A biologia espacial visa o entendimento da distribuição espacial das células e moléculas nos tecidos e suas interações, gerando mapas dos tecidos.

Diferente do que muitos podem pensar inicialmente, a biologia espacial não está relacionada com a astrobiologia. Ela está, na verdade, relacionada à localização de moléculas e células nos tecidos, e daí vem o conceito espacial, como se fosse um mapa dando informações das localizações (espaciais) das moléculas e células. 

Cada vez mais a localização e a associação de células e moléculas tem sido estudada para explicar fenômenos biológicos. Mas não apenas isso, seu entendimento é importante para auxiliar na explicação do porquê algumas pessoas respondem aos tratamentos e outras não, em definições de diagnósticos, descobrimento e desenvolvimento de novos fármacos e alvos farmacêuticos, além de poder facilitar a compreensão de prognósticos. 

Assim como tivemos o Projeto Genoma Humano para coordenar o sequenciamento do genoma, existe hoje o Consórcio “Human Cell Atlas” que utiliza entre outras técnicas a genômica espacial. Aqui a ideia é estabelecer uma correlação entre a localização das diferentes células humanas e a função. Como está mencionado na página do consórcio, “se o projeto genoma nos deu o ‘livro da vida’, o Human Cell Atlas mostra como cada célula lê esse livro”. 

Mas no que consiste a biologia espacial?

Como mencionamos, a biologia espacial visa entender a integração e localização de células e moléculas nos tecidos. Para tal, técnicas convencionais podem ser combinadas e modernizadas para atingir o objetivo desejado. 

Entre elas, a análise das ômicas é feita tradicionalmente pela dissociação das células dos tecidos,  permitindo que informações moleculares sejam obtidas a partir das células individualizadas. No entanto, as informações espaciais importantes que caracterizam a interação e localização celular são perdidas neste processo. 

Por outro lado, você já deve ter ouvido alguém dizer que fez uma biópsia. A análise da biópsia é feita observando o tecido sem dissociação, ou seja, as lâminas preparadas mantêm a interação e localização das células. Convencionalmente, essas amostras são analisadas através de técnicas de histopatologia, com auxílio de corantes e microscópios ópticos. Entretanto existem limitações intrínsecas da histopatologia como o restrito número de marcadores disponíveis.  

O estudo da biologia espacial acompanha os avanços em ambas áreas das ômicas e histopatologia, que se complementam, visando fornecer informações em alta resolução da estrutura dos tecidos, células individuais e moléculas ao mesmo tempo. Entre os avanços, a biologia espacial incorpora técnicas modernas de imuno-histoquímica e sequenciamento de RNA

Alguns pesquisadores consideram que estamos vivendo uma revolução ômica espacial e que isso deve levar a um entendimento muito mais profundo dos organismos. Por exemplo, entender como o mesmo tipo celular se comporta em localizações diferentes no corpo de acordo com a maneira como os genes se expressam ou como a presença ou ausência de certos perfis moleculares (RNAs e proteínas) e celulares guiam o prognóstico de doenças. Espera-se que o mercado para genômica e transcriptômica espaciais atinja 800 milhões de dólares até 2027. 

 De forma simplificada, o estudo de biologia espacial se inicia com o preparo da lâmina a partir de uma biópsia, para isso a dissociação das células não é necessária, apenas o seccionamento do tecido em “fatias” bem finas. As lâminas são então marcadas com diferentes biomarcadores conjugados à “códigos de barra”, fluoróforos ou partículas, e por fim, são feitas as imagens em alta resolução. 

Processo investigação por biologia espacial
Simplificação do processo investigação por biologia espacial: preparo de lâminas a partir de uma biópsia, marcação com biomarcadores, imageamento das lâminas e análise de dados. Fonte: imagem criada pela autora utilizando BioRender.com.

