Bacteriófagos podem ser aplicados em diferentes áreas e se tornaram foco de estudos contra bactérias super-resistentes.

O potencial biotecnológico dos bacteriófagos tem sido estudado e aplicado em diferentes áreas do conhecimento. Estudos recentes utilizam estes vírus para complementar protocolos de tratamento contra infecções hospitalares causadas por superbactérias. Além da medicina, a  versatilidade dos bacteriófagos permite que estes sejam aplicados na agricultura, indústria de alimentos e em pesquisas, como vetores para clonagem genética. 

Neste texto, você conhecerá mais sobre este tipo de vírus e sua aplicação nas áreas agrícola, da saúde e de alimentos.

O que são bacteriófagos?

Bacteriófagos, também conhecidos como fagos, são vírus que parasitam bactérias, fazendo uso do processo de replicação desses microrganismos para se multiplicarem. A estrutura do fago é simples, pois contém o capsídeo proteico ou lipoproteico, no qual fica armazenado o genoma viral (DNA ou RNA), o pescoço e a bainha, seguidos da placa basal que conecta as fibras da cauda. Essa estrutura permite que o vírus se acople na parede celular da bactéria e injete seu material genético para dentro da célula hospedeira.

A estrutura do fago.
A estrutura do fago. #ParaTodosVerem: estrutura viral contendo o capsídeo na cor vermelha, seguido do “pescoço” em lilás e da bainha representada em uma estrutura retorcida em azul, placa basal em vermelho e seis fibras da cauda em lilás usadas para o vírus se fixar na bactéria. Adaptado de Freepik.

Ao se depararem com uma bactéria, esses organismos  considerados parasitas intracelulares obrigatórios, injetam o material genético em seus hospedeiros e tomam o controle da célula parasitada para replicar seu genoma viral, a fim de construir novos vírus

Assim que terminam a multiplicação, os fagos formados ocasionam a lise da bactéria por meio da endolisina, uma molécula capaz de romper a parede celular. Este ciclo de vida geralmente caracteriza fagos líticos, ou seja, virulentos. O ciclo de vida lítico chama a atenção de cientistas, principalmente quando o objetivo das pesquisas está focado em desenvolver novos antibióticos contra superbactérias (bactérias resistentes a diversos antibióticos).

Outra forma de continuarem passando seu material genético adiante, é por meio do ciclo de vida lisogênico, que se caracteriza pela integração do genoma viral ao cromossoma bacteriano, ou ao plasmídeo, passando a ser chamado de prófago. Assim, por meio de sua reprodução, a bactéria replica também as informações genéticas do fago até o momento que condições favoráveis ativam a replicação deste.

Ciclos de vida de bacteriófagos
Ciclos de vida de bacteriófagos: A) Ciclo lítico: o vírus se liga à parede celular da bactéria, injeta seu material genético e a síntese de novos vírus se inicia, e quando finalizado, ocorre a lise da parede celular e liberação dos novos fagos. B) Ciclo lisogênico: os fagos injetam o genoma viral na célula, o qual se integra ao cromossoma bacteriano, replicando como prófagos, até o momento que o ciclo lítico pode ser ativado devido às condições ambientais. Fonte: adaptado de VENTURINI et al., 2022.

Breve histórico da descoberta dos fagos

Estudos utilizando os bacteriófagos como bactericidas foram iniciados há 100 anos. Um médico inglês chamado Frederick Twort encontrou em suas culturas de bactérias em placas de Petri um comportamento diferente do esperado. Áreas que tinham colônias de bactérias estavam se tornando transparentes ao longo dos dias, indicando morte celular. Ele suspeitou que poderiam ser fagos, porém descartou a hipótese e desistiu do estudo que estava conduzindo.

Foi então que Félix d’Herelle afirmou que tais observações eram realmente bacteriófagos, após verificar o mesmo padrão de áreas transparentes e células bacterianas mortas se formarem em suas colônias.

