O biodesign se caracteriza por utilizar elementos vivos, ecossistemas ou componentes essenciais destes na elaboração de um projeto a ser utilizado pelo ser humano, mesmo que esses tenham somente apelo artístico. O biodesign está fortemente relacionado ao conceito de bioarte, considerado um novo paradigma interdisciplinar em manifestações artísticas, utilizando materiais biológicos e/ou técnicas biotecnológicas, e interpretação desses, de acordo com a manifestação cultural.
Um dos precursores no tema foi William Myers, professor, crítico de design e curador norte-americano, que integrou o conceito de arte e arquitetura à ciência. Porém, durante seu mestrado na School of Visual Arts (SVA), o conceito foi se tornando tão extenso que foi posteriormente publicado como livro sobre o título BioDesign: Nature + Science + Creativity (editora Thames & Hudson) que apresenta 73 exemplos de projetos em biodesign desenvolvidos nos últimos anos, ao redor do mundo. Para William o biodesign não é mimetizar os processos naturais de forma sintética, mas sim gerar topologias híbridas dissolvendo fronteiras entre os ambientes naturais e construídos.
Apesar de não ser requisito, o biodesign geralmente está alinhado a políticas de sustentabilidade. Para William, a sustentabilidade deve ser um dos pilares do biodesign, em entrevista para a Casa Vogue o autor diz: “Aproveitar, de maneira responsável, o que oferece a biologia e seus sistemas vivos, é prioridade, se quisermos sobreviver e manter o tipo de vida que conhecemos.” No entanto, nem todas as abordagens no biodesign são sustentáveis, principalmente considerando o ciclo de vida para a produção de uma peça.
A sustentabilidade é definida como estratégia visando o mínimo impacto ambiental e energético com longevidade geracional. Em algumas situações o gasto como energia elétrica, água e recursos pode ser muito alto para o meio ambiente. Alguns autores sugerem o termo biodesign sustentável que utiliza de sistemas biológicos para gerar artefatos alinhados à uma economia sustentável ou circular.
Melhorando a qualidade do ar com biodesign
Nesse contexto, a integração do design com sistemas biológicos, pode resultar em aplicações muito interessantes. Considerando que um dos pilares do biodesign é a sustentabilidade, a estratégia de utilizar estruturas biológicas de forma a limitar a interferência humana na natureza é uma das áreas mais promissoras. Neste cenário, a empresa AlgenAir, criou um purificador de ar, doméstico, a partir de microalgas. O sistema, chamado de Aerium, é um pequeno tanque para o crescimento da microalga Spirulina, que possui iluminação LED para garantir a fotossíntese. Desta forma, as microalgas, como parte de seu metabolismo, captam o CO2 atmosférico, liberando O2 para o ambiente. A empresa foi criada pelos pesquisadores em biotecnologia marinha Dan Fucich e Kelsey Abernathy, como forma alternativa aos purificadores de ar tradicionais que somente filtram os poluentes atmosféricos.
A empresa vende o refil que consiste em dois frascos, um contendo a suspensão de microalga e outro o meio de cultivo. O refil deve ser trocado a cada dois meses. Vale destacar que a cada troca de refil não há geração de lixo, pois o antigo pode ser utilizado como fertilizante para plantas, pois as microalgas são ricas em diversos nutrientes.
Arte, arquitetura e design em biotecnologia
Atualmente, tanto no Brasil quanto no mundo, podemos perceber manifestações artísticas alinhadas à biotecnologia. É um mercado relativamente novo, mas segundo o especialista em business intelligence, Carlos Oseko, é um movimento contínuo e crescente de ressignificação de elementos e produtos, em escala global. O especialista indica que: “Com a produção de biodesign, nós não envolvemos a indústria e ressignificamos esse material. A sua produção por si só já é uma forma de conscientização, pois quando você recebe um produto diferenciado, ele já educa. A outra questão é que quando você desenvolve uma relação entre usuário e produto, ele passa a sentir um maior pertencimento do processo de produção, é como se o usuário também fosse um produtor”.
Alguns artefatos relevantes para o biodesign são:
- Mesa de Musgo
A mesa foi desenhada e estruturada por pesquisadores e designers na Universidade Cambridge. Na parte interna da mesa existe um “mini” jardim com diversos recipientes contendo musgos e algas que possibilitam a geração de energia. Esse sistema utiliza o crescimento natural das plantas, água e sol, sendo capaz de gerar energia para painéis fotovoltaicos. O sistema é capaz de fornecer energia a um aparelho de baixo consumo de energia, como uma lâmpada.
- Vaso de favo de mel
Em uma abordagem mais artística, o vaso de abelhas do Studio Libertiny apresenta uma modulação da atividade biológica de abelhas para gerar um artefato puramente artístico. A produção foi feita através de um molde e 40.000 abelhas foram cultivadas durante o período de uma semana neste molde, gerando uma estrutura semelhante a um vaso de plantas.
- Espelho Sea Stone
Esse espelho é estruturado em um material composto de resíduos de conchas marinhas. Alinhando tanto o conceito artístico, quanto resíduos biológicos, o Espelho Sea Stone é uma das mais puras expressões do biodesign. Sua base é feita de “pedra do mar”, que é o nome dado ao objeto que os designers Jihee Moon e Hyein Hailey Choi desenvolveram através de conchas descartadas pela indústria de alimentos.
Uma grande diferença entre o biodesign e as tecnologias verdes é que o biodesign depende, de alguma forma, dos organismos vivos para sua concepção e produção – critérios não necessários para tecnologias verdes – que muitas vezes não envolve biotecnologia. Vale destacar que nem todas as abordagens creditadas como “biodesign” são sustentáveis, considerando que a sustentabilidade é definida pelo mínimo impacto ambiental e energético. No entanto, conforme indicado por Myers, a geração de bioprodutos em biodesign deve respeitar padrões de sustentabilidade, como forma de respeito à matéria prima utilizada.
A natureza é extremamente rica, e os seres humanos se aproveitam há anos das riquezas e matérias primas que esta tem a nos oferecer. Muitas vezes a visão exploratória que há séculos baseia a nossa relação com a natureza, limita o tanto que podemos aprender e evoluir com o que nos cerca. Parece simples, porém muitas vezes pouco explorado, mas há formas estratégicas de explorar os recursos naturais de forma funcional e sustentável. Neste contexto, o biodesign surge como a fronteira entre o design e a ciência, sendo uma forma inteligente de alinhar, arte, funcionalidade e sustentabilidade de forma a melhor aproveitar os recursos naturais, alterar a mentalidade exploratória e minimizar o impacto ambiental.
Cite este artigo:
LEAL, G. C. Biodesign: a integração da arte e arquitetura à ciência. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/biodesign-integracao-arte-arquitetura-ciencia/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências
COGDELL, C.. From BioArt to BioDesign. American Art, v. 25, n. 2, p. 25-29, 2011.
GOUGH, P. et al. Speculating on biodesign in the future home. In: Extended Abstracts of the 2021 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems. 2021. p. 1-5.
MYERS, W.. Bio design. Museum of Modern Art, 2012.
YANG, X. et al. Biodesign research to advance the principles and applications of biosystems design. BioDesign Research, v. 2019, 2019.
YOCK, P. Needs-based innovation: the biodesign process. BMJ Innovations, v. 1, n. 1, 2015.
Fonte da imagem destacada: Pixabay.
Amei! Seria interessante citar algumas especializações/pós no Brasil e no exterior, pra já nos dar uma orientação 🙂