O bio-hidrogênio, molécula produzida a partir de reações bioquímicas microbianas, é uma fonte de energia limpa e pouco poluente.

Preocupações com o aumento da poluição e com as mudanças climáticas, assim como a busca por alternativas aos combustíveis fósseis, têm levado à exploração de fontes “limpas” de energia.

Nesse cenário, o bio-hidrogênio surge como uma promessa: um combustível renovável e cuja produção gera pouquíssimos impactos ao meio ambiente em comparação às fontes energéticas tradicionais.

O que é o bio-hidrogênio e quais suas vantagens?

O hidrogênio gasoso (H2) apresenta elevado poder calorífico, isto é, pode gerar grande quantidade de energia por unidade de massa. Também é uma molécula que pode ser utilizada como combustível “limpo” e pouco poluente, porque a sua combustão gera apenas água como resíduo.

Os átomos de hidrogênio (H) são constituintes de muitas substâncias. Se considerarmos as substâncias orgânicas, por exemplo, o hidrogênio é frequentemente o elemento mais abundante na sua composição. Porém, na forma molecular (H2), que é a utilizada como fonte de energia, o hidrogênio é raramente encontrado na natureza. Dessa forma, precisa ser produzido ou derivado de algum processo.

O hidrogênio molecular pode ser produzido a partir de alguns processos químicos dependentes de combustíveis fósseis, como a gaseificação do carvão ou a reforma do metano. O problema é que, além do H2, são produzidos também gases associados às mudanças climáticas, como o dióxido de carbono (CO2). Outro método para a produção do hidrogênio é a eletrólise da água. Nele, moléculas de água são “quebradas” em oxigênio (O2) e H2 a partir da passagem de corrente elétrica. Apesar de menos poluente que os processos anteriores, a eletrólise consome grande quantidade de energia, que pode, por sua vez, ser derivada de combustíveis não renováveis e, portanto, aumentar o impacto ambiental associado à produção do H2.

O bio-hidrogênio, por outro lado, é o H2 produzido a partir de reações bioquímicas realizadas por microrganismos. Ele é considerado mais “limpo” que o H2 produzido por reações químicas, pois gera menos poluentes e consome menos energia.

Como é produzido o bio-hidrogênio?

Há três principais bioprocessos para a produção do bio-hidrogênio: a biofotólise, a eletrólise microbiana e a fermentação.

1 – Biofotólise direta e indireta

A biofotólise é um processo dependente da luz em que microalgas e cianobactérias especializadas utilizam a energia luminosa para “quebrar” moléculas de água e produzir H2. A biofotólise pode ser classificada em direta ou indireta.

Na biofotólise direta, os microrganismos realizam a produção simultânea de H2 e O2 a partir da água, durante a fotossíntese e na presença de luz, conforme a equação:

2H2O + luz → 2H2 + O2

Apesar das vantagens, como o fácil cultivo dos microrganismos associados, a biofotólise direta apresenta limitações, como a necessidade de luz e a produção da mistura de H2 e O2, que é potencialmente explosiva.

Por sua vez, na biofotólise indireta, a produção de H2 e O2 ocorre em etapas separadas e há reações intermediárias até a produção de H2. Na primeira fase, os microrganismos realizam a fotossíntese, convertendo CO2 e água em compostos orgânicos e O2 na presença de luz. A seguir, as substâncias orgânicas produzidas anteriormente são degradadas e resultam, finalmente, na produção de H2 e outras substâncias. As reações associadas à biofotólise indireta são apresentadas a seguir.

6H2O + 6CO2 + luz → C6H12O6 + 6O2

C6H12O+ 2H2O → 4H2 + 2CH3COOH + 2CO2

2CH3COOH + 4H2O + luz → 8H2 + 4CO2

Reação global: 12H2O + luz → 12H2 + 6O2

2 – Células de eletrólise microbiana

Em uma célula de eletrólise microbiana (CEM), bactérias eletroquimicamente ativas (aquelas capazes de liberar ou receber elétrons) convertem substratos orgânicos a CO2, elétrons (e) e prótons (H+). Uma CEM é composta, basicamente, de dois eletrodos (ânodo e cátodo) e de uma solução de eletrólitos. Os elétrons produzidos pelas bactérias são transferidos para o ânodo e os prótons para a solução de eletrólitos. Então, uma voltagem externa é aplicada ao sistema, e os elétrons fluem através de um circuito elétrico do ânodo para o cátodo, onde se combinam aos prótons livres (H+). Finalmente, a reação resulta na produção de H2.

