A biopirataria pode comprometer negativamente a biodiversidade. Mas o que a biotecnologia tem a ver com isso? Seria ela o problema ou a solução?

A biopirataria pode ser definida como uma apropriação ilegal de recursos biológicos e conhecimentos culturais e tradicionais por indivíduos ou instituições que não façam parte daquela comunidade. Há  alguns casos clássicos de biopirataria no Brasil, especialmente quando se trata da Amazônia –  maior e um dos principais biomas brasileiro. Entre eles, o tão famoso Pau-brasil, que remete não apenas ao início da exploração do Brasil pelos portugueses, mas também aos “sumiços” de tantas outras espécies nativas.

Apesar de não andarem de tapa olho e perna de pau, os “biopiratas” também se apropriam de tesouros que não os pertencem – no caso, recursos biológicos (e conhecimentos associados).
Fonte:
Arionauro cartuns

Atualmente, leis e normas brasileiras tentam proteger o país dessas práticas criminosas. O Ministério do Meio Ambiente é um forte atuante nesse aspecto, estando à frente de um sistema de regulação do acesso aos recursos biológicos. Além disso, atualmente, pesquisas que utilizem patrimônio genético brasileiro e/ou conhecimento tradicional devem ser cadastradas ao SisGen, o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado.

Internacionalmente, a Convenção sobre a Diversidade Biológica atua a favor das populações e conhecimentos tradicionais, e define que haja a conservação da biodiversidade, bem como seu uso consciente. Sua atuação se dá de forma a buscar meios legais de manter a exploração de recursos naturais, o que é essencial para o desenvolvimento e manutenção do comércio mundial, desde que aliada a posturas mais “amigáveis” e sustentáveis.

Bom, mas dentro desse contexto, onde entra a nossa tão querida biotecnologia?

Por incrível que possa parecer, ela é, em certo ponto, negativamente relacionada à biopirataria. Mas seria a biotecnologia culpada, ou até mesmo “causadora” da biopirataria?!

Antes de entrar a fundo nessa questão, é importante perguntar: o que é biotecnologia? Essa é uma definição importante, que o Profissão Biotec já explicou nesse vídeo. Basicamente, podemos dizer que a biotecnologia consiste de um conjunto de técnicas que se utilizam de agentes biológicos (organismos vivos ou parte deles, como, por exemplo, enzimas) a fim de elaborar produtos ou soluções úteis à vida humana. Se ela visa auxiliar e facilitar o dia a dia da humanidade, como poderia, de alguma forma, contribuir para algo tão prejudicial como a biopirataria?

Qual será o caminho tomado pela biotecnologia nessa história? Certo ou errado? Fonte: Pixabay

Os argumentos nesse sentido apelam para o fato de a biotecnologia estimular a exploração de recursos naturais por diversas indústrias. Essa exploração, por sua vez, está diretamente relacionada aos princípios ativos presentes em vegetais e que compõem muitos dos produtos biotecnológicos – como cosméticos, medicamentos, entre outros. Materiais utilizados em processos biotecnológicos também seriam alvo da biopirataria, novamente ligando a biotecnologia a essa prática criminosa.

Segue um exemplo real para ilustrar a situação. O curare é um extrato vegetal tóxico, utilizado como veneno por tribos brasileiras da Amazônia. Em 1800, um europeu foi o primeiro estrangeiro a ter acesso à preparação do extrato, e em 1943 seu princípio ativo, então isolado, passou a ser comercializado pela indústria farmacêutica como anestésico e relaxante muscular. Uma multinacional deteve a patente do composto, atualmente produzido por apenas três laboratórios. O ponto é que os nativos nada receberam pelo curare, ou sequer pelo conhecimento que, certamente, deu um grande lucro aos produtores da indústria.

A ganância é a grande base desses argumentos, já que as indústrias movimentam não só um grande volume de dinheiro, mas também de conhecimento. Por que o conhecimento estaria associado à ganância?! Uma palavra: Patentes.

Vamos fazer um pequeno parêntese para falar sobre patentes

Elas são um tipo de instrumento legal de Propriedade Intelectual e acabam dando um certo “status” a quem as detêm, pelo fato de dar exclusividade sobre uma invenção (seja ela produto ou processo de produção). Por mais que existam altos custos para o depósito e manutenção das patentes, em certos casos, elas podem render lucro ao seu detentor.

