Biotecnologia e medicina de precisão transformam o diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose com novas ferramentas.

A tuberculose (TB) é uma das doenças infecciosas mais antigas da humanidade, mas segue como uma das principais causas de morte por infecção no mundo. Esse cenário é consequência do desafio de lidar com uma doença complexa, determinada socialmente e biologicamente, em populações diversas e muitas vezes vulnerabilizadas. Dentro desse contexto, a biotecnologia está abrindo novas possibilidades para revolucionar como diagnosticamos, tratamos, prevenimos e compreendemos a TB.

Diagnóstico: da detecção molecular ao perfil de risco personalizado

A biotecnologia tem revolucionado o diagnóstico da tuberculose, proporcionando ferramentas mais rápidas e precisas. Antigamente, os resultados de exames para diagnóstico de tuberculose demoravam dias (baciloscopia) ou até mesmo semanas (cultura, padrão-ouro) para ficarem prontos. Atualmente, existe um teste rápido molecular (GeneXpert) que é baseado em PCR em tempo real, e permite a detecção rápida da bactéria e de genes de resistência a medicamentos em poucas horas. Esse foi um avanço que aumentou muito a detecção e de notificação de casos no Brasil. 

Realização do teste rápido molecular.
Realização do teste rápido molecular. Fonte: USAID. #ParaTotosVerem: Uma mulheres vestindo um jaleco branco, luvas de látex, uma máscara N95 e um Hijabe preto opera um equipamento de diagnóstico molecular.

Porém, o diagnóstico molecular atual ainda é centrado no escarro — uma amostra de difícil obtenção em crianças, idosos e pessoas vivendo com o vírus da imunodeficiência humana (HIV). É nesse ponto que a biotecnologia pode trazer ainda mais inovação e eficiência: a busca por biomarcadores sanguíneos e urinários, capazes de indicar a presença da bactéria ou até prever quem está em risco de adoecer. O teste de LAM urinário, que detecta o antígeno lipoarabinomanana na urina, é um teste rápido e sem necessidade de estrutura laboratorial, que já é uma realidade em alguns contextos, especialmente em pessoas com HIV

Mas o futuro aponta ainda para assinaturas transcricionais e inflamatórias no sangue, capazes de fornecer um retrato preciso da resposta imune e inflamatória do paciente. Além disso, a biotecnologia permite identificar biomarcadores preditivos de progressão, ou seja, marcadores que distinguem quais pessoas que tiveram contato próximo com um paciente com tuberculose têm maior risco de desenvolver a doença. Essa é a verdadeira integração entre biotecnologia, medicina de precisão e vigilância epidemiológica personalizada.

Tratamento: personalização baseada em genética e inflamação

A personalização do tratamento da tuberculose, impulsionada pela biotecnologia, também é um grande avanço. A farmacogenética, que estuda como as variações genéticas influenciam a resposta aos medicamentos, permite identificar pessoas que metabolizam fármacos de forma diferente. Por exemplo, algumas pessoas metabolizam um medicamento mais rápido que outras, razão pela qual elas precisam de uma dose (ou frequência) maior para se conseguir o efeito desejado – e o contrário também é verdadeiro. Vários estudos (inclusive brasileiros) têm sido desenvolvidos para identificar essas variações genéticas e personalizar o tratamento contra a tuberculose, pensando em melhorar a eficácia e também reduzir os efeitos colaterais. Essa é a essência da biotecnologia e medicina de precisão aplicada à TB — cada paciente é tratado conforme seu perfil biológico único.

Prevenção: vacinas de nova geração e predição de risco personalizada

A principal estratégia de prevenção da tuberculose ainda é baseada principalmente na vacina BCG, desenvolvida há mais de um século e com eficácia variável, especialmente contra a forma pulmonar da doença em adultos. A biotecnologia tem revolucionado essa área com o desenvolvimento de vacinas de subunidades, DNA e RNA, algumas delas já em fase avançada de desenvolvimento. Além disso, com ferramentas de inteligência artificial, é possível cruzar dados de exames, histórico de saúde e até fatores ambientais para prever quais comunidades estão em maior risco, ajudando na tomada de decisão para ações preventivas.

Entendimento da fisiopatologia: do patógeno ao expossoma

Entender a tuberculose vai muito além da bactéria. A biotecnologia permite estudar, célula por célula, como o sistema imunológico responde à bactéria e como o próprio bacilo cria mecanismos para escapar dessa defesa. Por exemplo, sabemos que a bactéria manipula o metabolismo de gorduras.  Ela interfere no sistema de estresse oxidativo, regulando enzimas como a heme oxigenase, para garantir sua sobrevivência. A biotecnologia nos ajuda a entender esses mecanismos, e consequentemente a criar estratégias e tratamentos para combater a bactéria e ajudar a reduzir os danos causados pela tuberculose.

O futuro: inteligência artificial e plataformas multiômicas integradas

Por fim, o futuro do combate à tuberculose passa por ferramentas que consigam processar esse volume gigantesco de dados biológicos e clínicos de forma inteligente e automatizada: onde a bioinformática é fundamental. A aplicação de aprendizado de máquina para integrar dados multiômicos (RNA, proteínas, genética, clínica e ambiente) permite a criação de modelos preditivos capazes de identificar pacientes em risco de não responder ao tratamento da forma esperada, ou prever surtos em determinadas populações vulneráveis.

Com isso, a biotecnologia e a medicina de precisão deixam de ser conceitos abstratos e se tornam ferramentas concretas para mudar o futuro da tuberculose — especialmente em países como o Brasil, onde a doença atinge principalmente populações vulnerabilizadas e os recursos são limitados.

O futuro da tuberculose passa pela fusão entre biotecnologia de ponta, inteligência artificial e medicina de precisão adaptada à realidade local. É essa abordagem integrada que permite sair da lógica “tamanho único” e construir um cuidado verdadeiramente personalizado — do diagnóstico à cura. Isso é biotecnologia aplicada à saúde, e essa é a ciência que pode transformar o controle da tuberculose no Brasil e no mundo.

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Autora: Mariana Araújo Pereira

Pesquisadora em Medicina de Precisão e Imunologia, com foco em biomarcadores, multiômica e biotecnologia aplicada a doenças infecciosas, especialmente tuberculose e HIV. Pesquisadora Colaboradora da Fundação Oswaldo Cruz. Doutora em Patologia (Fiocruz-Bahia), Mestre em Bioinformática (USP), e Biotecnologista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atua com análises preditivas e estratégias de personalização de tratamento especialmente para tuberculose e HIV, integrando inteligência artificial e ciência translacional para transformar o cuidado em saúde pública.

Cite este artigo:
PEREIRA, M. A. Biotecnologia como aliada no combate à tuberculose. Revista Blog do Profissão Biotec, v. 12, 2025. Disponível em: <https://profissaobiotec.com.br/biotecnologia-como-aliada-no-combate-a-tuberculose/>. Acesso em: dd/mm/aaaa.

REFERÊNCIAS

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Fonte da imagem destacada: Picpedia.org

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