“Transformar a América Latina por meio da biotecnologia”, essa foi a essência do Segundo Encontro Latino-americano de Jovens Líderes em Biotecnologia (Allbiotech) que aconteceu em Guanajuato, no México, entre os dias 8 e 11 de novembro de 2018.

Dividido em 7 eixos temáticos –  Sustentabilidade”, “O futuro do campo”, “O futuro da Biotecnologia”, “Cultura científica e percepção pública”, “Bioempreendimentos”, “Transferência Tecnológica” e  “O Futuro da Saúde” -, o evento reuniu cerca de 100 líderes, 18 países e 30 palestrantes, durante 3 dias, com o intuito de discutir os principais desafios da bioeconomia e de propor ações que impulsionem o futuro da biotecnologia na região.

Logicamente, a terra tupiniquim não poderia ficar de fora dessa empreitada! A delegação brasileira foi representada por 7 mulheres de diferentes regiões do país e com as mais variadas experiências e percepções acerca da biotecnologia no território nacional. Hoje, 100 dias após o Allbiotech, trazemos aqui os 5 principais aprendizados do evento, além das perspectivas sobre o futuro do Allbiotech no Brasil.


Delegação brasileira de 2018 em Guanajuato: Da esquerda para a direita: Mariana Rau (Porto Alegre – RS), Mariana Bertini (Campinas – SP), Luana Dantas (Brasília – DF), Dandara Porto (Vitória da Conquista – BA), Rafaela Fantatto (São Carlos – SP), Verônica Dias (Belo Horizonte – MG) e Debora Naviti (Santos – SP).

1. A biotecnologia deve se perceber no papel político – “Si los científicos no sientan a la mesa, van a terminar siendo servidos como plato principal

 

Os países da América Latina tiveram em comum um passado marcado pela exploração colonial europeia. Na prática, isso significa que grandes desafios sociais e econômicos de hoje são reflexo da má distribuição de terra decorrente dessa época. Além disso, com um mercado interno instável e com exportações voltadas para commodities – soja, minério, etc -, o desenvolvimento de tecnologias nacionais muitas vezes fica de lado nesse cenário. Para agravar a situação, temos ainda altos níveis de corrupção que atingem diretamente e indiretamente todos os níveis de investimento no país – saúde, educação, turismo, ciência e tecnologia, etc.

Porém, paradoxalmente, mesmo com tanto problemas que afetam diretamente a biotecnologia brasileira, é muito difícil ver cientistas – mais especificamente egressos em biotecnologia – se engajando em movimentos políticos ou politicamente em prol de melhorias nas condições de trabalho e/ou na melhoria do bem estar social. Na verdade, é muito aparente a não participação política dos agentes científicos do país na tomada de decisão em políticas públicas. A sensação que temos é de que sofremos as decisões do governo ‘calados’ ou aquém do impacto real nas pesquisas públicas e privadas.

Nós, biotecnologistas, precisamos urgentemente tomar o controle dessa situação caótica e agir para mudar esse cenário.  Uma das grandes lições que o Allbiotech deixou para a delegação brasileira foi de que precisamos deixar de ser reféns das circunstâncias e nos tornarmos protagonistas do futuro que queremos para o Brasil. Existem alternativas – algumas mais radicais, outras menos – das quais nós podemos nos beneficiar para mudar essa realidade. Podemos contribuir participando desde o Centro Acadêmico das nossas instituições, fazendo parte do ABRA Biotec ou até mesmo se candidatando para o parlamento legislativo ou executivo! Independente da escolha, qualquer ação mesmo que seja mínima, já está contribuindo para a mudança desse paradigma.

2. Comunicação científica é mais necessária do que nunca“De cuando los cientificos perdieron el tren y hasta se les fue el avion”

Se você trabalha em biotecnologia certamente já teve que explicar para familiares, amigos ou até mesmo para motorista do Uber o que um biotecnologista faz. O desconhecimento da área é uma realidade em toda a América Latina e suas causas são mais complexas do que imaginamos. Muitas vezes, no nosso dia a dia, nos deparamos com pessoas espalhando informações equivocadas sobre vacinas, alimentos transgênicos ou engenharia genética através de redes sociais e outros meios de comunicação.

As falhas nos sistemas educacionais desses países exigem do biotecnologista o papel de esclarecer sua profissão de maneira clara e acessível. Para que a biotecnologia seja real na sociedade é necessário que seja percebida e desmistificada no cotidiano das pessoas.

A redução da distância entre cientistas e comunidade deve ser proporcionada pela criação de um diálogo. Devemos lembrar que o conhecimento é uma via de mão dupla e não está retido só dentro da academia, pois o conhecimento tradicional é tão importante quanto o produzido em universidades e instituições de pesquisa.   

Movimentos contrários às inovações biotecnológicas crescem a ritmo acelerado alavancados pelos novos meios de comunicação, enquanto a ciência ainda está refletindo se deve tornar a sua informação acessível. O Allbiotech 2018 nos deixou exatamente esse dilema: “O que fazer quando os cientistas perderam o trem e já se foi o avião?”, ou seja, como mudar a percepção pública sobre ciência em uma sociedade repleta de fake news e desafios estruturais.

3. Biotecnologia Agrícola como instrumento de transformação econômica e social – Manifesto “Declaração dos Jovens Líderes Latino-Americanos em Biotecnologia Agrícola e Técnicas de Inovação em Melhoramento Vegetal”

Não é novidade que a biotecnologia agrícola está expandindo a fronteira de produção de alimentos, possibilitando uma agricultura mais sustentável e produtiva. No Allbiotech essas afirmações não foram diferentes. Tivemos vários speakers – incluindo a Bayer – discutindo sobre o futuro do campo na América Latina. Desde o uso de agroquímicos mais ecológicos aos benefícios do uso de OGMs.