#ParaTodosVerem: no canto superior esquerdo tem-se uma representação de massa celular em vermelho e no meio superior uma camada de células é retirada desse tecido. Existem células morfologicamente diferentes, porém todas estão avermelhadas. À direita são representados diversos tubos coloridos para indicar diferentes biomarcadores. Na sequência, vê-se um equipamento que realiza o imageamento das lâminas de tecido coradas com os biomarcadores. Uma representação da lâmina com as mesmas células marcadas em cores diferentes está registrada no meio inferior da imagem. Com isso, o próximo passo é a análise dos dados gerados, representada por uma figura de forma circular com pontos coloridos.

 Para que sejam geradas informações relevantes no estudo de uma única amostra,  muitas vezes é necessário o uso de centenas de diferentes biomarcadores. Em estudos de fenotipagem, por exemplo, são usados fluoróforos. Entretanto, existe um número limitado dessas moléculas que podem ser usadas simultaneamente sem ocasionar interferência. Desta maneira,a técnica pode requerer que as lâminas com os tecidos sejam marcadas para o imageamento e, em seguida, os marcadores devem ser “apagados” para que novas marcações sejam realizadas. Sendo assim, várias imagens são feitas da mesma lâmina de forma sequencial com os mesmos fluoróforos conjugados a, por exemplo, anticorpos que se ligam a marcadores de superfície diferentes. Utilizando softwares específicos, as imagens podem ser sobrepostas, gerando figuras que parecem verdadeiras obras de arte. Desta forma, pretende-se classificar todas as células e subpopulações celulares na amostra. 

perfil espacial de tonsilas palatinas humanas
Imagem mostrando perfil espacial de tonsilas palatinas humanas, na imagem é possível observar o perfil  de diferentes células, por exemplo, células T em vermelho expressando CD3 (realçada na região C, vermelha). Fonte: Adaptado de Scheuermann et al, 2024.

#ParaTodosVerem: imagem colorida em vermelho, amarelo, branco, azul claro, rosa, roxo, azul marinho, verde. Cada cor representa de um a três marcadores celulares. Na imagem é possível ver alguns clusters (aglomerados) das cores, principalmente em amarelo e vermelho. 

O profissional para trabalhar com Biologia Espacial

Aqui você já deve ter imaginado que para responder às complexas questões emergentes dessa área, é necessário um grupo de profissionais qualificados que tenham conhecimento em diferentes áreas e sejam capazes de interagir eficientemente. O caráter interdisciplinar da biologia espacial requer a contribuição de profissionais com conhecimento em diversas áreas, além das evidentes genética e bioquímica. Entre as áreas de conhecimento que se destacam estão: física, química, imunologia, patologia, bioinformática, estatística e até mesmo geografia.

Conhecimentos em genética e em bioquímica são essenciais para o sequenciamento de DNA e RNA e para as análises ômicas. A física é importante para determinar quais fluoróforos não vão interferir uns com os outros, enquanto que a química está relacionada à ligação dos fluoróforos aos biomarcadores. A importância da imunologia se dá em relação ao entendimento da expressão de receptores de superfície e quais tipos celulares estão presentes.  O conhecimento em patologia contribui para o entendimento e avaliação das lâminas. A bioinformática é essencial para o tratamento de imagem, traduzindo-as em gráficos imparciais e compreensivos. A estatística faz-se presente para análise de dados, e até mesmo profissionais com conhecimento em geografia podem contribuir, já que muitos gráficos e análises geoespaciais que são muito explorados em conceitos geográficos podem ser adaptados para o estudo da biologia espacial. 

Considerando o que vimos, é possível entender o potencial da biologia espacial em transformar o nosso conhecimento sobre a biologia e embasar as pesquisas sobre doenças como o câncer. Além disso, o perfil multidisciplinar do profissional para trabalhar com biologia espacial tem tudo a ver com os biotecnologistas!

Perfil de Cristiane Casonato
Texto revisado por Natália Lopes e Fabiano Abreu

Referências:

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