Célula de eletrólise microbiana
Célula de eletrólise microbiana (CEM); a) CEM com duas câmaras separadas por uma membrana; b) CEM de câmara única. Fonte: modificado de Ferraren-De Cagalitan e Abundo (2021)
#PraTodosVerem: ilustração de duas células de eletrólise microbiana (CEM). À esquerda, é apresentada uma célula com duas câmaras, separadas por uma membrana. À direita, uma CEM de câmara única. Em ambas, há líquido contendo bactérias e substrato. As CEM têm um ânodo e um cátodo. Um conjunto de setas aponta o fluxo dos elétrons, que vão do ânodo para o cátodo. Em cada CEM, há uma fonte de energia, que permite a passagem da corrente elétrica. No interior das CEM, as bactérias do ânodo convertem o substrato orgânico em prótons (H+) e CO2. No cátodo, a partir dos elétrons que chegam, os prótons (H+) são convertidos em H2. Nas CEM, são produzidos, além do hidrogênio, CO2 e efluente.

Embora as CEM precisem ser alimentadas por uma fonte de voltagem externa, os custos do processo podem ser reduzidos a partir da utilização de substratos alternativos para as bactérias eletroquimicamente ativas. Esses organismos são capazes de utilizar desde carboidratos simples até águas residuárias para a produção de H2.

3 – Processos fermentativos: fotofermentação e fermentação escura

É possível produzir bio-hidrogênio também por meio de processos fermentativos, dependentes ou não de luz. Em geral, durante a fermentação, microrganismos utilizam substratos orgânicos e os transformam em ácidos orgânicos, álcoois, H2 e CO2, entre outros. Se o processo ocorre na ausência de oxigênio, trata-se da fermentação anaeróbia. Caso contrário, temos a fermentação aeróbia.

Na fotofermentação, os microrganismos utilizam energia luminosa para converter os ácidos orgânicos produzidos durante a fermentação anaeróbia a H2 e CO2. Exemplos de bactérias capazes de realizar a fotofermentação são as fotossintetizantes não sulfurosas, como as dos gêneros Rhodobacter, Rhodobium e Rhodopseudomonas.

Quando a produção do H2 não necessita de luz, o processo é denominado fermentação escura. Nele, bactérias fermentadoras anaeróbias como as do gêneros Clostridia, Escherichia, Citrobacter e Bacillus transformam substratos orgânicos em H2 e CO2 na ausência de oxigênio e de luz.

 Dois biorreatores
A integração das tecnologias de fermentação escura e fotofermentação pode contribuir para a redução dos custos operacionais associados à produção do bio-hidrogênio. Fonte: modificado de Chandrasekhar et al. (2021)
#PraTodosVerem: ilustração de dois biorreatores. No biorreator à esquerda, é realizada a fermentação escura. Uma série de setas indica as reações e produtos principais, que são, nesta ordem: substrato complexo – hidrólise – substrato simples – H2, CO2 e ácidos orgânicos. Na parte superior do biorreator, há uma saída para o H2. Uma bomba na parte inferior do reator bombeia o efluente para o biorreator à direita. Nele, é realizada a fotofermentação. O efluente da fermentação escura entra no reator pela parte superior. Setas indicam as reações e produtos principais, nesta ordem: substrato – ácidos orgânicos – H2 e CO2. Na parte superior do reator, há uma saída para o H2. Ao lado do reator, há lâmpadas que representam a fonte de luz para a realização da fotofermentação.

Oportunidades para a produção do bio-hidrogênio

Apesar de ser uma alternativa promissora entre os combustíveis limpos, a produção de bio-hidrogênio está ainda em desenvolvimento. Assim, há desafios a superar para a implantação de sistemas em larga escala, principalmente quanto aos custos operacionais, que, por enquanto, não são competitivos comparados às vias tradicionais de produção do H2. Felizmente, a Biotecnologia pode ser uma aliada para tornar viáveis os processos associados ao bio-hidrogênio.

