Segundo o Congresso Mundial de Mineração, em 2018, o Brasil passou a ocupar a oitava posição no ranking dos maiores países mineradores do mundo. Com aproximadamente 473.9 milhões de toneladas de minérios extraídos, o setor mineral passou a representar 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e cerca de 20% do valor das exportações brasileiras, segundo o Ministério de Minas e Energia.
No entanto, apesar de ser uma atividade essencial para o desenvolvimento econômico e social, o processo de mineração convencional gera diversos resíduos e gases. Isso causa diversos problemas ambientais, como a contaminação de solos e cursos de água por metais pesados, desmatamento, poluição do ar, entre outros.
Dessa forma, o mundo passou a buscar uma nova forma de mineração como um possível caminho para mitigar tantos “efeitos colaterais” causados por essa atividade. Essa inovação é conhecida como biomineração e consiste na utilização de microrganismos para extrair metais de interesse econômico de minérios de rocha ou resíduos de minas.
A biomineração durante a História
A era moderna da biomineração começou após a descoberta de uma bactéria capaz de catalisar a oxidação de ferro ferroso (Fe⁺²) em ferro férrico (Fe⁺³) em corpos d’água de baixo pH. Posteriormente, demonstrou-se que a Acidithiobacillus ferrooxidans, bactéria responsável por essa catálise, poderia também acelerar a dissolução oxidativa da pirita (FeS2), o mineral de sulfeto mais abundante na litosfera.
No entanto, apesar de ser uma tecnologia aparentemente nova, existem relatos de que a biomineração era utilizada durante a época medieval em minas de cobre na Espanha, na China e no País de Gales. Eles permitiam a inundação de poços e minas com água contendo ferro metálico. Este processo ocorria a céu aberto, com o rendimento de extração anual de 20 a 25% de cobre residual.
Essa “transformação” de ferro em cobre, como era conhecida a técnica na época, era percebida como uma forma de alquimia. Hoje sabemos que se trata de uma reação eletroquímica que ainda é usada para produzir derivados de cobre a partir de soluções de lixiviação geradas em operações de biomineração de despejo. Falaremos um pouco mais sobre esse processo em seguida.
Com o passar dos anos, a diversificação da biotecnologia desenvolveu a possibilidade de utilizar técnicas biológicas para extração de outros metais de transição além do cobre, permitindo, assim, um destaque maior do potencial da biolixiviação de minérios polimetálicos. No entanto, o conceito permaneceu restrito, em escala, ao processamento de minérios sulfídricos e concentrados, como ouro, cobre e alguns metais de terras raras.
Biomineração na prática
A biomineração, em escala industrial, segue métodos extremamente bem definidos e consolidados. Geralmente, ela ocorre em grandes reatores fechados, conhecidos como biorreatores. Estes dispositivos contêm água, microorganismos (que podem ser bactérias, arquéias ou fungos), o minério desejado e, ocasionalmente, uma fonte de energia para os micróbios.
A utilização de uma fonte de energia varia de acordo com o microorganismo específico que realiza o trabalho. Por exemplo, ouro e cobre são biologicamente extraídos de minérios sulfídricos usando microorganismos que podem derivar energia de fontes inorgânicas, por meio da oxidação de enxofre e ferro. Dessa forma, uma fonte de energia externa não é necessária para extrair esses tipos de minérios.
Essa oxidação química dos minérios de cobre (Cu₂S) com íons férricos (Fe⁺³), como apresentado abaixo, ocorre com o auxílio do microorganismo Acidithiobacillus ferrooxidans, que é capaz de oxidar o Fe⁺² em Fe⁺³.
Cu2S + 1/2 O2 + 2 H+ → CuS + Cu2+ + H2O
CuS + 2 O2 → Cu2+ + SO42−
CuS + 8 Fe3+ + 4 H2O → Cu2+ + 8 Fe2+ + SO42− + 8 H+
Após ocorrerem essas reações, o metal de cobre é recuperado utilizando ferro metálico (Fe⁰).
