A biotecnologia está sendo fortemente impactada pelos avanços da Inteligência Artificial (IA), e não são pelas ferramentas do tipo ChatGPT e Gemini. Uma gama de ferramentas baseadas em algoritmos de IA e Machine Learning (ML) estão em desenvolvimento contínuo para auxiliar pesquisadores nas análises de grandes volumes de dados biológicos. Um medicamento que antes demorava por volta de 10 a 15 anos, agora pode ser desenvolvido em menos da metade deste período.
Ferramentas de IA conseguem analisar grandes conjuntos de dados para identificar alvos terapêuticos, prever a eficácia e toxicidade de compostos químicos e até projetar novas moléculas (área conhecida como desenho de fármacos), reduzindo assim custos e tempo de pesquisa. Há também a possibilidade do uso de ferramentas de IA no reposicionamento de medicamentos, buscando encontrar novas aplicações para fármacos já existentes, e até na produção de vacinas.
Já existem muitos casos de sucesso em que a IA acelerou o processo de desenvolvimento de fármacos, ajudou na solução de problemas de toxicidade de moléculas, bem como contribui com ferramentas de bioinformática para pesquisas biotecnológicas e com soluções de registros para pesquisas clínicas.
1. DSP-1181: O primeiro medicamento projetado por IA a entrar em testes clínicos de Fase I
O DSP-1181 foi um medicamento projetado para tratar Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), resultado da parceria entre as empresas Exscientia e Sumitomo Dainippon Pharma. A triagem dos compostos e os testes pré-clínicos foram concluídos em menos de 12 meses devido a utilização da plataforma de IA Centaur Chemist™ da Exscientia. O tempo de execução dessa etapa foi reduzido de 4 ou 5 anos para menos de 12 meses, permitindo que este tenha sido o primeiro medicamento desenvolvido com o auxílio de IA a entrar em testes clínicos no ano de 2020.
A plataforma de inteligência artificial foi utilizada para realizar uma varredura em bibliotecas de compostos químicos e selecionar moléculas com ação agonista ao receptor de serotonina 5-HT1A. Após esse procedimento, o DSP-1181 foi selecionado e testado em ensaios pré-clínicos, experimentos realizados em bancada e com animais de laboratório, gerando resultados promissores para um novo tratamento de TOC. Todavia, após os testes de Fase I, que são realizados em um pequeno grupo de pacientes, o estudo foi descontinuado em 2021 uma vez que os critérios esperados não foram atendidos nesta etapa.
2. Medicamento para fibrose pulmonar idiopática: primeiro a entrar em testes de Fase II
A empresa Insilico Medicine desenvolveu um medicamento para tratar a Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI) com o uso de IA Generativa. Esta empresa encontrou um novo alvo para o tratamento da doença por meio do PandaOmics, uma plataforma de IA para identificação de novos alvos biológicos. Nesse caso, o alvo identificado foi a serina/treonina quinase (TNIK).
Buscando encontrar uma molécula que interagisse com a proteína alvo TNIK, os pesquisadores utilizaram a plataforma de IA generativa Chemistry42 para projetar um inibidor. Dessa forma, uma pequena molécula capaz de inibir a enzima-alvo foi identificada e nomeada como INS018-055.
Foi necessário um período de apenas 18 meses para concluir toda a fase de estudos pré-clínicos, desde a seleção das moléculas até os testes in vivo. Atualmente, a pesquisa clínica de Fase II está em andamento em pacientes adultos com FPI, tendo seu início em meados de 2023 e com previsão de término em 2026.
3. Terbinafina: Compreendendo a toxicidade com a ajuda da IA
A terbinafina é um medicamento antifúngico que, em alguns pacientes, pode produzir uma toxina no fígado, conhecida como TBF-A, a qual está relacionada à hepatotoxicidade. Para desvendar as vias metabólicas que formavam a TBF-A, pesquisadores aplicaram técnicas computacionais e de aprendizado profundo (Deep Learning), bem como experimentos de bancada para chegar ao resultado final das vias de produção da toxina.
Desta forma, eles foram capazes de entender como a toxina era produzida e desenvolver estratégias eficazes para evitar que a hepatotoxicidade ocorresse nos pacientes suscetíveis. Assim, os médicos monitoram de perto a potencial toxicidade durante o tratamento, garantindo a segurança dos pacientes.
4. Ferramentas de IA usadas em pesquisas biotecnológicas
Um dos mais famosos programas para prever com precisão a estrutura tridimensional de proteínas é o AlphaFold2 (AF2). Este programa, assim como o ESMFold e o RoseTTAFold, foram projetados utilizando abordagens computacionais baseadas em IA e Machine Learning (ML). Dessa forma, pesquisadores têm utilizado essas ferramentas para compreender e estabelecer a estrutura tridimensional de proteínas de acordo com sua sequência de aminoácidos.
Um grupo de pesquisadores de Singapura utilizou o programa AF2 para predizer a estrutura tridimensional do Domínio Transmembrana (TMD) da proteína E, localizada no envelope de diferentes espécies de Coronavírus. Eles conseguiram obter dois modelos estruturais desta região, os quais foram condizentes com os experimentos de bancada realizados para confirmar a predição do programa. É importante ressaltar que o domínio TMD da proteína E forma canais iônicos nas células hospedeiras, sendo assim um importante alvo terapêutico, uma vez que a atividade do canal é um fator de virulência.
5. Rebec@: primeira IA generativa do mundo aplicada para registro de pesquisas clínicas
Rebec@ é um chatbot generativo lançado por pesquisadores brasileiros da Fiocruz, cujo objetivo é auxiliar os pesquisadores a registrar pesquisas clínicas de acordo com a Plataforma Internacional de Registros de Ensaios Clínicos (ICTRP) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta IA está inserida na plataforma do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC) da Fiocruz e está disponível ininterruptamente, tornando o atendimento aos pesquisadores mais facilitado.
Seus serviços incluem responder dúvidas sobre documentações, prazos para submissão de registros, regras de aprovação, tipos de estudos, e ainda pode identificar pesquisas prioritárias para uma revisão acelerada. Futuramente, Rebec@ será treinada para ser uma assistente em tempo real, auxiliando os pesquisadores no momento do preenchimento do registro de pesquisas clínicas, tornando o processo de aprovação mais rápidos.
Perspectivas futuras
Apesar do grande potencial da IA na biotecnologia, há diversos desafios que ainda precisam ser superados, como a qualidade e disponibilidade de dados biológicos, padronização e anotação correta de sequências do genoma e proteoma. Tais pontos são cruciais para que se obtenha resultados verídicos a partir de programas baseados em IA. Há também questões éticas e regulatórias que precisam ser consideradas, principalmente com relação a privacidade dos dados e segurança dos pacientes.
No entanto, o avanço das tecnologias e da Inteligência Artificial, bem como a colaboração entre pesquisadores de diferentes áreas, permitem avanços significativos em pesquisas voltadas para a descoberta de novos medicamentos, terapias personalizadas e otimização de processos biotecnológicos.

Cite este artigo:
OLIVEIRA, E. P. A inteligência artificial acelera pesquisas biotecnológicas: 5 casos de sucesso. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 12, 2025. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/a-inteligencia-artificial-acelera-pesquisas-biotecnologicas-5-casos-de-sucesso>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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Fonte da imagem destacada: imagem gerada por Inteligência Artificial (ChatGPT), 28/03/2025.