Inicialmente, a relação entre “biotecnologia e arco-íris” pode parecer desconexa, mas considerando que a biotecnologia é uma área que estuda a vida e seus processos, podemos entender as aplicações indiretas na compreensão do fenômeno do arco-íris.
Para assimilar como o arco-íris se forma, é necessário compreender o comportamento da luz quando passa por um meio refratário, como a água. Quando a luz branca do Sol atravessa uma gota de água, ocorre a refração da luz, desviando-a em diferentes ângulos de acordo com sua frequência. Isso resulta na separação das sete cores componentes da luz: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, formando o arco-íris.
Entendendo o que é a cor
A percepção de cor é mediada por células especiais do olho humano chamadas cones, que contêm pigmentos sensíveis a diferentes comprimentos de onda da luz visível. Existem três tipos de cones que são sensíveis às luzes vermelha, verde e azul. A combinação de sinais desses cones permite que o cérebro crie a percepção de uma grande variedade de cores.
A luz solar, apesar de visualmente branca, é composta por uma combinação de todas as sete cores do arco-íris, que representam o espectro visível. Para compreender melhor esse fenômeno, é necessário entender o que é a cor, ou a sensação de cor. Podemos definir a cor como a sensação que a luz refletida ou absorvida pelos objetos produz nos nossos olhos. No intervalo do espectro eletromagnético que corresponde à luz visível, cada frequência equivale à sensação de uma cor. À medida que a frequência aumenta, o comprimento de onda diminui.
Sabe quando o Sol brilha na chuva e aparece um arco-íris colorido no céu? Isso acontece porque a luz solar é “dividida” quando entra nas gotas de água na atmosfera. Isso se chama refração e faz com que a luz seja desviada em diferentes ângulos, dependendo da frequência, gerando cor. É por isso que conseguimos ver as cores vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta no arco-íris. Em suma, o que irá resultar neste efeito multicolorido do arco-íris é a refração da água, e é ela que podemos relacionar com o campo da biotecnologia.
Microalgas: uma biofábrica de pigmentos
As plantas desempenham papel fundamental na coloração do mundo, exibindo diversas cores em suas flores e dominando o verde das florestas. Assim como as plantas superiores, as microalgas produzem clorofila, um pigmento verde que é essencial para o seu metabolismo. Devido à sua capacidade de sintetizar grande variedade de pigmentos, as microalgas são uma fonte sustentável e renovável de corantes naturais que encontram várias aplicações na indústria.
Dunaliella salina
Um exemplo da habilidade da biotecnologia em brincar com as cores é a Dunaliella salina e seu mundo cor-de-rosa. A capacidade de síntese de betacaroteno pela D. salina é tão alta que seus habitats podem mudar completamente de cor, como no caso do Lago Hillier, na Austrália. Devido à sua elevada salinidade, que favorece o crescimento de D. salina, o lago apresenta uma tonalidade rosa.
Este pigmento é utilizado em diversas aplicações, como em suplementos nutricionais, cosméticos e alimentos. Neste ponto, a produção de betacaroteno pela D. salina surge como alternativa viável e sustentável em relação a outras fontes naturais deste composto, como a cenoura e o mamão, cuja produção resulta em uma grande pegada de carbono. Além disso, ao contrário dessas outras fontes, o cultivo da Dunaliella não compete por espaço com o agronegócio, além de permitir o uso de cultivos verticais que otimizam o espaço disponível. Ainda, os cultivos de Dunaliella utilizam meios de cultivo baratos e que conseguem assimilar o gás carbônico atmosférico, contribuindo assim para a melhoria da qualidade do ar.
Para realizar a produção em larga escala, a Dunaliella salina é cultivada em sistemas abertos ou fechados, com um meio de cultura salino e temperatura, luz e pH controlados para garantir as melhores condições de crescimento. Após a fase de crescimento, é possível extrair o betacaroteno. Entretanto, a produção dessa substância pela Dunaliella salina ainda enfrenta desafios técnicos e econômicos, como a otimização dos processos de cultivo e extração do composto, além da competição com outras fontes de betacaroteno no mercado. Portanto, é necessário melhorar a eficiência do processo para torná-lo mais econômico e competitivo.
Spirulina
A Spirulina é uma microalga amplamente estudada e utilizada em diversos campos devido à sua alta capacidade de produzir uma ampla gama de compostos biologicamente ativos, incluindo pigmentos. Entre eles, destaca-se a ficocianina, um pigmento azul natural com diversos benefícios para a saúde. A produção de ficocianina pela Spirulina é um processo relativamente simples e pode ser realizado em escala industrial. A ficocianina é solúvel em água e é produzida pela Spirulina em resposta a vários estímulos, como a presença de luz, nutrientes e estresse oxidativo. Dessa forma, é possível controlar os fatores de cultivo para obter uma produção otimizada de ficocianina pela Spirulina, de forma simples.
Existem várias maneiras de produzir ficocianina a partir da Spirulina, como o cultivo controlado em condições adequadas, a produção em biorreatores e a extração usando diferentes técnicas. O cultivo controlado envolve um meio nutritivo, iluminação adequada e pH controlado para obter alta produção. Os biorreatores permitem o controle rigoroso de fatores como temperatura, pH, oxigênio dissolvido e agitação, o que leva a uma produção constante e escalável. A extração de ficocianina é importante para obter o pigmento puro para uso em alimentos e suplementos alimentares e pode ser realizada com solventes, ultrassom ou extração supercrítica.
Por fim, podemos entender como um arco-íris pode ser tão deslumbrante e vibrante. A resposta está na física da luz e da refração, e, agora, graças à biotecnologia, podemos criar materiais e pigmentos incríveis e ainda sustentáveis, tudo isso inspirado em um dos fenômenos mais belos da natureza. A partir da compreensão de como as diferentes frequências da luz se separam e se combinam para criar as cores que enxergamos, é possível criar pigmentos naturais e não tóxicos que podem ser usados em uma ampla variedade de produtos, desde alimentos e cosméticos até tintas e tecidos. É incrível como a ciência pode ser aliada à sustentabilidade para trazer mais beleza e cor ao nosso mundo, sem prejudicar o meio ambiente ou a saúde das pessoas.
Cite este artigo:
LEAL, G. C. Arco-íris e biotecnologia: a busca por materiais e pigmentos sustentáveis e vibrantes. Revista Blog do Profissão Biotec. V. 10, 2023. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/arco-iris-biotecnologia-busca-materiais-pigmentos-sustentaveis-vibrantes>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
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