Fe0 + Cu2+ → Cu0 + Fe2+
O ouro é frequentemente encontrado na natureza associado a minerais contendo arsênio e pirita. No processo de lixiviação microbiana, a A. ferroxidans é capaz de atacar e tornar solúvel os minerais de arsenopirita (FeAsS[Au] ) e, no processo, liberar o ouro (Au):
2 FeAsS[Au] + 7 O2 + 2 H2O + H2SO4 → Fe(SO4)3 + 2 H3AsO4 + [Au]
Legenda: Fe (Ferro), As (Arsênio), E (Enxofre), Au (Ouro), O (Oxigênio), H (Hidrogênio), Cu (Cobre).
Já os elementos de terras raras, como lantânio e neodímio, são biominerados de minérios não sulfídricos usando microrganismos que requerem uma fonte de carbono orgânico, porque esses minérios não contêm uma fonte de energia utilizável. Nesse caso, açúcares são adicionados ao biorreator para permitir que os micróbios cresçam e realizem o trabalho de forma eficaz.
Parece estranho o funcionamento dessa atividade alternativa, porém todos os seres vivos necessitam retirar metais de alguma fonte para que suas enzimas funcionem corretamente. Nós, seres humanos, retiramos esses metais de alimentos durante nossas refeições. Já os organismos utilizados na lixiviação biológica absorvem metais dissolvendo-os dos minérios por meio da produção de ácidos orgânicos, permitindo, assim, uma fácil captação destes.
Existem outras formas de biomineração, como a biolixiviação de pilha e a biolixiviação de despejo. A primeira consiste na borrifação de uma mistura aquosa de microorganismos sobre uma pilha de lixiviação. Em seguida, a solução é coletada e processada para ajudar a recuperar ainda mais metal. Já na segunda, uma solução aquosa de inóculo é continuamente pulverizada sobre o minério. Depois disso, o líquido restante é reunido no fundo do tanque e processado para recuperação de metal suplementar.
Panorama para o futuro
Hoje a biomineração é amplamente praticada em todo o mundo para aumentar a extração de ouro de minérios e concentrados minerais nos quais o precioso metal é bloqueado dentro de um mineral de sulfeto; para extrair cobre de minérios de cobre secundários; e, em menor escala, para lixiviar outros metais básicos.
Recentemente, um “novo braço” desta técnica despertou a atenção do mundo. Na Alemanha, a empresa BRAIN (Biotechnology Research and Information Network) está desenvolvendo uma forma de utilizar a biomineração para extrair metais de lixos eletrônicos. O projeto consiste na criação de unidades de containers que possuirão todos os componentes necessários para a biolixiviação de metais preciosos, e foi projetada para ser uma opção flexível para empresas industriais que buscam extrair metais de vários fluxos de resíduos.
Segundo Esther Gabor, Gerente do Programa de Mineração Verde e Urbana da BRAIN, “A grande vantagem é a sustentabilidade do processo. Ele substitui produtos químicos agressivos ou tóxicos por biomassa microbiana, e reduz significativamente a demanda de energia e, consequentemente, a pegada de CO₂ dos processos de recuperação de metal em comparação com a mineração convencional e a reciclagem química de ouro.”
Outra startup que vem se destacando neste setor é a Mint Innovation. Com sede na Nova Zelândia, a empresa visa criar ‘minas urbanas’ para extrair biologicamente metais preciosos em todas as grandes cidades do mundo. A missão é transformar o lixo eletrônico em pó, adicionando ácidos e oxidantes para dissolver os metais em uma solução líquida. Nessa solução os microrganismos são capazes de encontrar o ouro e acumulá-lo em sua superfície, e logo podem ser filtrados e refinados para liberar o metal precioso.
O cenário da biomineração parece crescer a cada ano que passa. Apesar desta atividade ainda apresentar alguns desafios econômicos em sua implantação, pois, muitas vezes, a criação dos microorganismos necessários demanda investimentos, a sua recompensa ambiental com certeza trará grandes benefícios para as futuras gerações.
Cite este artigo:
ENRICI, A. W. Biomineração: A alternativa para uma economia mineradora mais sustentável. Revista Blog do Profissão Biotec, v.9, 2022. Disponível em:<https://profissaobiotec.com.br/biomineracao-alternativa-para-economia-mineradora-sustentavel/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.
Referências:
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