Contudo, no Brasil e na América Latina como um todo, o uso da biotecnologia no melhoramento genético de plantas e animais ainda é muito mal visto – principalmente por movimentos sociais. Quem acompanha as notícias nacionais deve se lembrar do caso do Movimento Sem Terra – MST – que depredou mais de 15 anos de pesquisa de cultivares de eucalipto desenvolvidas pela empresa Suzano Papel.

Infelizmente é muito comum as pessoas associarem a tecnologia com a empresa. Mas o que isso significa, de fato? Significa que se a Monsanto – uma empresa com uma conduta controversa (com milhares de processos judiciais sobre o impacto do glifosato e outros agroquímicos) –  desenvolver uma nova cultivar ou agroquímico, muito provavelmente as pessoas vão associar essa tecnologia a algo que não tenha um benefício social positivo. Além disso, a tecnologia muitas vezes é usada como instrumento de exclusão social – onde uma pequena parcela na sociedade pode se beneficiar com isso.

Poderíamos passar o dia escrevendo sobre isso, mas resumidamente o que ocorre é que as práticas de melhoramento genético são vistas como uma forma de excluir as pessoas de usufruírem daquelas cultivares, e muito pior do que isso, começam a associar erroneamente que o resultado da tecnologia é tão duvidoso quanto a empresa que as comercializam.

Diante desse impasse gigantesco, o legado e aprendizado que os líderes de 2018 deixaram foi um manifesto elaborado durante o evento como tentativa de validar e difundir os benefícios do uso dessa tecnologia no avanço da fronteira agrícola.

 

4. Empreendedorismo em biotecnologia;  “Siempre escucho: “Los científicos exitosos generalmente fracasan cuando emprenden”. Yo soy científico y soy empresario y soy exitoso en ambos”

O empreender é uma das ferramentas pelas quais as descobertas biotecnológicas podem ser transferidas para o mercado. O empreendedorismo, assim como a biotecnologia, é intrinsecamente ligado à inovação, por isso é quase impossível falar de um e não associar com o outro.

Existem muitos desafios relacionados com o sucesso dos empreendimentos na área de biociências. O desconhecimento da população sobre o tema, a existência de poucos financiamentos, a necessidade de infraestruturas consideráveis e, principalmente, a falta de conhecimentos administrativos e de negócios do biotecnologista reduzem drasticamente as chances de uma ideia se tornar um negócio lucrativo e de impacto.

O Allbiotech nos trouxe um ambiente de diálogo entre empreendedores, investidores e experts na área para compreender, problematizar e propor alternativas para esse cenário. Nesse contexto, a importância do trabalho em equipe e da transdisciplinaridade se mostraram básicas para progresso de bionegócios, pois o mercado é dinâmico e um empreendimento precisa visualizar as mais distintas perspectivas, que só são possíveis pelo ponto de vista de diferentes áreas, assim como olhar a sociedade não só com um olhar científico, mas também a partir de uma lógica de mercado.

5. A importância de formação redes para o pertencimento, representatividade e mudança de paradigmas  –“Ustedes no están solos”.

Um dos grandes legados deixados pela edição de 2018 é que não estamos sós. Assim como na edição de 2017, a América Latina não só divide todos os problemas citados acima, mas também sofre pela falta de representatividade mundialmente. Quando falamos de biotecnologia em nível internacional, as primeiras referências que vem à mente são EUA e Europa, enquanto que América Latina, África e Ásia são deixadas de lado na discussão.

Esse fato é muito desmotivador porque nós sabemos que não é verdade e sabemos, principalmente, do nosso potencial e do que já foi conquistado por nós da América Latina. A maioria dos estudantes e egressos de biotecnologia sabe que existem muitas pesquisas de ponta feitas por pessoas extremamente competentes no Brasil e nos demais países latinos e que, frequentemente, não são valorizadas simplesmente porque são feitas aqui. E essa sensação de que somos subestimados é muito perceptível em eventos internacionais.

Para os fundadores do Allbiotech isso ficou muito evidente quando participaram do GapSummit de 2016 – onde surgiu a ideia da rede. Segunda a própria Emilia Diaz, quando se falava “América Latina” e “desenvolvimento e empreendedorismo científico” na mesma frase, as pessoas de outras regiões olhavam com expressão cética, como se fosse algo exótico ou incomum, sendo que para nós não é.

Foi justamente esse sentimento de inconformismo que embasou todos os dias do evento em 2018. Quando nos deparamos com outras pessoas que, assim como nós, não se conformam com todos esses obstáculos, a relação de pertencimento foi tão grande que o sentimento de mudança deixou de ser abstrato e se tornou força motriz para a transformação da realidade. Participar do Allbiotech representou isso: em rede, somos capazes de impulsionar a transformação da América Latina através da biotecnologia.

O legado do Allbiotech para a delegação brasileira:

Escrito pelas integrantes da delegação brasileira: Dandara Porto, Deborah NavitLuana Dantas,  Mariana BertiniMariana Ritter RauRafaela Fantatto, Veronica Dias

Sobre Nós

O Profissão Biotec é um coletivo de pessoas com um só propósito: apresentar o profissional de biotecnologia ao mundo. Somos formados por profissionais e estudantes voluntários atuantes nos diferentes ramos da biotecnologia em todos os cantos do Brasil e até mesmo espalhados pelo mundo.

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