Quando menos se espera, ela aparece, após um dia intenso e estressante, uma noite mal dormida ou até mesmo em resposta às fragrâncias de certos perfumes. A temida enxaqueca é uma doença multifatorial, podendo ser provocada por uma série de gatilhos internos ou externos e afeta a qualidade social, econômica e emocional de quem sofre desse mal.
No mundo, a enxaqueca afeta pelo menos 1 bilhão de pessoas, e no Brasil, cerca de 15% da população, equivalente a 31 milhões de brasileiros. O grupo mais afetado é o feminino, em que uma em cada cinco mulheres sofre desse mal, contra um em cada 20 homens. A maioria na faixa etária dos 25 aos 45 anos, mas as crianças também não ficam de fora: 3 a 10% desse grupo são acometidos pela doença.
Mas o que é a enxaqueca?
A enxaqueca é um distúrbio neurovascular crônico, no qual a pessoa já nasce com uma predisposição genética, quase sempre herdando de seus pais e, ao contrário do que muitos pensam, ela não é resultado de uma dieta. Entre seus sintomas mais característicos estão os pulsos de dor que ocorrem, principalmente, de um dos lados da cabeça, perto das têmporas, e que podem durar de 4 a 72 horas.
Toda dor tem um motivo para existir, uma vez que é o sinal emitido pelo corpo quando algo está errado, por exemplo, uma infecção, um corte ou uma queimadura. Normalmente, o processo de dor ocorre quando nosso corpo, frente a um estímulo nocivo, inicia os processos de transdução, transmissão e modulação de sinais neurais através de uma rede de neurônios que chegam até córtex cerebral. O cérebro então emite o sinal de dor e desencadeia alterações no corpo para lidar com a situação.
No caso da dor da enxaqueca, o que ocorre é um alarme falso que o organismo emite, pois neste caso não há um motivo para a dor existir nem um problema de saúde de fato. Ou seja, nosso cérebro passa a dar atenção a sinais errôneos!
Estudos
Diversos são os estudos sobre o que realmente acontece durante as crises de enxaqueca, quais medidas podem evitar que organismo emita esse sinal de dor e, com isso, dar fim às terríveis crises que costumam incluir náuseas e vômitos, sensibilidade excessiva a estímulos corriqueiros como luz, cheiros e sons.
Ao longo dos últimos 200 anos, acreditava-se que a chave para a enxaqueca estava relacionada a vasos sanguíneos que se expandiam e provocavam a sensação de pulsar na área das têmporas. Nos anos 1990, com o avanço em exames de ressonâncias, foi verificado que veias e artérias, durante as crises, pouco se alteravam.
Os neurocientistas Susan Amara e Michael Rosenfeld, da Universidade da Califórnia, em San Diego, EUA, estudando sobre um hormônio da tireóide (calcitonina) descobriram que o mesmo gene que codifica esse hormônio também produz um peptídeo diferente em outra parte do cérebro, o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP).
Em seguida, os pesquisadores Goadsby e Edvinsson também estudaram sobre o assunto e testaram uma gama de moléculas cerebrais de pacientes com a doença. Os resultados encontrados demonstraram que o CGRP foi o único peptídeo liberado significativamente, o qual era abundante nas vias cerebrais que processam a dor e nas regiões do cérebro que regulam o fluxo sanguíneo. Assim, eles descobriram que o CGRP, quando liberado pelo nervo trigêmeo e ao se ligar ao seu receptor específico, é um potente vasodilatador dos vasos sanguíneos cerebrais, mas ele por si só não causa enxaqueca, é necessário que o cérebro seja sensível aos efeitos do peptídeo.
Uma possível solução
Tendo como base todo esse conhecimento sobre a molécula, muitas empresas começaram a investir em medicamentos para solucionar essa dolorosa doença. Entre eles está o uso de anticorpos monoclonais sintéticos para reconhecer moléculas de CGRP. O anticorpo é bem específico e se liga ao receptor do peptídeo CGRP, bloqueando a ligação receptor-CGRP. Dessa maneira, a molécula de CGRP não se liga ao receptor e o sinal de dor não é gerado, não desencadeando as crises e quebrando o ciclo de dor, de forma a causar poucos efeitos colaterais.
Os resultados foram promissores, o número de crises caiu no mínimo 50% em pouco mais da metade das pessoas que participaram dos testes clínicos e 15% dos pacientes se enquadraram como “super-respondentes”, ou seja, desde a primeira dose dos remédios as crises desapareceram completamente e não voltaram pelos seis meses seguintes.
Na Europa e EUA foram liberados 4 anticorpos: erenumabe, galcanezumabe, eptinezumabe e fremanezumabe. Eles são medicamentos injetáveis e administrados pelo próprio paciente, uma vez ao mês. No Brasil, a Anvisa, órgão de regulação de saúde do Brasil, aprovou em 25 de março de 2019 o erenumabe, cuja comercialização será feita pela Novartis.
Muitos estudos e avanços nas pesquisas ainda são necessários para colocar fim à enxaqueca, mas pela primeira vez existem remédios especificamente pensados para esse problema, que oferecem um resultado rápido e efeitos colaterais desprezíveis.
Para os enxaquecosos é uma notícia maravilhosa a se comemorar! Menos preocupação com dores, menos remédios, menos crises, mais dias produtivos no trabalho e melhor qualidade de vida para quem sofre desse mal. E você, gostou de saber mais sobre o assunto? Deixe aqui seu comentário e compartilhe com seus amigos!
REFERÊNCIAS
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SCIENCE. FDA just approved the first drug to prevent migraines. Here’s the story of its discovery—and its limitations. 2018. Disponível em: https://www.sciencemag.org/news/ 2018/05/will-antibodies-finally-put-end-migraines. Acesso em: 21 mai. 2019.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CEFALEIA. Nova Era No Tratamento para Enxaqueca, os anticorpos monoclonais anti-CGRP. 2018. Disponível em: https://sbcefaleia.com.br/ noticias.php?id=412. Acesso em: 24 mai. 2019.
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