A revolução genômica, iniciada nas últimas décadas, têm permitido que as informações contidas em nosso DNA possam ser decifradas e estudadas de diversas maneiras. O sequenciamento do genoma humano em 2003, por exemplo, nos permitiu começar a entender melhor o conteúdo genético presente em 3 bilhões de pares de bases do nosso DNA. Esse marco permite, até hoje, que estudos e aplicações sejam realizados nas áreas de genética, fisiologia, patologia, evolução e em estratégias de tratamento de doenças.
Essa revolução genômica originou o termo “ômicas”, referindo-se às diferentes maneiras de se estudar o conteúdo genético de um organismo: genômica, transcriptômica (a partir do RNA), proteômica (a partir de proteínas), exoma, metabolômica e metagenônica. Dentre essas, a análise do exoma traz, particularmente, uma importante contribuição para que estudos em genômica personalizada sejam aplicados.
Antes de falar dela, vamos conferir um acontecimento importante que colocou o sequenciamento de exoma como uma ferramenta essencial para a medicina.
A história do pequeno Nicholas Volker
No final dos anos 2000, uma doença misteriosa se manifestou em um menino de 2 anos (EUA), Nicholas Volker, ocasionando a destruição progressiva dos seus intestinos, deixando-o vulnerável à infecções, reduzindo seu peso e impedindo até sua alimentação correta. Ele já havia passado por mais de 100 cirurgias e tratamentos diversos na tentativa de impedir o avanço da doença.
Sem muito sucesso, o pediatra responsável pelo caso, Alan Mayer, pediu ajuda a um amigo de profissão, Howard Jacob, pois acreditava que essa doença nunca havia sido estudada e poderia ter um fator genético envolvido. Eles discutiram se haveria algum modo de sequenciar o genoma do pequeno Nicholas para tentar encontrar alguma mutação associada à doença. Como rastrear todo o conteúdo do DNA é uma tarefa árdua e demorada, a sugestão era tentar rastrear somente sequências contidas nos genes que têm as informações para gerar proteínas, denominadas éxons.
Como os éxons correspondem a um pouco mais de 1% de todo conteúdo do nosso DNA, seria mais rápido rastrear essas regiões em busca de uma possível mutação. Na época, esse tipo de sequenciamento de éxons (sequenciamento do exoma) era muito caro e doações foram necessárias para que a análise fosse concretizada com sucesso. A ideia foi rastrear mutações que nunca tinham sido identificadas em humanos e que ocasionam a troca de aminoácidos em uma proteína.
Felizmente, os cientistas conseguiram encontrar uma mutação no gene XIAP (inibidor da apoptose ligado ao X) que mudava um aminoácido da proteína. Essa descoberta permitiu adotar uma abordagem terapêutica adequada para tratar a doença, já que o gene estava associado a um transtorno do sistema imunológico raro. Através de transfusão de sangue do cordão umbilical de um doador compatível, foi possível melhorar a saúde do Nicholas, que em pouco tempo voltou a ter uma dieta normalizada e não precisou mais de cirurgias intestinais.
O diagnóstico da doença de Nicholas trouxe um verdadeiro insight do impacto que o sequenciamento de exomas poderia ter para entender novas doenças e personalizar o tratamento.
Exomas e sua importância
A possibilidade de sequenciar apenas parte do genoma, neste caso o exoma, trouxe uma alternativa prática para algumas aplicações que se baseiam no conteúdo informativo de mutações encontradas nos éxons, as quais podem ser responsáveis por diversas doenças. Atualmente, o custo do sequenciamento de um exoma é bastante em conta (cerca de algumas centenas de dólares).
Como no caso do Nicholas, o sequenciamento de exomas tem sido utilizado para identificar mutações que podem estar associadas a uma doença desconhecida, auxiliando na busca por tratamentos personalizados. Além dessa abordagem, é possível identificar mutações de novo em um indivíduo, ou seja, aquelas que não são herdadas dos pais e muitas vezes foram geradas espontaneamente ocasionando doenças raras. Essa última investigação tem um papel fundamental para o diagnóstico clínico de transtornos neurológicos que acometem crianças e tem um avanço rápido no desenvolvimento.
O sequenciamento de exomas também pode ser utilizado para informar quais são as diferenças entre células normais e anormais, como o rastreamento de mutações no câncer. É possível identificar mutações que não são comuns ou que são novas e propor abordagens terapêuticas mais eficientes, principalmente na escolha de drogas para o tratamento. Atualmente, existe um “atlas” de exomas de câncer, idealizado por diversos pesquisadores. Nele se confirma que há uma heterogeneidade muito grande entre as células tumorais, o que levou a novas classificações de subtipos de câncer com base nas mutações encontradas.
Indo além, o sequenciamento de exomas não só tem uma implicação médica e clínica, mas também pode ser utilizado para diversos fins científicos. Um deles é permitir que estudos de ancestralidade possam ser realizados a partir da localização de variações em um único nucleotídeo (single nucleotide polymorphisms – SNPs) dentro de éxons, tanto entre indivíduos de uma população quanto entre populações diferentes. Dessa forma é possível entender questões biogeográficas e evolutivas da nossa espécie. Além disso, pode-se detectar mutações associadas a doenças e verificar com que frequência elas se encontram em diferentes populações do mundo.
O sequenciamento de exomas também pode nos revelar mutações ou polimorfismos em genes que, mesmo quando não associados à doenças, explicam algumas variações fisiológicas que ocorrem entre os indivíduos. Por exemplo, uma maior ou menor susceptibilidade para contrair uma infecção ou até mesmo dizer sobre nossa sensibilidade a determinadas substâncias, como álcool ou drogas.
A capacidade de analisar o genoma humano de forma rápida através do sequenciamento do exoma nos traz uma poderosa abordagem da genômica personalizada. Nos dias atuais, essa abordagem é essencial para que mutações em um único indivíduo sejam identificadas, associadas à doenças e abram caminho para o desenvolvimento de um tratamento direcionado para tais condições. E ainda, abordagens envolvendo a terapia gênica, utilizando por exemplo o CRISPR, podem ser desenvolvidas para ”editar e consertar” essas mutações e restaurar a condição saudável do indivíduo.
ABREU, F. C. P. Exoma e genômica personalizada. Revista Blog do Profissão Biotec, v.10, 2023. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à Genética. 12a edição. Editora Guanabara, 2022.
HANSEN, Marcus C.; HAFERLACH, Torsten; NYVOLD, Charlotte G. A decade with whole exome sequencing in haematology. British journal of haematology, v. 188, n. 3, p. 367-382, 2020.
SABERKARI, Hamidreza et al. A fast algorithm for exonic regions prediction in DNA sequences. Journal of medical signals and sensors, v. 3, n. 3, p. 139, 2013.
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