Independentemente da via de produção do bio-hidrogênio, alguns aspectos que estão sendo pesquisados visando ao maior rendimento e redução dos custos do processo são: o design dos biorreatores, a prospecção e seleção de microrganismos com maior capacidade produtiva e a engenharia genética e metabólica como ferramentas para a otimização das rotas de produção do H2.

Além disso, a produção de bio-hidrogênio está geralmente associada à utilização de matéria orgânica pelos microrganismos envolvidos. Nesse sentido, substratos alternativos podem ser utilizados como fontes de carbono e levar à redução dos custos operacionais. Aqui se destacam, por exemplo, os resíduos agrícolas ou industriais, que vêm sendo investigados como substratos orgânicos baratos.

Hidrogênio no Brasil e no mundo

O H2 pode ser utilizado para a geração de energia elétrica ou diretamente como combustível. Hoje, o hidrogênio produzido é majoritariamente utilizado para fins não energéticos em processos produtivos industriais, como, por exemplo, em refinarias, no processamento de metais e na fabricação de fertilizantes. Contudo, nos próximos anos, a expectativa é de aumento da aplicação do H2 nos transportes e nos centros urbanos, sobretudo como combustível para aeronaves, trens e automóveis e para a geração de energia elétrica e aquecimento de residências.

Alguns países têm estimulado a utilização do hidrogênio como fonte energética, motivados pela construção de uma matriz menos dependente dos combustíveis fósseis. Um exemplo é o Japão, que conta com algumas iniciativas para estímulo à utilização desta molécula, como é o caso de Harumi Flag, uma cidade completamente abastecida por hidrogênio. Além disso, o Japão é o líder mundial em número de estações de hidrogênio combustível, com 134 postos construídos. Outro país que vem investindo no hidrogênio é a China, que pretende ter em circulação 1 milhão de veículos movidos a células de combustível de hidrogênio até 2030.

No Brasil, há crescente interesse no hidrogênio como combustível. Em 2020, o Ministério de Minas e Energia aprovou o Plano Nacional de Energia 2050, em que o hidrogênio foi incluído na estratégia energética brasileira. Ainda nesse contexto, foram estabelecidas em 2021 as diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio 2050 (PNH2). O objetivo do PNH2 é contribuir para o aumento da competitividade e da participação do hidrogênio na matriz energética brasileira. Para tal, estão previstos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção e utilização do H2.

Espera-se que o aumento dos investimentos na utilização do hidrogênio estimulará também o desenvolvimento de pesquisas sobre o bio-hidrogênio. Nos próximos anos, o bio-hidrogênio provavelmente deixará de ser apenas uma promessa e passará a ser uma alternativa viável para a produção de energia limpa. Nesse sentido, a Biotecnologia terá muito a contribuir para a redução dos custos e otimização das vias bioquímicas de obtenção dessa molécula, conhecida como o “futuro dos combustíveis”.

Texto revisado por Darling Lourenço e Luana Lobo

Cite este artigo:
LATOCHESCKI, E. C. Bio-hidrogênio: a “promessa” dos combustíveis limpos. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/bio-hidrogenio-promessa-combustivel-limpo/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

REFERÊNCIAS:

CHANDRASEKHAR, K. et al. Waste based hydrogen production for circular bioeconomy: Current status and future directions. Bioresource Technology, v. 302, n. 122920, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.biortech.2020.122920>. Acesso em: 01 mar. 2022.
FERRAREN-DE CAGALITAN, D. D. T.; ABUNDO, M. L. S. A review of biohydrogen production technology for application towards hydrogen fuel cells. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 151, n. 111413, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.rser.2021.111413>. Acesso em: 30 jan. 2022.
MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio. [S. l.]: MME, fevereiro 2021. 34 p. Nota técnica . Disponível em: <https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-569/Hidroge%CC%82nio_23Fev2021NT%20(2).pdf>. Acesso em: 01 mar. 2022.
PEREIRA, E. C.; MASCARO, L. H. Desafios na produção sustentável de hidrogênio. 2021. Disponível em: <http://cdmf.org.br/2021/02/01/desafios-na-producao-sustentavel-de-hidrogenio/>. Acesso em: 28 fev. 2022.
THE ECONOMIST. Hydrogen: fuel of the future? 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fkX-H24Chfw>. Acesso em: 28 fev. 2022.
Fonte da imagem destacada: Pixabay.

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