Em 1921, o pesquisador brasileiro da Fiocruz, José da Costa Cruz iniciou testes de fagoterapia em humanos, para tratar surtos de disenteria. A fagoterapia é uma técnica que utiliza os bacteriofagos para tratar doenças infecciosas causadas por bactérias. Todavia, as pesquisas perderam força após a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, em 1928, e com o cenário da guerra não houve avanços em pesquisas voltadas para o uso de bacteriófagos como antimicrobianos. Já no século XXI, essa espécie de vírus voltou a chamar a atenção dos cientistas, devido ao potencial bactericida de enzimas e toxinas que esses organismos de vida intracelular obrigatória são capazes de produzir.

Versatilidade de aplicação dos bacteriófagos

Os bacteriófagos possuem grande versatilidade para serem estudados e aplicados em diferentes áreas: na medicina, para eliminar bactérias super-resistentes causadoras de infecções; na agricultura, com pesquisas relacionadas ao uso de enzimas líticas; na indústria alimentícia, para eliminar bactérias contaminantes e patogênicas.

  1. Medicina

Esses vírus possuem um grande potencial para serem utilizados como alternativa para os antibióticos convencionais, que são ineficazes contra superbactérias. Diversos estudos de fagoterapia têm focado no processo de co-adaptação fago-bactéria, para que terapias fágicas bem sucedidas possam ser desenvolvidas e utilizadas contra bactérias super-resistentes.

Um caso de ceratite intersticial (infecção ocular) causada por Staphylococcus aureus super-resistente apresentou sucesso no tratamento quando o uso de antibióticos foi combinado a aplicação tópica de um fago específico contra a bactéria. A doença persistia por 11 anos, e quando houve a inclusão da fagoterapia no tratamento que durou quatro semanas, constatou-se que as culturas oculares e nasais foram negativas para a presença da bactéria, inclusive após seis meses do tratamento.

  1. Alimentícia

Um biofármaco em desenvolvimento pela Embrapa Suínos e Aves, possui em sua composição fagos cujo alvo são salmonelas. A proposta é adicionar o produto   na água que as aves consomem, para diminuir a presença de Salmonella em seus intestinos. Dessa forma, há a diminuição do uso de antibióticos no setor de avicultura e consequente redução do surgimento de bactérias super-resistentes. O uso desse biofármaco poderá impactar positivamente na diminuição de casos de Salmonelose em humanos causadas por carnes de frango contaminadas.

  1. Agricultura

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveram um composto bioativo contendo nanopartículas de prata e endolisina. As nanopartículas de prata possuem ação antimicrobiana, e a endolisina é uma enzima que os bacteriófagos produzem, responsável por causar a lise da parede celular bacteriana. Este composto foi produzido com o intuito de aplicação em hortaliças e uso no processo de pasteurização de laticínios, para eliminar a bactéria Bacillus cereus, grande causadora de intoxicações alimentares.

Portanto, os bacteriófagos possuem características interessantes que, por meio da biotecnologia, podem ser transformados em produtos benéficos para a sociedade e ao meio ambiente. Há diversos estudos que exploram seu potencial, seja para controlar e combater o surgimento de novas superbactérias ou como ferramentas biotecnológicas, no desenvolvimento de novas metodologias de estudo e de biofármacos.

Texto revisado por Sthefany Lacerda e Fabiano Abreu

Cite este artigo:
OLIVEIRA, E. P. Bacteriófagos: Vírus com potencial de combater superbactérias. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 11, 2024. Disponível em: <>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

REFERÊNCIAS

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VENTURINI, Carola; FABIJAN, Aleksandra Petrovic; LUBIAN, Alicia Fajardo; BARBIRZ, Stefanie; IREDELL, Jonathan. Biological foundations of successful bacteriophage therapy. Embo Molecular Medicine, [S.L.], v. 14, n. 7, p. 1-20, 27 maio 2022. Springer Science and Business Media LLC. Disponivel em: <http://dx.doi.org/10.15252/emmm.202012435>. Acesso em: 21/04/2024.
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