Uma pessoa que tenha crescido na cultura ocidental provavelmente não terá uma reação muito positiva à menção de insetos: a primeira coisa que viria à sua cabeça seria o inconveniente zumbido de um mosquito, que parece saber exatamente quando será aquela prova importante que requer uma boa noite de sono, ou as temíveis baratas, que, bom… dispensam explicações.
Porém, muito mais que meras inconveniências cotidianas (ou erros da natureza, como pensam os mais extremistas), os insetos são, na verdade, fontes bastante promissoras de diversos compostos de interesse, que já estão sendo aplicados no mercado de alimentos (e com um potencial incrível em vários outros).
Pequenos em tamanho, grandes em conteúdo, gigantes em população
Os insetos são ricos em nutrientes, especialmente proteínas e lipídeos; o conteúdo dessas substâncias varia entre as espécies e durante a fase de desenvolvimento. Eles possuem inúmeras vantagens quando comparados ao gado de corte, a fonte mais tradicional de proteínas, incluindo a alta taxa de reprodução, curto ciclo de vida e maior taxa de conversão alimentar. Também apresentam-se como um potencial mais ecológico, pois necessitam de menores quantidades de água, energia e terras agrícolas, e geram menores quantidade de gases do efeito estufa.
Todos esses fatores fazem com que a biomassa obtida no cultivo de grilos seja elevada em quantidade e relativamente fácil de ser obtida; além disso, muitos insetos conseguem crescer se alimentando de resíduos orgânicos, o que aumenta as vantagens da utilização desses organismos como matéria-prima com custo reduzido para a obtenção de compostos de interesse.
Mercado crescente
O mercado global de insetos atingirá o valor de 7,9 bilhões de dólares em 2030, segundo as projeções de ResearchAndMarkets.com. Esse mercado engloba a produção de insetos diretamente para o consumo humano ou animal e seus derivados, como farinha de insetos, barras e shakes de proteína, bebidas, entre outros.
A aversão das pessoas à entomofagia na cultura ocidental e ao uso de insetos de forma geral pode ser uma barreira à utilização direta na alimentação humana pelos próximos anos, até que diminua o preconceito e a associação desta prática à fome e à “falta de comida” em países em desenvolvimento. Para contornar esse problema, uma alternativa seria o uso indireto dos insetos – ou seja, extrair os componentes de interesse para formular produtos inovadores. O PB vai te mostrar como as biotransformações podem ser uma ferramenta incrível para produzir la crème de la crème desses pequenos serezinhos.
Aplicações industriais
As proteínas e os peptídeos na indústria farmacêutica
São encontradas nos insetos inúmeras proteínas que possuem diversas propriedades biológicas de interesse farmacêutico, como atividades antioxidante, anti-inflamatória, anti-hipertensiva e anticarcinogênica; um dos maiores potenciais farmacêuticos provenientes dos insetos é, no entanto, a grande quantidade de peptídeos antimicrobianos (AMPs) encontrados em várias espécies, como a larva da mariposa gigante de seda Hyalophora cecropia, produtora do primeiro AMP de insetos purificado, a cecropin.
De acordo com o relatório de resistência microbiana publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2014, é crescente o número de bactérias que têm se tornado resistente aos antibióticos comumente utilizados para o tratamento de doenças – várias dessas bactérias estão presentes em alimentos, como Staphilococcus aureus, Escherischia coli e Shigella spp., fato que aumenta as preocupações com a possibilidade de surtos alimentares. Por esse motivo, os peptídeos antimicrobianos dos insetos se tornaram uma grande área de interesse na descoberta de novos antibióticos que sejam biologicamente ativos e não tóxicos aos hospedeiros. Desde o primeiro AMP purificado, em 1980, mais de 150 AMPs já foram identificados e/ou purificados.
Os lipídeos na indústria de combustíveis
A produção de biocombustíveis enfrenta o entrave do custo de produção, em geral mais elevado se comparado aos combustíveis petroquímicos; boa parte deste custo está associada aos custos da matéria-prima. A utilização de insetos oleaginosos (ricos em gordura) é uma opção para a redução deste custo: um artigo de 2018 mostrou a produção enzimática de biodiesel utilizando a gordura extraída da larva de mosca soldado negro (Hermetia illucens), a qual consegue assimilar resíduos orgânicos para o seu crescimento. O estudo utilizou a enzima lipase para catalisar a transesterificação da gordura com metanol, resultando em rendimentos acima de 95%. O biodiesel obtido atende às especificações internacionais, e a possibilidade da reutilização das enzimas por até vinte ciclos é um indicativo da viabilidade econômica do processo.
A quitina e suas inúmeras utilizações
A quitina e a quitosana são, após a celulose, os biopolímeros mais abundantes no planeta. Elas são constituintes do exoesqueleto de insetos e crustáceos, e até pouco tempo eram considerados resíduos do processamento desses produtos, por serem de difícil reaproveitamento. Processos industriais envolvendo a aplicação de enzimas (ou a fermentação promovida por micro-organismos como bactérias lácticas) têm sido desenvolvidos com o objetivo de extrair esses compostos do exoesqueleto de insetos ou facilitar sua extração por meio da remoção das proteínas a eles ligadas, a fim de substituir o tradicional uso de tratamento ácido/alcalino.
As aplicações industriais da quitina e quitosana extraídas dos insetos são extremamente diversificadas:
- Indústria alimentícia: fibras dietéticas, conservante para molhos, recobrimento de frutas;
- Tratamento de água: polímero ecológico, floculante para clarificação;
- Agricultura: mecanismos defensivos e adubo para plantas;
- Indústria de cosméticos: esfoliante para a pele, tratamento de acne;
- Área biomédica: implantes dentários, liberação controlada de drogas em animais e humanos;
- Indústria têxtil: revestimento para tecidos, para aumento da resistência ao desgaste.
Um bom exemplo de aplicação da quitina na área de biomateriais é a utilização deste polímero para a produção de curativos. Anteriormente à década de 50, o papel dos curativos era meramente passivo – sua função era apenas proteger a ferida contra a sujeira e agentes infecciosos, mas sem interferir no processo de cura em si. Nas últimas décadas, no entanto, os curativos tem ganhado cada vez mais importância na função de estabelecer e manter um ambiente ideal para o reparo de feridas.
A quitina é um material biocompatível que possui a incrível capacidade de acelerar a cicatrização de feridas em humanos, por meio da estimulação da migração de células polimorfonucleares (PMN) e mononucleares, acelerando a re-epitelização e regeneração da pele em caso de feridas não muito profundas (e sem a formação de cicatrizes e excesso de tecido de granulação!). Observe na imagem abaixo como, após vinte dias de tratamento, a marca da ferida suturada utilizando nanofibrilas de quitina está bem menos proeminente.
A aplicação dos insetos para fins comerciais é enorme. A descoberta de novos metabólitos e o desenvolvimento de novos processos de obtenção e purificação dos mesmos, além do processo de aceitação por parte dos consumidores, é a chave para que a utilização destes seres atinja o seu máximo potencial! Gostou da leitura? Bora compartilhar e mostrar pro mundo como a pesquisa com o uso de insetos tem um potencial incrível?! 😀