Você sabia que as bactérias da pele podem atrair ou repelir mosquitos?

Você sabia que bactérias da microbiota da nossa pele podem influenciar a atrair ou repelir mosquitos?

Existem fatores físicos e substâncias químicas que emanam da pele humana que, junto com a diversidade de espécies de microrganismos que temos na pele, influencia o grau de atração dos mosquitos, potenciais transmissores de doenças como a dengue e malária na América Latina. 

 Microbiota da pele e principais bactérias residentes

Na superfície da pele existe um ecossistema onde coexistem diferentes microrganismos considerados grandes aliados para a sobrevivência humana, já que um desequilíbrio em sua população pode favorecer o crescimento de alguns tipos de bactérias causadoras de doenças. O conjunto de microrganismos e suas informações genéticas é denominado microbioma e o conjunto de microrganismos em um ambiente delimitado é denominado microbiota.

Existem dois tipos de microbiota na pele: a residente e a transitória. O primeiro tipo refere-se aos microrganismos que estão comumente presentes, enquanto o transitório descreve aqueles que são apenas encontrados na pele por horas ou dias. A maioria dos microrganismos são comensais, ou seja, se beneficiam sem causar danos ao ser humano e uma minoria é mutualista, assim denominada porque tanto humanos quanto microrganismos obtêm benefício (simbiose).

Tipos de microbiota que habitam a pele. Imagem produzida pelos autores e traduzida por Caroline Salvati.

 

A microbiota residente é composta por 90% de Staphylococcus epidermidis e principalmente bactérias corineformes, estafilococos, micrococos e algumas Gammaproteobactérias. A maioria das bactérias residentes são comensais, no entanto, algumas do grupo Gammaproteobacterias podem ter potencial patogênico, principalmente Acinetobacter spp., Enterobacter spp. e Pseudomonas spp.

Ao contrário da microbiota residente, a microbiota transitória é composta principalmente por bactérias gram positivas, como cocos e estreptococos. Essas bactérias não representam risco, desde que haja higiene adequada, resposta do sistema imunológico normal e uma função correta da barreira cutânea. Em menor grau, estão presentes Escherichia coli e Salmonella spp. que têm potencial patogênico.

 A microbiota pode influenciar na atração de mosquitos

A combinação de microrganismos na pele pode influenciar o grau de atração de um mosquito por seu hospedeiro. Alguns estudos identificaram espécies de bactérias que se correlacionam com o grau de atração, porém, a variabilidade na composição da microbiota depende de fatores como: idade, sexo, topografia da pele (dobras, fossas e cavidades), predomínio de sebo – áreas produtoras ou secas, umidade, doenças de pele e higiene.

Além disso, a orientação e a aterrissagem dos mosquitos são afetadas por sinais físicos (temperatura, umidade, suor e sinais visuais) e por sinais químicos (gases liberados da pele) do próprio hospedeiro, incluindo a liberação de dióxido de carbono ao respirar e o odor.

Os mosquitos são organismos importantes na transmissão de patógenos capazes de produzir doenças, como dengue, febre amarela e malária. Esses agentes também utilizam outros animais como vetores, ou seja, como meio de transmissão para infectar um hospedeiro, neste caso o humano.

Cientistas holandeses da Universidade de Wageningen demonstraram que os microorganismos que habitam a pele influenciam o quanto certos indivíduos são atrativos para o mosquito africano transmissor da malária, Anopheles gambiae. Os resultados obtidos foram os seguintes:

  • Indivíduos que são altamente atraentes para A. Gambiae têm maior abundância, mas menor diversidade de bactérias na pele. Ou seja, poucas espécies de bactérias dominam.
  • O mosquito An. Gambiae é atraído por indivíduos nos quais se observa grande abundância de Staphylococcus spp., devido aos compostos voláteis que produz.
  • Indivíduos que não eram “atraentes” para An. Gambiae estão relacionados à presença da bactéria Variovorax spp., e têm uma abundância maior de Pseudomonas spp.

Esses resultados podem indicar que ter uma maior diversidade de microrganismos na pele reduz a atração do mosquito devido ao efeito de compostos voláteis variados. Da mesma forma, os resultados sugerem que as bactérias Pseudomonas spp. e Variovorax spp.:

  • Convertem alguns dos compostos atraentes produzidos por outras bactérias em compostos repelentes.
  • Modulam outras bactérias de forma a evitar a emissão de compostos atrativos.
  • Produzem compostos que repelem An. Gambiae ou mascaram o efeito de compostos voláteis atraentes que emanam da pele humana.

