A maioria de nós já precisou tomar antibiótico em algum momento da vida. Seja por aquela amigdalite de todo inverno ou para tratar infecções mais sérias, essa classe de drogas já vem salvando milhões de vidas desde 1928, com o grande marco da descoberta da penicilina.
Por meio de diferentes mecanismos de ação, os antibióticos têm sido arma-chave no combate às bactérias patogênicas. Mas não por muito mais tempo.
Durante o 20º Congresso Brasileiro de Infectologia, a coordenadora da área referente à resistência microbiana da Organização Mundial da Saúde (OMS), Cármen Lúcia Pessoa da Silva, revelou um fato bastante alarmante sobre a temática. Segundo ela, se não encontrarmos uma nova maneira de superarmos as resistências bacterianas, as infecções causadas por bactérias super-resistentes serão a maior causa de morte no mundo em 2050, gerando um prejuízo de até US$ 100 trilhões. Hoje, estima-se que as mortes anuais causadas por esse tipo de infecção já beiram a casa dos 700 mil casos registrados.
Mas, afinal, o que está causando esse aumento na resistência?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) “A resistência a antimicrobianos ocorre naturalmente com o passar do tempo, geralmente devido a mudanças genéticas. Porém, o uso excessivo e incorreto de antimicrobianos está acelerando este processo. Em vários lugares, antibióticos são usados de maneira incorreta e exagerada em pessoas e em animais, e normalmente ministrados sem consulta profissional. Exemplos de mal uso incluem quando eles são utilizados por pessoas com infecções virais, como gripe ou resfriado, quando eles são ministrados como promotores de crescimento em animais ou para prevenir doenças em animais saudáveis.” [1]
Ou seja, quando os sintomas passam, já dá para parar de tomar o antibiótico, certo? Melhor não…
Para piorar esse cenário, alguns gêneros de bactérias, como os causadores de meningite, pneumonia e até de diarréias letais, são especialmente difíceis de serem tratados.
Essas bactérias são de um tipo conhecido como gram-negativo. Elas possuem uma dupla camada protetora ao redor de suas células, tornando extremamente difícil para as drogas antimicrobianas atingirem seus alvos.
Dessa maneira, todas as drogas que surgiram nos últimos 50 anos para tratar tratar doenças causadas por gram-negativas são variações das já existentes [2]. Agora imagine uma bactéria gram-negativa resistente a esse seleto grupo de antibióticos…
Estamos todos fadados a morrer? De certa forma, sim, mas no que diz respeito à luta contra a super-resistências, ainda temos chance.
O biólogo evolucionista Peter Smith, da Genentech, e sua equipe começaram a trabalhar com uma classe de compostos naturais denominados arilomicinas. Esta classe de lipopeptídeos consegue inibir uma enzima essencial da membrana citoplasmática de bactérias conhecida como SPase. No entanto, o sítio ativo desta enzima se localiza entre a membrana interna e a externa de gram-negativas e devido sua localização, é tido como inacessível para as arilomicinas naturais.
A partir de modificações estratégicas nessas moléculas, o grupo foi capaz de desenvolver uma nova droga, denominada G0775. Os resultados da pesquisa demonstraram que a G0775 é cerca de 500 vezes mais potente que a arilomicina natural contra as gram-negativas de maior importância para a saúde humana, incluindo Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii [3].
Para o nosso alívio, G0775 também se mostrou potente contra 49 isolados destas bactérias multirresistentes, obtidos diretamente de pacientes infectados. Como prova final de conceito, os pesquisadores comprovaram em laboratório que a nova droga foi capaz de conter um tipo de Klebsiella pneumoniae (causadora da pneumonia) resistente a 13 diferentes classes de antibióticos [3].
“Nós estamos realmente muito animados”, disse Smith em entrevista para a Science. “Nós conseguimos fazer as modificações necessárias para que a droga acerte seu alvo em cheio”.
A droga não apresentou efeitos tóxicos em células de mamíferos, mas o caminho para a liberação comercial ainda é tortuoso. A história do desenvolvimento de novos antibióticos está recheada de exemplos de drogas que só se mostraram tóxicas quando testadas em animais maiores ou em testes clínicos, quando não acabam por perder sua potência.
Paul Hergenrother, um bioquímico da Universidade de Illinois, EUA, que estuda as características necessárias para um composto atravessar a membrana externa de gram-negativas, reforçou a necessidade de novos antibióticos possuírem toxicidade muito baixa. Segundo o pesquisador, com o uso de antibióticos, a tolerância para efeitos colaterais é ínfima.
Ainda assim, Hergenrother demonstrou estar impressionado com os resultados em laboratório em que doses baixas de G0775 foram suficientes para reduzir significativamente a carga de bactérias em tubos de ensaio e em ratos. Para o bioquímico, “Esse é exatamente o tipo de resultado que se quer ver nesse estágio de desenvolvimento [da droga]”.
Por fim, ele também comenta que não é comum antibióticos nesse estágio inicial serem pensados por desenvolvedores de drogas experientes como a Genentech. Quase todos focam em pequenas alterações químicas nas drogas já existentes.
Apesar dos números alarmantes e do crescente número de casos de infecções por bactérias super-resistentes, ainda há esperança para esta problemática. É papel nosso como seres humanos incentivar o uso correto e consciente de antibióticos, seguindo sempre a prescrição médica. É papel da biotecnologia e de áreas afins criar e desenvolver novas armas para combater essa ameaça.
Frente a essa guerra pela sobrevivência da raça humana, todos nós somos protagonistas. E você, está fazendo a sua parte?
Referências:
FATOS SOBRE RESISTÊNCIA MICROBIANA. OMS. Disponível em: <http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antimicrobial-resistance>. Acesso em: 09 out. 2018.
PETER A. SMITH. Arilomicinas optimizadas são uma nova classe de antibióticos para Gram-negativas. Nature, 561, 189-194, set, 2018.
JON COHEN.Cientistas engenheram poderosa nova arma contra bacterias resistentes a antibióticos. Science mag, saúde, set, 2018.
RESISTÊNCIA MICROBIANA. OMS. Disponível em: <http://www.who.int/antimicrobial-resistance/en/>. Acesso em: 09 out. 2018.
SUPERBACTÉRIAS PODEM SE TORNAR A PRINCIPAL CAUSA DE MORTE DO MUNDO. FOLHA. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/09/1920323-superbacterias-podem-se-tornar-a-principal-causa-de-morte-no-mundo.shtml>. Acesso em: 09 out. 2018.