Os agrotóxicos surgiram na década de 1950 para serem usados no controle de insetos, plantas e doenças que causam prejuízo às plantações, objetivando a modernização da agricultura e aumento da sua produtividade.
No Brasil, em 1989, uma lei federal regularizou o termo “agrotóxico”, que é definido como “Produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos.” Recentemente, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mudou os critérios de classificação de risco dos agrotóxicos (somente estudos de toxicidade e mortalidade serão considerados para essa classificação)
Porém, ao longo dos anos, diversos estudos demonstraram que agrotóxicos trazem inúmeros prejuízos à saúde e ao meio ambiente. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), todos os anos ocorrem cerca de 200 mil mortes em decorrência da intoxicação por agrotóxicos, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Confira o que a literatura científica já relatou:
Riscos à saúde humana
O contato com agrotóxicos pode causar intoxicação. Somente no nordeste, entre 2000 a 2009, foram identificados 2.052 óbitos devido à intoxicação por agrotóxicos. Em 2014, outro estudo relatou a incidência de mortalidade por intoxicação por agrotóxicos em todos os estados brasileiros.
Além de estarem associados a diversas alterações celulares – que podem resultar em alguns tipos de câncer, como no cérebro, melanoma cutâneo, no sistema digestório, entre outros – a exposição materna aos agrotóxicos também foi associada a malformações congênitas e nascimentos prematuros.
Riscos para o meio ambiente
O meio ambiente também sofre com a exposição a esses compostos. Estudos destacam que agrotóxicos contaminam o solo e a água, além de alterarem a morfologia dos animais, prejudicando o ecossistema. Pesquisas brasileiras também relataram que agrotóxicos organoclorados foram encontrados em espécies de peixe na região Nordeste do país, assim como em lagos e rios urbanos de cidades com alta atividade agrícola (como Cascavel, no Paraná). Inclusive, alguns agrotóxicos usados na produção de soja foram encontrados até mesmo na água da chuva em algumas regiões do país!
Também foi encontrado o acúmulo de agrotóxicos, como o DTT, (Dicloro-Difenil-Tricloroetano) em peixes destinados ao consumo humano. Outros estudos detectaram níveis de agrotóxicos acima do limite máximo permitido em produtos como maçãs, morangos, laranjas e tomates cultivados no Brasil, indicando que a população está sendo diretamente afetada pelo uso excessivo desses compostos.
Brasil é líder na liberação de agrotóxicos
Em 2017 o Brasil consumiu 539,9 mil toneladas de agrotóxicos, à base de 329 princípios ativos, de acordo com o Ibama, o que nos deixa no topo do ranking de uso de agrotóxicos quando consideramos números absolutos. No ranking de uso por hectare plantado ficamos em 7º lugar e considerando o uso por volume de produção agrícola ficamos em 13ª. Nesses casos, é o Japão que lidera as estatísticas de consumo.
Até 14 maio de 2019, o governo brasileiro já havia liberado 169 agrotóxicos, o maior número já documentado pelo Ministério da Agricultura, e um índice maior do que o registrado em todo o ano de 2015. Desses 169 agrotóxicos registrados, 52% são cópias de princípios ativos já aprovados anteriormente.
Segundo o Greenpeace, 48% dos agrotóxicos aprovados no Brasil são considerados altamente ou extremamente tóxicos, e 25% deles não são permitidos na União Europeia. “O que a gente está vendo é que o Brasil acabou virando um depósito de agrotóxicos que são proibidos lá fora”, afirma Marina Lacôrte, especialista em agricultura e alimentação do Greenpeace.
Atualmente, um projeto de lei (conhecido como “pacote do veneno”) pretende reduzir de 8 para 2 anos o tempo de liberação de novos agrotóxicos, o que pode aumentar ainda mais a exposição da população a esses perigosos compostos. Diversos órgãos e entidades já se manifestaram contra esse projeto de lei, dentre eles Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, e a ANVISA. “Alertamos a sociedade brasileira para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste projeto de lei para a saúde pública”, afirma também a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Como a biotecnologia pode reduzir o uso (e os riscos) dos agrotóxicos?
Por meio da biotecnologia é possível criar novas estratégias que podem substituir o uso de agrotóxicos. Uma dessas alternativas é o uso de bioinseticidas, feitos à base de microrganismos ou derivados de plantas geneticamente modificadas (transgênicas). Os bioinseticidas não são tão nocivos como os agrotóxicos, pois se decompõem rapidamente e atuam repelindo insetos pelo odor liberado, sem causar danos ambientais e/ou humanos.
Outra forma de reduzir o uso de agrotóxicos é pela utilização de alimentos transgênicos. Um dos transgênicos mais conhecidos é o milho Bt, um milho geneticamente modificado, no qual são introduzidos genes da bactéria de solo, a Bacillus thuringiensis (Bt). Ao introduzir os genes dessa bactéria no milho, a planta passa a produzir uma proteína tóxica, tornando-se resistente a um grupo específico de insetos. Essa toxina é degradada no tubo digestivo humano e é nociva somente para os insetos (que possuem pH acima de 8 em seu tubo digestivo e não conseguem degradá-la). Com o cultivo do milho Bt, os agricultores reduzem o uso de agrotóxicos e, consequentemente, seus riscos à saúde humana e os custos de produção.
Outra alternativa biotecnológica está sendo estudada por pesquisadores da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estão desenvolvendo um método para remover o glifosato da água. O glifosato corresponde a um terço das 540 mil toneladas/ano de agrotóxicos usadas no Brasil e é classificado como potencialmente carcinogênico. A ideia dos pesquisadores é utilizar bactérias E. coli geneticamente modificadas com capacidade para digerir o glifosato e utilizá-lo no próprio metabolismo.
Essas bactérias seriam colocadas em boias, deixadas em locais contaminados. Agora o grupo de pesquisadores pretende envolver essas bactérias em um tipo de polímero que permita a passagem da água, mas que não permita a saída das bactérias. Dessa forma, esses filtros vivos são fixados a boias, limpando o agrotóxico da água enquanto flutuam. Por essa razão o projeto foi nomeado Glyfloat ( trocadilho entre “glifosato” e “flutuar” em inglês).
A biotecnologia possui um grande potencial para minimizar os riscos dos agrotóxicos. As pesquisas demonstram que os avanços biotecnológicos podem ser utilizados para reduzirmos o uso destes compostos, tornando o cultivo mais saudável, de baixo custo e sem riscos para a saúde humana e o meio ambiente. O investimento nas pesquisas e o apoio da população são fundamentais para mudarmos a atual realidade. Faça sua parte e divulgue essa ideia!
*Este texto representa as opiniões da autora, e não refletem necessariamente as opiniões do Profissão Biotec e demais membros
[Texto originalmente publicado em: 06/09/2019]
[Texto atualizado em: 17/10/2019, adicionando-se a informação “No ranking de uso por hectare plantado ficamos em 7º lugar e considerando o uso por volume de produção agrícola ficamos em 13ª. Nesses casos, é o Japão que lidera as estatísticas de consumo. ” e substituindo o título “Agrotóxicos: o perigo que ninguém vê” pelo subtítulo original do texto “Como a biotecnologia pode reduzir o uso (e os riscos) dos agrotóxicos.”