Vacinas são usadas há muitos anos como forma de prevenir doenças. Nas últimas décadas, também está sendo estudado seu uso para o tratamento de dependentes químicos.

A vacinação é uma tecnologia usada há muitos anos. Ela nos ajuda a prevenir muitas doenças, tanto através da imunidade ativa (produzida pelo próprio organismo) ou quanto pela imunidade de rebanho (pessoas não-vacinadas que “se protegem” por haver menor circulação do patógeno). No entanto, existem estudos para desenvolvimento e produção de vacinas contra o uso de algumas drogas, como nicotina, metanfetamina, heroína, opioides e cocaína. 

Pouco tempo atrás, surgiram notícias falando sobre o desenvolvimento de uma vacina contra cocaína por estudantes bolsistas brasileiros. Contudo, você sabia que estudos para criação de vacinas contra drogas não é algo recente?

A cocaína

A cocaína é uma droga ilícita e é considerada uma causa de problema de saúde pública, pois leva os indivíduos ao vício na maioria dos casos. O Brasil é um dos países mais afetados por essa droga, enfrentando problemas com o consumo e com o tráfico. 

O uso da cocaína pode levar a diferentes desfechos perigosos, como por exemplo: altas taxas de ansiedade, psicose paranoica, acidente vascular cerebral e aumento do risco de infecção por HIV. Essa droga pode ser usada através do fumo (o crack), via nasal ou via venosa. Qualquer forma de administração é perigosa e pode levar a danos permanentes, pois o uso dessa droga é extremamente perigoso. Esse perigo se dá pela forma de atuação da cocaína no corpo e sua alta taxa de dependência. Ela é uma droga estimulante e possui a capacidade de alterar a forma como o cérebro funciona, tornando mais difícil parar de usar.

Um grande problema é que não há uma terapia medicamentosa, dificultando o tratamento dos dependentes dessa droga. A estratégia de vacinação para induzir a formação de anticorpos pode ser benéfica ao impedir que a droga entre em contato com o cérebro.

Vacina brasileira contra a cocaína

A vacina contra cocaína vem sendo desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e foi divulgada recentemente, mas ainda está em fase de testes. O que estimulou as pesquisas nessa área foi a dificuldade no tratamento de pacientes dependentes químicos da cocaína. O objetivo principal é o desenvolvimento de anticorpos que sejam capazes de se ligarem à droga e impedirem a entrada dela no cérebro, fazendo com que haja inibição dos efeitos da droga.

Tanto a vacina quanto o uso direto dos anticorpos contra a cocaína têm como objetivo principal impedir que a pessoa tenha recaída durante o tratamento contra dependência. O trabalho realizado pelos estudantes da UFMG envolveu um ensaio pré-clínico para avaliação da imunogenicidade e toxicidade da vacina.

A vacina desenvolvida pela UFMG, a UFMG-V4N2, utiliza como tecnologia carreadora calixarenos, compostos orgânicos macrocíclicos, que aumentam o peso da cocaína, o que facilita o reconhecimento pelo sistema imune e a formação de anticorpos. A molécula de cocaína é muito pequena e isso facilita a sua entrada no cérebro. Quando há ligação dos anticorpos às moléculas dessa droga há um aumento do seu tamanho e, por consequência, diminuição da entrada no cérebro. Os anticorpos produzidos por essa vacina foram capazes de reduzir os efeitos da cocaína em animais. 

Esse trabalho da UFMG, teve como objetivo principal avaliar o perfil de segurança desta vacina. Ele apresentou resultados promissores, visto que, nos testes realizados em animais, houve uma boa produção de anticorpos sem a presença de reações adversas preocupantes. Por conta de sua eficiência e importância, a vacina da UFMG foi premiada internacionalmente recebendo mais de 2 milhões de reais para investimento.

Prós e contras das vacinas contra drogas

Manipulação de amostras em laboratório
A produção de vacinas inclui muitos testes in vitro e in vivo até a validação para que possa ser utilizada e comercializada. Fonte: pixabay. #ParaTodosVerem: cientista calçando luvas lilás manipulando amostras biológicas para pequenos tubos com auxílio de pipeta automática.

A criação de vacinas contra drogas é algo que se almeja a um tempo considerável. No entanto, existem razões éticas e algumas preocupações acerca de como essas vacinas serão administradas.

Vacinas contra drogas são desenvolvidas para uso terapêutico, ou seja, tem como objetivo principal tratar dependentes e inibir recaídas por dificultar a ação da droga através dos anticorpos produzidos. A vacina contra cocaína, assim como contra qualquer droga, é desenvolvida para tratar dependentes e passa por questões relacionadas a: “seu uso poderia ser forçado?”, “poderia ser usada para prevenir que a pessoa se torne dependente?” ou “após tomar a vacina a pessoa se torna imune à droga?”.

Vale ressaltar que o indivíduo que toma uma vacina contra droga não se torna imune a ela. “Mas como essa pessoa não se torna imune?”. Bom, aqui vale deixar claro que o objetivo da administração do imunizante é desenvolver anticorpos contra a droga de forma que, caso a pessoa use-a, não vai experienciar os efeitos causados por ela. 

Porém, tudo tem um limite e esse é o efeito desejado. A vacinação não previne o desejo de consumir a droga e, dependendo da quantidade ingerida ou se for associada com outra droga, o paciente pode sofrer com insuficiência de anticorpos disponíveis para aquela quantidade em curto período de tempo, o que possibilita a entrada da cocaína no cérebro desencadeando seus os efeitos no sistema nervoso. O imunizante, no entanto, contribui para evitar que a pessoa tenha o efeito produzido pela droga o que, em consequência, desestimularia o seu uso.

A vacina não previne a dependência química, apesar de contribuir para o não uso da droga. Isso ocorre porque a dependência está associada a questões intrínsecas das pessoas. Outro fator é porque os anticorpos induzidos por esses imunizantes vão reduzindo com o passar dos meses, de forma que se não houver periodicidade em doses de reforço, eles se tornam insuficientes. No entanto, por comprometer o efeito da droga, esse pode sim ser um caminho usado para evitar a dependência, apesar do não uso ser a forma ideal.

Quanto à questão do uso forçado, ela é mais delicada e entra em conflitos éticos. Legalmente, pode haver coerção legal (quando o Estado age para que algo seja cumprido) de indivíduos presos. Além disso, existe uma outra situação que não é considerada forçada e também pode vir a ocorrer: os pais optarem por vacinar seus filhos durante a adolescência. Essa medida não é recomendada por se tratar de uma vacina para tratamento de dependentes, mas a possibilidade não é inexistente.

Ainda há muito acerca do debate em relação ao uso e aplicação da vacina contra cocaína (assim como outras drogas), mas esse é um grande avanço. Muitas pessoas até querem ou tentam se livrar/curar do vício, mas têm dificuldade por causa da dependência. A vacina, sendo aplicada em seu público-alvo e tendo uso correto, tem muito a ajudar os dependentes químicos dessa droga.

perfil Natalia Lopes
Texto revisado por Jennifer Medrades e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
LOPES, N. R. Vacina contra cocaína: seria o fim da dependência química? Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/vacina-contra-cocaina-seria-fim-dependencia-quimica>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

Referências

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