Conhecimento resulta em descobertas. Descobertas podem resultar em patentes, desde que cumpram determinados requisitos: novidade, atividade inventiva e escalabilidade. Para que terceiros se utilizem da descoberta protegida pela patente, há a necessidade de pagamento de royalties, caso onde a mesma gera lucro a quem a detém. Ainda assim, vale ressaltar que, muitas vezes, uma patente “nas mãos certas” pode evitar as ações movidas à ganância. Afinal, o detentor da patente é dono de seu “destino” e pode decidir como será usada e a quem irá beneficiar. Você pode ler mais sobre o que são e como as patentes funcionam aqui.

Seria, então, a ganância das indústrias culpada pela má fama que recebeu a biotecnologia quando se trata da biopirataria?! Fonte: Terra de direitos

De volta às leis contra a biopirataria

A verdade vai muito além de ganância, exploração e fatores interligados. Em primeiro lugar, apesar de o Brasil dispor de leis e normas para a proteção dos recursos biológicos, estas ainda são ineficazes, especialmente quando se tratam daquelas relacionadas ao desenvolvimento biotecnológico. Assim, as próprias lacunas na lei brasileira acabam expondo o país à biopirataria.

Nesse sentido, iniciativas brasileiras e estrangeiras visam harmonizar as leis sobre patentes e invenções biotecnológicas. Essa é uma tentativa de garantir que o desenvolvimento das indústrias seja mantido sem que se associe à prática criminosa. Um ponto também importante nesse contexto é a Convenção sobre a Diversidade Biológica, na qual determinou-se que os recursos biológicos não devem ser considerados patrimônios da humanidade. Ou seja, cada país é soberano sobre seus próprios recursos.

Isso já tira a “culpa” dos ombros da biotecnologia, pois através dela é possível a criação e otimização de ferramentas para facilitar o desenvolvimento sustentável, alvo das políticas e leis supracitadas. O Profissão Biotec já falou sobre isso aqui e aqui. Mas a biotecnologia tem um papel ainda mais direto no combate à biopirataria.

A biotecnologia contra a biopirataria

Através dela, técnicas de maior acurácia, muitas envolvendo biologia molecular, vem sendo cada vez mais utilizadas na rotina contra a biopirataria. Quando se trata da flora, a genômica de plantas é uma grande aliada para a identificação, catalogação e rastreamento de diversas espécies. Quanto à fauna, a análise de DNA mitocondrial tem se mostrado mais eficaz do que os métodos clássicos da ciência forense de identificação através de penas e pêlos (você pode ler mais sobre a Biotecnologia Forense aqui).

Esse papel da biotecnologia na luta contra a biopirataria também se reflete na proteção contra fraudes em produtos diários. Um bom exemplo é a Myleus, empresa brasileira que se utiliza da identificação de peixes a nível genômico para evitar que o consumidor seja enganado. O Profissão Biotec já falou sobre a atuação da biotecnologia contra fraudes diárias e você pode conferir nesse vídeo aqui.

O modelo acima é um ótimo exemplo de como a aplicação dos conhecimentos biotecnológicos pode ser útil contra fraudes. Primeiro, a amostra a ser testada é encaminhada, junto a alguns documentos referentes à mesma. Em seguida, a amostra passa por diversos processos, a fim de se obter seu DNA, posteriormente analisado. Essa análise se baseia em regiões do DNA que são específicas entre diferentes espécies. Fazendo uma analogia ao jogo quebra-cabeça: apenas a peça certa se encaixa em um determinado espaço, bem como apenas a sequência certa se “encaixa” no DNA de determinado organismo. Por fim, é emitido um laudo em que consta a espécie encontrada na amostra. (Figura de autoria própria)

Afinal, percebemos que, na verdade, a biotecnologia tem muito o que contribuir na luta contra a biopirataria. A iniciativa legal e de conscientização também são importantes para a vitória nessa batalha – inclusive, 03 de dezembro é o dia nacional de combate à pirataria e biopirataria. Além disso, o respeito entre as diferentes nações, ao desenvolvimento sustentável e à diversidade biológica devem ser reconhecidas igualmente, bem como o reconhecimento e retribuição às culturas tradicionais.

Agora você já pode sair por aí explicando e desmistificando a relação da biotecnologia com a biopirataria! Que tal começar agora mesmo?!

Texto revisado por Rorigo Cano e Natália Videira
Referências:

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Sobre Nós

O Profissão Biotec é um coletivo de pessoas com um só propósito: apresentar o profissional de biotecnologia ao mundo. Somos formados por profissionais e estudantes voluntários atuantes nos diferentes ramos da biotecnologia em todos os cantos do Brasil e até mesmo espalhados pelo mundo.

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