O desenvolvimento dos materiais plásticos feitos, principalmente, a partir de petróleo, surgiram como uma forma de evolução na indústria, e eles foram ganhando cada vez mais formas de utilização, desde a produção de sacolas até as aplicações mais industriais. Porém, uma das características que fizeram com que esse material ganhasse tanto espaço no nosso dia-a-dia é também o maior vilão ecológico: a sua durabilidade no meio ambiente.
Estima-se que materiais plásticos demorem por volta de 500 anos para se degradar no ambiente e que a forma como utilizamos-os colabora para que o problema se agrave. Os materiais plásticos em grande parte são utilizados de forma descartável, sendo muitas vezes usados por poucas horas e em seguida descartados. No entanto, o que geralmente ignoramos é que esses materiais são na verdade muito difíceis de serem descartados.
A queima desses materiais gera muitos resíduos químicos tóxicos, enquanto sua coleta para reciclagem, apesar de ser vista como uma solução, é bastante complexa, uma vez que, existem uma variedade de plásticos e com isso, precisam ser reciclados através de processos distintos.
Dessa maneira, o uso desenfreado de materiais plásticos no nosso dia-a-dia e a sua difícil degradação no ambiente geram um grande problema ambiental de proporções mundiais, que é o acúmulo desse lixo plástico no oceanos. O Brasil, por exemplo, gera 11.355.220 milhões de toneladas de lixo plástico por ano, segundo um estudo divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) em 2019.
O que a biotecnologia tem feito a respeito desse problema?
A biotecnologia vem sendo usada de várias maneiras na tentativa de diminuir o problema causado pelo descarte de todo esse plástico no ambiente. Algumas soluções biotecnológicas para esse problema envolvem o desenvolvimento de plásticos que possam ser degradados no ambiente, o uso de microrganismos que produzem enzimas capazes de degradar plástico, assim como, microorganismos modificados através de técnicas SynBio*, ou o desenvolvimento de enzimas capazes de fazer essa degradação através da engenharia de proteínas.
Leia também nosso texto:” Vamos repensar o plástico? E se ele fosse produzido por bactérias?
Outra alternativa para a substituição do petróleo na produção de plásticos tem sido utilização de biomassa. Esses materiais, também chamados de polímeros bio-based (bio-based polymers) são plásticos feitos parcialmente ou totalmente a partir de materiais derivados de fontes biológicas como cana-de-açúcar, amido de batata ou celulose vinda de árvores e palha de vegetais.
Mas afinal, o que são bioplásticos?
O termo bioplástico refere-se a plásticos produzidos a partir de fontes renováveis de biomassa e engloba dois tipos de materiais: plásticos biodegradáveis e bio-based plásticos. Porém, nem todo bioplástico é biodegradável. Existem alguns tipos de plásticos que apesar de serem bio-based, ou seja, produzidos a partir de biomassa, têm características idênticas aos plásticos petroquímicos, é o caso dos plásticos bio-PET, bio-PE, bio-PP. Da mesma forma, alguns plásticos derivados de petróleo também podem ser biodegradáveis, uma vez que podem ser decompostos por algum tipo de organismo vivo.
Leia mais sobre essa reflexão no texto “Será que todo bioplástico é amigo da natureza?”
Dessa forma, os pesquisadores buscam desenvolver plásticos bio-based que sejam biodegradáveis e caracterizar os microrganismos que possam degradá-los. Os plásticos bio-based biodegradáveis produzidos a partir de celulose e amido são formados por polímeros que podem ser diretamente consumidos por microorganismo após seu peso molecular ser reduzido fora da célula pela ação de enzimas (Figura 1).
Os polidroxialcanoatos (PHA) e os ácidos poliláticos (PLA) são os plásticos bio-based e biodegradáveis mais comuns. Os PHAs são poliésteres produzidos na natureza pela fermentação de açúcares e lipídeos, ele é comparável ao polipropileno, tem boa resistência a umidade e propriedades que possibilitam que funcione como barreira para gases. Esses polímeros podem ser usados em embalagens, na indústria farmacêutica e médica e até mesmo em algumas tintas.
Diferentes tipos de bactérias produzem distintos tipos de PHAs, sendo a composição do polímero variável também devido ao tipo de fonte de carbono disponível para as bactérias. Podem ser usados como fonte de carbono a glicose, citrato, glicerol, acetato, butirato, palmitato, óleo de milho e até mesmo resíduo de óleo de fritura. Levando em consideração que o custo é o maior fator limitante para utilização industrial dos PHAs, a utilização de resíduos na sua produção é uma opção para diminuição dos custos de produção.
Os PLAs são produzidos a partir da fermentação da biomassa produzindo o ácido lático que é então polimerizado para formar o ácido polilático. Podem ser utilizados amido de milho, raízes de mandioca ou cana de açúcar como fonte de biomassa. Esse polímero tem sido bastante utilizado na área medicinal por sua capacidade de se incorporar em tecidos humanos e animais.
Quando se fala em sustentabilidade, a produção dos bioplásticos esbarra em uma questão fundamental, a qual é competir com as fontes de alimentos. Isso deve-se ao fato de a fonte de carbono e biomassa ser essencialmente produzida a partir de commodities como o milho, por exemplo, impactando diretamente na oferta de alimentos. Assim, essa questão tem dificultado o acesso das indústrias de bioplásticos às matérias primas e a solução que tem sido explorada pelos pesquisadores é a utilização de resíduos agrícolas como cascas e talos de vegetais.
