma espécie e a seleção genética de abelhas mais higiênicas permite obter colônias mais saudáveis, evitando o uso de fármacos para controle de doenças e obtendo produtos comerciais livres de contaminação.

Figura ilustrando uma abelha rainha da espécie social Apis mellifera
Figura ilustrando uma abelha rainha da espécie social Apis mellifera (marcada em amarelo) rodeada por abelhas operárias que a cortejam, acompanhando-a na postura de ovos, fornecendo alimentação e se comunicando por feromônios ou contato direto. biotecnologia pode ajudar as abelhas auxiliando no melhoramento genético clássico das abelhas. Fonte: Piscisgate

Como a presença de doenças nas colônias é um dos fatores que contribuem para a redução das populações de abelhas mundialmente, o melhoramento genético pode ser uma ferramenta que pode auxiliar a melhorar a saúde destas e permitir um melhor manejo para os apicultores que podem realizar a reposição de rainhas em seus apiários através da obtenção de rainhas mais produtivas.

3 – Engenharia genética para combater doenças

         Técnicas de engenharia genética e edição de genoma em abelhas (CRISPR) ainda são complicadas de se realizar e se restringem a estudos de curta duração em laboratório. Manter abelhas transgênicas em colônias seguras, isoladas do meio ambiente e obter os indivíduos modificados nas gerações futuras é bastante difícil. Há também a questão ética e ambiental de se colocar abelhas transgênicas ou mutantes no meio ambiente, já que elas são organismos chave dentro dos ecossistemas.

         Para contornar esses problemas, cientistas da Universidade do Texas desenvolveram uma estratégia que pode ajudá-las a combater dois patógenos que afetam a sua saúde: o ácaro Varroa e o vírus da asa deformada, este último transmitido pelo próprio Varroa. Através de uma bactéria engenheirada da espécie Snodgrassella alvi, que vive no intestino das abelhas, foi possível produzir moléculas de RNA dupla fita (dsRNA) que atuam no mecanismo de interferência por RNA (RNAi) para impedir o funcionamento de RNAs mensageiros específicos (mRNA) dos dois patógenos.

Figura ilustrando a presença do ácaro Varroa parasitando abelhas
Figura ilustrando a presença do ácaro Varroa parasitando abelhas (setas em vermelho). À esquerda, uma pupa em desenvolvimento sendo parasitada pelo ácaro  e à direita uma abelha adulta com o parasita em seu tórax. A biotecnologia pode ajudar as abelhas auxiliando no combate a patógenos. Fonte: Scott Bauer e Piscisgate

O trabalho demonstrou uma alta eficiência no combate aos patógenos quando as abelhas receberam a bactéria transgênica pela alimentação, que funcionou como um probiótico.

4 – Biopesticida seguro para as abelhas

Uma das principais causas da morte e declínio das populações de abelhas é o uso indiscriminado dos agrotóxicos nos cultivares destinados para a produção de alimentos. O grande problema é que muitos pesticidas não são específicos somente para os insetos considerados pragas, e acabam afetando as abelhas. Além disso, eles são tóxicos para o meio ambiente e para a saúde de outros animais, incluindo a nossa espécie.

Os biopesticidas apresentam uma alternativa sustentável que permite o combate de insetos-pragas específicos e são elaborados a partir de agentes biológicos (microrganismos ou metabólitos), sendo mais seguros e ecológicos.

Pensando nisso, um grupo de cientistas da Universidade de NewCastle (Inglaterra) conseguiu desenvolver um biopesticida que não apresenta efeitos adversos nas abelhas. O biopesticida foi elaborado através da fusão de duas proteínas recombinantes. Uma delas, a Hv1a, é um bloqueador de canais de cálcio presente no veneno da aranha Hadronyche versuta. A outra proteína, GNA, presente na planta Galanthus nivalis atua como carreadora da Hv1a, esta última sendo a molécula tóxica para as pragas.

O biopesticida, que tem ação por ingestão oral, não afetou o comportamento e a sobrevivência de abelhas adultas e larvas que foram testadas. Além disso, ele tem a vantagem de atingir somente os canais de cálcio nas células dos sistema nervoso de insetos alvos, os quais são muito mais específicos entre as espécies em comparação com os canais de sódio que são os alvos dos pesticidas convencionais.

Vídeo em comemoração ao Dia Nacional das Abelhas (03 de Outubro)

Dentre as milhares de espécies de abelhas que já foram identificadas no mundo, algumas já entraram para a lista de animais em risco de extinção, o que é preocupante e gera um alerta para que atitudes sejam tomadas para frear o desaparecimento de outras espécies. É importante frisar que a preservação das abelhas só é possível com a aplicação de alternativas sustentáveis e éticas para promover a manutenção desse inseto insubstituível. E a Biotecnologia pode ser utilizada, sempre de forma cuidadosa, para ajudar a salvar as abelhas a partir do entendimento da genética desses insetos e propor novas soluções. 

autor Fabiano Carlos PInto de Abreu
Texto revisado por Natália Videira

Cite este artigo:
ABREU, F.C.P. Como a Biotecnologia pode ajudar a salvar as abelhas? Revista Blog do Profissão Biotec v.8, 2021. Disponível em:

Referências:
AGÊNCIA FAPESP.  Consórcio nacional realiza sequenciamento genético completo de abelha sem ferrão nativa.https://agencia.fapesp.br/consorcio-nacional-realiza-sequenciamento-genetico-completo-de-abelha-sem-ferrao-nativa/33756/ Acesso em: 25 de agosto de 2021
EMBRAPA MEIO AMBIENTE. Abelhas nativas: conservação e integração com sistemas agroecológicos.https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1106447/1/2018FD02.pdf Acesso em: 31 de agosto de 2021
GREENPEACE. Será o fim da picada? Disponível em: https://www.greenpeace.org.br/salve-as-abelhas Acesso em: 25 de agosto de 2021
GUIDOTTI, Isadora Leitzke. Como a Biotecnologia pode substituir os agrotóxicos. https://profissaobiotec.com.br/como-a-biotecnologia-pode-substituir-os-agrotoxicos/ Acesso em: 1 de setembro de 2021.
LOURENÇO, Darling de Andrade. RNA de interferência: o que são, onde agem, por quê existem.https://profissaobiotec.com.br/rna-de-interferencia-o-que-sao-onde-agem-por-que-existem/ Acesso em: 2 de outubro de 2021
MORTENSEN, Ashley N.; SMITH, B.; ELLIS, J. D. The Social Organization of Honey Bees. IFAS Extension, University of Florida, ENY, v. 166, p. 4p, 2015.

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