Era um 15 de janeiro. Entrei na Twitosfera e vi uma notícia cativante que percorreu o mundo acadêmico e gerou muitas discussões : durante uma missão conduzida por chineses na face oculta da Lua, cientistas conseguiram, pela primeira vez, fazer brotar sementes de algodão nesse ambiente tão inóspito.
De fato, essa missão tornou-se pioneira no desenvolvimento da agricultura lunar pelo fato de conseguir o broto de algodão em um clima extraterrestre e baixa gravidade. Além do algodão (Gossypium arboreum L), os cientistas levaram batata (Solanum tuberosum), colza (Brassica napus), Arabidopsis thaliana, ovos de mosca da fruta e alguns fungos.
O experimento não foi conduzido diretamente no solo lunar, mas sim no interior de um equipamento adequado ao controle de calor, luminosidade e fornecimento de água e nutrientes que simula perfeitamente o solo e atmosfera da lua. Além da semente de algodão, a batata e a colza cresceram.
Entretanto, logo no dia seguinte fui surpreendido por uma outra notícia: o broto de algodão havia morrido. Não resistiu às condições adversas apresentadas no novo ambiente. Pus-me, então, a pensar: “E se levássemos a Biotecnologia para a Lua?” Graças ao melhoramento genético, a biotecnologia pode tornar realidade a agricultura lunar! Pode parecer uma colocação intrigante, mas afirmo que ela é em igual medida factível.
Convido vocês, leitores, agora a darmos um passeio no tempo para ver o que a biotecnologia já realizou no quesito de melhoramento genético, bem como a história do melhoramento vegetal desde os primórdios do Paleolítico Médio até os dias atuais.
A plantas cultivadas hoje em dia são diferentes de seus ancestrais silvestres em termos de tamanho, resistência a pragas e doenças, qualidades organolépticas, entre outros. O homem, ao longo de mais de dez mil anos, tentou por vários métodos realizar essas modificações para suprir as necessidades da população aumentando a produtividade, visando lutar contra doenças e pragas ou para uma melhor adaptação de uma determinada planta em um determinado ambiente.
Milho domesticado e a diversidade de cultivares de milho. Fonte : https://en.wikipedia.org/wiki/Zea_(plant)#/media/File:Maize-teosinte.jpg The International Maize and Wheat Improvement Center, CIMMYT.
Dando mais um passo à frente no tempo, temos que há 10 mil anos, o homem nômade vivia da caça e da colheita na natureza para prover suas necessidades. Com o aumento da população e o desejo de menor esforço, o homem passou da caça à agricultura, domesticando as plantas. Essa agricultura nascente se baseou nas preferências visuais e sensoriais humanas, como sementes maiores, frutos mais doces, ou seja, realizando um melhoramento seletivo (ou melhoramento natural), o qual perdurou por muito tempo e perdura até hoje.
Enquanto a ciência avançava, nos meados do século 19, num monastério, um monge agostiniano chamado Gregor Mendel, inspirando-se na publicação de “Darwin: A Origem das Espécies”, descobriu a existência de “fatores” hereditários cruzando ervilhas. Após 7 anos de trabalho cruzando e ranqueando essas ervilhas, Mendel concluiu as 3 leis básicas da hereditariedade que deram à luz à genética, que possibilitam um estudo mais profundo desses “fatores” chamados genes.
Seguindo com nossa linha do tempo, 1910 foi o ano da descoberta da heterose, que proporciona “vigor híbrido” a uma planta, de tal modo que essa planta seja diferente da média dos pais. Uma outra forma de melhoramento seletivo que favorece a expressão genética dos efeitos benéficos da hibridação.
Em 1920, por sua vez, surgiram vários métodos de melhoramento vegetal envolvendo a combinação de características e fixação de genes de interesses em novas cultivares (processo muito lento, podendo levar uma década ou mais).
Descobriu-se a mutagênese em 1930, uma técnica que provoca alteração herdável, modificando a informação genética dos organismos. Porém, esta técnica apresenta vários fatores negativos agregados, como uso de agentes químicos com potencial mutagênico para provocar essas mutações, processo este de caráter aleatório e nem sempre benéfico para a planta. Este método foi muito utilizado entre 1960 e 1990, produzindo mais de 2 mil novas cultivares.
Vamos falar de biotecnologia moderna agora, né? Em 1960, com o advento da PCR e a descoberta de marcadores moleculares baseados na detecção de sequências de DNA, foi possível fazer a identificação do genótipo sem nenhuma influência do ambiente, o que permitiu, assim, a transferência de uma sequência de uma dada característica de um organismo para outro usando como ferramentas a engenharia genética e a biologia molecular.
Atualmente, com o desenvolvimento da bioinformática e das ciências “ômicas”, estão disponíveis, em bancos de dados, mapeamentos completos de DNA/RNA e proteínas traduzidas com as suas funções para facilitar o isolamento do gene desejado e sua inserção na planta hospedeira que se quer melhorar.
Abrindo um parêntese para maior esclarecimento, as ciências ômicas representam um conjunto de ciências que estudam integralmente algo, como a genômica, que estuda totalmente o genoma (conjunto de genes), transcriptômica para o transcriptoma (conjunto de RNA), proteômica para proteoma (conjunto de proteínas) e assim por diante (interatômica, metabolômica, metagenômica, epigenômica, lipidômica, alimentômica, secretômica, glicômica, dentre outras inúmeras ciências ômicas.
Voltando à “vaca fria”, por que melhorar as plantas? Para que levar a Biotecnologia à Lua? Melhorar as plantas permite uma maior resistência ao estresse abiótico como altas e baixíssimas temperaturas, seca e pragas.
Seguindo o nosso sonho de colonizar a Lua, o ambiente lunar é completamente diferente da Terra e hostil às espécies que se cultivam aqui. Além disso, o melhoramento vegetal objetiva o aumento do valor nutritivo das plantas, maior durabilidade pós colheita e uma melhor adaptação aos fatores edafoclimáticos. Numa possível colonização de outros espaços na Via Láctea, a biotecnologia não poderá ser deixada para trás. A biotecnologia dispõe das ferramentas necessárias para facilitar o melhoramento em espaços extraterrestres, podendo permitir uma melhor adaptação, resistência e desenvolvimento em solos alienígenas, ao contrário do que aconteceu com a missão chinesa.
E aí. o que vocês acham da participação da biotecnologia como um meio para possibilitar uma eventual colonização da lua ?