Utilizando resíduos agroindustriais na produção de bioplásticos
Segundo a FAO (Food and Agriculture Organization), 1,3 bilhões de toneladas de alimentos são perdidos todo ano no mundo. Em geral, 30% dos alimentos produzidos são perdidos. Essas perdas ocorrem geralmente no fim da cadeia de produção, incluindo as perdas na pós-colheita, durante comercialização e resíduos da indústria. A maior parte desses resíduos é descartada em lixões, ou em alguns casos usados na compostagem.
Na última década, uma nova possibilidade de utilização desses resíduos da cadeia produtiva de alimentos tem sido extensamente estudada. Grandes esforços têm sido despendidos no intuito de utilizar esses resíduos na produção de plásticos biodegradáveis, em especial o PHA. Dessa forma, trazendo uma maneira prática de valorização desses resíduos e colaborando para diminuição do problema da utilização de plásticos produzidos a partir de petróleo.
Até o momento a conversão de resíduos agroindustriais em PHA ainda está nos seus estágios iniciais de desenvolvimento. A produção de bioplásticos a partir de resíduos agroindustriais é um processo sustentável, no qual os materiais são sintetizados a partir de recursos neutros em carbono. Os benefícios ambientais da utilização desses resíduos agroindustriais na produção de bioplásticos será a força propulsora para expandir sua utilização futuramente.
O PHA se destaca como o principal colaborador para expansão do mercado de polímeros biodegradáveis. Entretanto, a maioria da matéria prima utilizada em sua produção atualmente são culturas utilizadas na alimentação humana, como a cana-de-açúcar e óleos vegetais. Dessa forma, o custo de produção do PHA é atualmente de 5 a 10 vezes maior que o custo de produção de um polímero derivado de petróleo. Neste contexto, o custo da matéria prima corresponde à metade do custo de produção total.
Na busca por reduzir o custo de produção dos bioplásticos, os resíduos agroindustriais tem papel estratégico. Resíduos que possuem quantidades suficientes de fontes de carbono possuem grande potencial para produção de PHA através da fermentação bacteriana. Apesar disso, para que sejam usados como matéria prima na produção do PHA esses resíduos precisam passar por um pré-tratamento para alterar suas características físico-químicas e biológicas. Esse processo tem como objetivo disponibilizar componentes como lipídeos, proteínas e polissacarídeos (como amido e celulose) para que possam em seguida passar pela hidrólise enzimática (Passo 2 da Figura 1) e fermentação (Passo 3 da Figura 1). A Figura 2 abaixo mostra o passo a passo para utilização dos resíduos da indústria alimentícia na produção de PHA.
Desenvolvimento de bioplásticos a partir de resíduos agroindustriais no Brasil
Em várias universidades brasileiras há pesquisadores empenhados no desenvolvimento de bioplásticos a partir de diversos resíduos agroindustriais. Um bioplástico desenvolvido na Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto pela química Bianca Chieregato Maniglia, por exemplo, utiliza resíduos agroindustriais provenientes da extração do pigmento de cúrcuma e do óleo de babaçu para produção do polímero (Figura 3).
Com produção industrial e comercial, a empresa brasileira Braskem produz desde de 2010 o Polietileno verde I’m greenTM. Produzido a partir de cana-de-açúcar, o I’m greenTM mantém as mesmas propriedades dos polietilenos de origem fóssil, podendo inclusive ser reciclado dentro da mesma cadeia de reciclagem, uma vez que não é biodegradável. A empresa possui ainda um centro de Pesquisa e desenvolvimento que conta a parceria da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) para o desenvolvimento de pesquisas para rotas de produção de biopolímeros ou polímeros de fonte renovável.
Uma outra iniciativa que vale destacar é a Start-up Polimex Bioplásticos. Essa Start-up foi criada por estudantes do curso de processos químicos do IFRJ (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro) e tem como objetivo o desenvolvimento de novos materiais e a venda para empresas de embalagens, canudos, sacolas e descartáveis em geral. Eles desenvolvem o PNB (Plástico Natural Biodegradável) que é produzido a partir de materiais 100% renováveis. O PNB é uma alternativa aos plásticos petroquímicos Polipropileno (PP) e polietileno (PE), e pode ser incorporado na mesma cadeia produtiva destes sem alterações significativas nos processos industriais.
Os resíduos agroindustriais utilizados no processo são de produtos tipicamente brasileiros, com o açaí, por exemplo. A utilização desses resíduos agroindustriais reduz seu custo final e torna o preço competitivo. A previsão da Start-up é que o produto seja lançado no mercado no segundo semestre de 2020.
Apesar dos bioplásticos surgirem como uma opção ecológica para redução da utilização de petróleo e redução de lixo não biodegradável, ainda existe um longo caminho na competição com os polímeros a base de petróleo que usamos atualmente. Talvez o maior impulsionador para o crescimento dessa biotecnologia seja a preocupação ambiental que irá direcionar o crescimento da indústria e da tecnologia por trás da produção desses bio-polímeros.
Se você se interessou pelo assunto e conhece iniciativas como as citadas nesse artigo conta pra gente nos comentários!
* SynBio – Synthetic Biology (Biologia Sintética). Área de pesquisa multidisciplinar que busca criar novos sistemas biológicos ou modificar sistemas que já existem na natureza.
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