Da mesma forma, ao comparar as bactérias que fazem parte da microbiota residente e transitória, com as bactérias que produzem compostos repelentes voláteis (Pseudomonas spp) e compostos atrativos para An. Gambiae (Staphylococcus spp), fica claro que as bactérias capazes de atrair ou repelir esse mosquito fazem parte da microbiota residente.

Em outro estudo foi demonstrado que existem compostos químicos emanados pelo homem que influenciam no grau de atração do Aedes aegypti, mosquito transmissor de doenças como dengue, Zika e Chikungunya. Os compostos emitidos pelos indivíduos e que repelem A. aegypti são: benzaldeído, 6-metil-5-hepten-2-ona, octanal, nonanal, naftaleno, decanal e geranil acetona.

Os resultados acima são valiosos para o desenvolvimento de estratégias novas e eficazes para diminuir as picadas desse mosquito vetor de doenças. Na América Latina, o vírus da dengue é transmitido pelo A. aegypti, sendo um problema prioritário de saúde pública por ser uma doença endêmica, ou seja, atinge de forma permanente essas regiões geográficas.

Somente em 2019, mais de 3 milhões de casos de dengue foram registrados na América Latina. Além disso, enfrentamos atualmente um panorama epidemiológico complexo devido à circulação de outras doenças transmitidas por vírus como o sarampo e a COVID-19, que podem resultar em um fenômeno denominado sindemia (quando duas ou mais epidemias ocorrem simultaneamente).

Doenças transmitidas por picadas de mosquitos. Imagem produzida pelos autores e traduzida por Caroline Salvati.

Técnicas para estudo e identificação da microbiota da pele

Graças aos avanços tecnológicos, é possível entender melhor a complexidade da microbiota da pele. A seguir, descrevemos três técnicas utilizadas para o estudo de bactérias múltiplas em uma única amostra: cultura microbiana, metagenômica e metabarcoding.

Principais técnicas para o estudo do microbioma. Imagem produzida pelos autores e traduzida por Caroline Salvati.

A cultura microbiana é talvez a técnica mais tradicional em microbiologia, na qual são fornecidas as condições e nutrientes necessários para o crescimento bacteriano e sua posterior identificação morfológica. Sua principal desvantagem está na impossibilidade de cultivar cerca de 99,8% dos microrganismos que habitam a natureza, razão pela qual tem sido substituída ou alternada com técnicas mais novas que não requerem cultivo.

O metabarcoding permite a identificação de um grande número de microrganismos em uma única amostra, a partir do sequenciamento do gene que codifica a subunidade 16S do RNA ribossomal (rRNA), mais conhecido como alvo universal para identificação bacteriana por estar presente em todas as bactérias e arqueias.

A classificação biológica baseada no gene 16S rRNA é a mais utilizada e é obtida comparando os fragmentos de DNA da amostra com sequências de referência em bancos de dados públicos, como o SILVA, combinando ecologia, métodos moleculares e bioinformática.

A metagenômica, ao contrário do metabarcoding, realiza uma comparação taxonômica e funcional do DNA total obtido de amostras coletadas em um ambiente específico, contra bancos de dados de genomas completos. A vantagem da metagenômica é que ela permite construir genomas completos quando você tem uma boa cobertura e vários fragmentos que mapeiam (correspondem) ao genoma de uma espécie próxima. Isso permite que novas espécies sejam identificadas e bancos de dados expandidos.

O aumento da incidência de doenças transmitidas por vetores leva à revisão de informações científicas para entender melhor a atração dos mosquitos para certas pessoas mais do que outras. O estudo da relação entre a microbiota da pele e a atração por mosquitos pode gerar soluções inéditas e de baixo custo para a prevenção e controle dessas doenças de alta incidência nos trópicos. 

Cite este artigo:
González-Melgoza, Luisa Loreti; Loeza, Andrea S.; Martínez-Villalobos, Paulina S.; Molina-Aguilar, Christian ; Moguel, Barbara B.. Você sabia que as bactérias da pele podem atrair ou repelir mosquitos?. Revista Blog do Profissão Biotec, v.8, 2021. Disponível em: < https://profissaobiotec.com.br/bacterias-pele-atrair-repelir-mosquitos/>, Acesso em: dd/mm/aaaa

Artigo traduzido por Caroline Salvati e revisado por Natália Videira.

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Imagem de mika mamy por Pixabay

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